sexta-feira, 24 de julho de 2020

Reféns do Preconceito

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 28

"Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?"

"Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será falta com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. (...)"

O Livro dos Espíritos - Questão 903

Alguns companheiros sensatos e bem intencionados angustiam-se com o célebre ensinamento de Jesus sobre o ato de não julgar para não ser julgado. (1)

Como não julgar, se a todo instante a mente está expedindo, mesmo sem o querer, os mais diversos tipos de juízo sobre o próximo? Porventura estaria propondo o Mestre a irrestrita indulgência quando dissertou sobre o julgamento? Mas, indagam os mais exigentes, não será omissão deixar de ver o mal ou constatá-lo a benefício de outrem?

Ainda que desejemos não estabelecer julgamentos, nosso estágio evolutivo caracteriza-se por um "sequestro emocional", no qual somos reféns de processos mentais que ainda não adquirimos completo controle. Quando ativamos o mecanismo mental de julgar, gravamos no psiquismo um modo de agir que aplicamos, igualmente, a nós próprios. E quando Jesus estabeleceu o "não julgamento", Ele, naturalmente, queria poupar-nos desse cárcere que detonamos contra a nossa própria felicidade. Aliás, muitos sentimentos de culpa e repressão que patrocinam a auto-descaridade tem origem nesse intrincado "engenho" da auto-sugestão mental.

Como equacionar, portanto, essa dúvida ética?

A angústia nasce exatamente quando não se sabe como fazer, ante o que já sabe que deve fazer.

Estudemos algo sobre essa questão que oportuniza um campo de debates de rara riqueza de elementos para nosso crescimento na experiência da convivência.

Julgar seria o hábito de interpretar as atitudes alheias conferindo-lhes juízos éticos de apreciação pessoal. Esses juízos são formulados através de sentenças, verdadeiros veredictos, que estipulam o que entendemos sobre a ação do outro. Impossível para nós fazer esses julgamentos sem influência dos valores e imperfeições que definem nossa personalidade, acrescidos dos interesses pessoais e das expectativas que criam a conveniência no ato de julgar. Assim, compreende-se claramente porque não devemos julgar, pois falharemos inevitavelmente na forma, na proporção e na conclusão. Além do que, a pior consequência desse ato, em nosso desfavor, será a instalação do mecanismo mental de aplicar a nós próprios as censuras e recriminações destinadas ao outro, com as mesmas molduras éticas e sentimentos.

Quando os Bons Espíritos disseram a Kardec a frase acima, dois aspectos relevantes auxiliam-nos no melhor entendimento do tema. Primeiramente consideremos a diferença entre julgar e analisar, que foi a palavra utilizada pelo Codificador, e posteriormente observemos a sábia resposta que diz: "Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade."

Esses ângulos de análise ensejam-nos valorosas reflexões sobre o motivos que nos levam a sermos reféns dos julgamentos.

Julgar é situar a mente na inflexibilidade, analisar é buscar a compreensão do subjetivismo do próximo.

Julgar é concluir. Analisar é perquirir.

Nos julgamentos temos certezas. Na análise encontramos a relativização.

Nos julgamentos temos sentenças. Na análise temos alteridade.

O desejo inferior de reduzir o valor alheio é das causas mais comuns na atitude de julgar, enquanto a ação de analisar conduz-nos à lealdade em relação aos sentimentos que experimentamos com quem tenhamos conflitos.

O compromisso impostergável para a saúde dos relacionamentos reside na capacidade de resistir aos apelos do pessimismo e do descrédito, no que tange a quem é alvo dos nossos julgamentos.

Essa polarização mental no arbítrio de juízos sobre o outro, ativa o remanescente de vivências similares arquivadas na subconsciência. Mediante semelhante quadro, o "juiz intransigente" que acusa e decide extermina lavouras férteis na vida de relações. A vigília permanente sobre a dinâmica dos sentimentos torna-se imperiosa e emergente para não deflagrar a "pane emocional" que encharcará a tela dos pensamentos de planos infelizes, na direção do separatismo e da desconfiança, da dissidência e do "esfriamento" do amor, além das mentalizações que passam a gravitar na órbita da animosidade contida e da desafeição.

Transformemos os julgamentos em reflexões acicatando o comodismo no qual, muita vez, preferimos estagiar na obtenção de folgas para o raciocínio, quando deveríamos erigir momentos seletos, sob a tutela do estado de oração, na busca incansável das respostas que surgirão das perquirições e meditações de profundez desejável ao crescimento pessoal.

Os elementos que compõem os alicerces desse estudo criterioso são assertividade, alteridade, abnegação, lealdade, complacência e amor. Essas bases consolidam valores e habilidades que capacitam para interações desprovidas de projeções pessoais no outro, gerando entendimento e cooperação, benevolência e elevação.

O exercício de priorizar, em cada aferição do próximo, alguma virtude ou atitude feliz será uma medida de segurança nessas incursões pelo mundo desconhecido de nós próprios.

Buda, o Iluminado poeta Universal, falava da Meditação da Plena Atenção (satipatthana) pela qual conquista-se o estado interior de observação sem julgamento, aquilatando a impermanência da vida e das pessoas pelas vias da meditação analítica para tomada de consciência, o Nirvana que liberta a mente em direção à Verdade. Esse caráter impermanente precisa ser apreendido em nossas análises. Tal prática será uma escalada de larga amplitude para a compreensão, porque conheceremos no íntimo a alegria de estarmos livres de um dos mais terríveis opressores e carcereiros dos caminhos humanos, que nos coloca como reféns infelizes do mal: o preconceito.

1. Mt 7:1

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