terça-feira, 4 de abril de 2017

Santidade dos Médiuns

Escutando Sentimentos - Capítulo 12

"Aquele que, médium, compreende a gravidade do mandato de que se acha investido, religiosamente o desempenha."

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 28 - Item 9


As atividades no Sanatório Esperança prosseguiam intensas. Médiuns e doutrinadores, escritores e líderes da doutrina abarrotavam os leitos do pavilhão destinado aos misteres da recuperação mental. Dona Maria Modesto e Eurípedes Barsanulfo chegavam a passar dias sem um repasto momentâneo. A dor e as mais diversas expressões de insanidade procuravam-lhes rogando amor e misericórdia. O tempo era escasso para tantas necessidades. Chegando a noite, desprendidos pelo sono físico, engrossavam ainda mais as expressões de socorro e alívio. Diversos lidadores do Espiritismo suplicavam respostas e orientação. Muita vez faltava energia suficiente ao labor, entretanto, tínhamos o coração rico em plenitude ante tanto a fazer.

Acompanhando Dona Modesta às enfermarias dos pavilhões inferiores, reservadas aos tratamentos mais demorados e graves, deparamos com Laura, valorosa tarefeira da mediunidade, recém-chegada ao Sanatório.


- Laura, minha amiga, Deus seja louvado com esperança!

- Assim seja! Com quem tenho a honra de falar?

- Nada de honra, Laura. Sou servidora desta casa. Meu nome é Maria Modesto Cravo. Pode chamar-me por Dona Modesta.

- A senhora é a amiga de que Doutor Inácio havia me falado?

- Sou eu mesma.

- Então é de Uberaba?

- Fui? Não sou mais - e demos uma sonora gargalhada.

- É que às vezes me esqueço que já estou no "além". Ainda falo como se estivesse na Terra.

- Não pode ser diferente. A adaptação requer tempo. Fale-me de você, Laura.

- Ah, Dona Modesta! Não sei se estou bem! Aliás, acho mesmo que nunca estive bem! Se Deus permitir, nunca mais quero voltar como médium. É muito doloroso!

- Sei bem como é, minha filha! Também fui médium.

- É mesmo?! Então a senhora me entenderá. Só não sei se devo falar o que sinto e penso.

- É o que mais quero ouvir, amiga querida. Estou aqui para isso.


- Minhas lutas no lar foram muito árduas. Se não fui melhor médium é porque não contei com o apoio dos familiares. Eles não queriam nada com reforma, sabe como é?

- Sei.

- Meu marido... - quando se preparava para falar, foi interrompida por Dona Modesta.

- Laura, esqueça a família por um instante. Vamos falar de você.

- Falar o que de mim, quando nada sei sobre mim?!

- Então já começou a dizer algo. Continue. Coloque o que sente para fora. Vou lhe ajudar - foram ministrados passes na região do lobo frontal e na parte mediana lateral esquerda da cabeça.

- Gostaria de saber por que cheguei aqui assim depois de tudo porque passei; o que saiu errado? Algo saiu errado, não saiu Dona Modesta?

- O que sente, minha filha?

- Angústia. Muita angústia.

- Isso, fale, coloque para fora!

- Revolta.

- Com o quê?

- Não sei, Dona Modesta! Não sei! - e caiu em choro convulsivo - me ajude, por favor, a saber, o que se passa comigo. É como pela vida inteira carregasse um fardo do qual nunca me livrei. Não sei o que é ser feliz. Trabalhei, trabalhei e... E agora? Que vai ser de mim? Parece que de nada adiantou ser espírita.

- Engano seu, Laura. Adiantou muito.

- Mas veja como me encontro. O que tenho? Esclareça-me, pelo amor de Deus!

- Seu drama é o mesmo de milhares de companheiros do ideal. Cabeça congestionada de informação, coração vazio de ideal.

- A senhora deve estar divertindo comigo!

- Parece que estou, Laura? Olhe profundamente em meus olhos e veja o que sente - Dona Modesta fixou-lhe o olhar, aguçando a sensibilidade da paciente.

- Não, acho que não está de brincadeira, mas não consigo aceitar o que a senhora diz.

- Pois aceite, porque essa é a sua verdade.

- Não chega estar neste leito? Nem sei com exatidão que hospital é este, e ainda vou ter que aceitar o que a senhora me diz? Acreditei com sinceridade que o trabalho espírita me daria luz. Foi só o que fiz.

- O trabalho espírita é luz em qualquer tempo, contudo, Laura, resta saber se a luz do trabalho iluminou igualmente o trabalhador.

- Estive por mais de quarenta anos ativamente na mediunidade.

- Laura, olhe os pacientes ao seu redor - havia uma longa fileira de leitos totalmente tomados. - Veja! São todos servidores da doutrina em recuperação e reajuste depois da morte.


- Que nos faltou, Dona Modesta?

- Uma palavra detestada por muitos que não compreendem seu sentido: sacrifício.

- Mais sacrifício que fiz eu?

- Sua ficha não aponta nessa direção os seus esforços, minha filha.

- Então não sei de que sacrifício a senhora está falando.

- O sacrifício do amor além do dever. Muitos servidores bondosos, para não dizer a maioria, servem atrelados a condições. Respiram dentro dos limites a que se habituaram na comunidade doutrinária. Estipulam tempo e quantidade de conformidade com o padrão. Escudados na virtude da disciplina e acobertados com justificativas acerca do dever familiar e profissional, são incapazes de transpor barreiras imaginárias e servirem além da obrigação.

- Fui muito dedicada, Dona Modesta.

- Reconheço.

- Isso não é sacrifício?

- Não. Sacrifício é usar conscientemente todo o tempo que temos em favor do erguimento do bem em nós. Sacrificar é dar do que nos pertence, esquecendo de nós. Somente quem vibra nas faixas do sacrifício espontâneo qualifica com amor aquilo que faz, porque sabe quanto lhe é exigido em favor das realizações nobres. E você, Laura, se enquadra nessa definição?


- Creio que não!

- Por quê?

- Porque sinto que podia fazer mais. Isso me revolta, Dona Modesta, isso me revolta! Como me enganei assim meu Deus! Agora tudo é claro, tão claro! - e novamente afogou-se nas lágrimas em lamentável crise de tristeza.

- Calma, minha filha! Se acalme! O choro vai lhe fazer bem.

- Está fazendo mesmo... Pois... Eu não sei há quanto tempo não choro. Ah! Meu Deus! Eu sou um verme, porque não olhei para mim como agora!... As lutas me insensibilizaram... E... Acho que passei a vida em constante reclamação não externada... Corroendo-me por dentro... E... Parece que quero me punir continuamente por algo que não me lembro, mas sei que fiz...

- E não teve com quem falar, não é?

- É, isso mesmo! Não sei nem se falaria com alguém. Logo eu, a médium do centro. Que pensariam de mim?

- Eis o problema! Muita ideia no cérebro, muita fantasia na imaginação. Pouca luz no sentimento. Tarefa como a mediunidade, minha filha, requisita o calor da humildade no coração para derreter o gelo da auto-imagem superdimensionada na cabeça. Afora isso, é muita "loucura no pensamento" e um "carnaval de máscaras" sobre si mesmo regado pelo licor embriagante da ilusão.


- Que será de mim, Dona Modesta? Em nada me valeram os anos de serviço?

- Valeram muito, Laura. Para você ter noção sobre isso, terá que estudar com carinho a sua trajetória desde o retorno ao corpo até agora. Você concluirá que houve um enorme avanço.

- Avanço?! Sinto-me é falida. Não mereço nada. Nem sei por que estou sendo amparada. Apesar de falar por brincadeira, sempre achei mesmo que iria para regiões bem complicadas depois da morte.

- Não existe falência. Existem resultados. Em verdade, você não vai para regiões inferiores, veio de lá. Eis o avanço.

- Vim mesmo?

- Veio. Quando tiver acesso aos seus dados, verá que enorme progresso você fez nestas quatro décadas como médium.

- Mas deveria estar melhor, não é mesmo?

- Laura, raríssimos tem chegado aqui como "completistas", ou seja, aqueles que transpuseram a atração das folgas e das facilidades para servirem mais e mais. Aqueles que conscientizaram pelo coração do quanto necessitavam respirar o clima do amor aplicado. Aqueles que doaram e se doaram na leira em benefício da iluminação do mundo e de si mesmos. Aqueles, minha filha, que realizaram muito por fora, mas que não se esqueceram de aprimoram-se nos impulsos e nas tendências.


- Qual a minha posição espiritual, Dona Modesta? Seja franca!

- Sua ficha diz que destes quarenta anos de serviço virtuoso na mediunidade, os primeiros dez foram repletos de entusiasmo, idealismo e cuidados íntimos. Os outros trinta...

- O que têm os outros trinta?

- Quer mesmo ouvir?

- Claro que quero, estou farta das minhas mentiras!

- Os outros trinta, passou por eles sem deixar que eles passassem por você. Viveu-os por obrigação cármica. Não os viveu para você como alma em aprendizado e crescimento, e sim como tarefa programada em resgate de faltas pretéritas. Com essa noção, elegeu a benção da mediunidade como pesado ônus do qual queria se livrar o quanto antes. Queixava por dentro, em muda lamentação, as renúncias que era obrigada a fazer. Não as fazia por amor e sim em razão do esclarecimento que amealhou. Congestionou a cabeça e não preencheu o vazio do coração. Obteve muita informação que não gerou a transformação. Luz na cabeça sem educação do sentimento. Agiu na caridade fazendo luz para os outros e não edificou em si mesma a conquista da luz própria. No fundo, como acontece a muitos de nós, bafejados pela confortadora doutrina, agiu por interesse pessoal. Serviu esperando vantagens de amparo e isenção de problemas.


- Acreditava estar fazendo tudo por amor.

- Raros de nós ocupam essa condição, minha filha. No entanto, melhor que já estejamos agindo no bem.

- Que drama o meu! Meu Deus! Revolto-me ainda mais. Isso é a pura verdade!...

- Se continuar revoltada, estará estendendo seu sofrimento. É hora de mudar, Laura.

- Como não revoltar, Dona Modesta?!

- A revolta produz a autopunição a que você se referiu. É um mecanismo inconsciente da mente que cobra de si o que já sabe que pode fazer. Só há um caminho.

- Qual?

- Trabalhar mais, minha filha, e instaurar no coração o amor incondicional e sem limites.

- Terei instruções sobre como fazer isso?

- Se há algo que você, como muitos espíritas por aqui, não precisam mais é de instrução.

- Como vou aprender?

- Amando. Somente amando. Você será médium aqui na vida espiritual. Eurípedes autorizou-me a prepará-la para serviços socorristas futuros.

- Não acredito! Continuar médium!

- Gostaria?


- Não sei o que responder. Só sei que se aplacar meu sentimento de remorso e minha sede de ter um pouco de paz, farei o que me mandarem fazer.

- Isso não bastará, Laura. Você terá que aprender a amar o que faz, para não cair novamente nas garras da orientação religiosa sem religiosidade.

- Conseguirei?

- Claro que sim. É só querer.

- Vou confiar na senhora.

- Confie no Cristo, minha filha, e na Sua Infinita Misericórdia que nunca nos faltará.

***

Aquele que, médium, compreende a gravidade do mandato de que se acha investido, religiosamente o desempenha.

Em outro trecho assevera a codificação Kardequiana: "A mediunidade é coisa santa, que deve ser praticada santamente, religiosamente" (1).


Mediunidade é o instrumento da vida para desenvolvimento da santidade. Santidade é esculpir no coração a sensibilidade elevada. Sensibilidade é a medicação reparadora para as almas que tombaram na descrença e na apatia perante o mundo, esquecendo-se de cooperar com o Pai na Obra da Criação.

Receber esse "molde afetivo" sem absorver-lhe as lições no campo dos sentimentos é recusar mais uma vez as medidas salvadoras de Mais Alto em favor da paz interior - esse tesouro a que todos nós, Os Filhos Pródigos da Criação, estamos à procura.

Os médiuns são "alunos-problema" na escola da vida, matriculados em curso avançado e intensivo para recuperarem a aprendizagem relegada nos cursos anteriores. Sendo assim, devem guardar a noção do quanto lhes foi confiado pela Divina Providência, evitando as miragens da importância pessoal. Para seu próprio bem, devem pensar em si mesmos como alunos tardios, aceitos na universidade da mediunidade na condição excepcional do último pedido de amor, antes de serem entregues à clava impiedosa da justiça expiatória.


1. O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 26 - Item 10

Nenhum comentário:

Postar um comentário