quinta-feira, 27 de abril de 2017

Cisão de Reino 1

Livro: Escutando Sentimentos
Capítulo 14*

"Os Espíritos em expiação, se nos podemos exprimir dessa forma, são exóticos, na Terra; já tiveram noutros mundos, donde foram excluídos em consequência da sua obstinação no mal e por se haverem constituído, em tais mundos, causa de perturbação para os bons."

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 3 - Item 14

A presença do instrutor Calderaro infundia-nos raro sentimento de responsabilidade e aproveitamento. O trabalho ingente daquela hora não comportava muitas digressões filosóficas, ainda assim ouviríamos a palavra lúcida do mensageiro do amor por alguns instantes.

Passavam das duas horas em plena madrugada na Terra. Os últimos preparativos estavam sendo tomados para a incursão em regiões de pavor e gládio na erraticidade. O portal de saída do Hospital Esperança, onde nos reuníamos para o mister, encontrava-se como ativo dispensário de bênçãos através de variados trabalhos.

Chegava o momento de demandarmos o exterior do Hospital. Dez corações que serviram à causa espírita integravam a equipe na condição de discípulos dos serviços socorristas. Dilatavam seus horizontes sobre os pátios de dor com os quais se corresponderam durante a vida física, na condição de dirigentes de sessões mediúnicas.

Calderaro levar-nos-ia aos pântanos da sofreguidão no intuito de resgatar "lírios do Evangelho" perdidos na noite escura da amargura. Almas que tombaram sob o peso das responsabilidades com a mensagem do Cristo no transcorrer dos evos.

Após comovente prece, manifestou o instrutor:

- O Espírito em sua peregrinação evolutiva, desenvolveu mecanismos de mutação para o egoísmo. O instinto de posse é um dos alicerces de incontáveis manifestações da nossa doença de egocentrismo. Da necessidade instintiva de se conservar, derivou um complexo sistema de cautela, que promoveu o medo como defesa natural às iniciativas de acumular e possuir. Com o medo as engrenagens da vida mental dinamizaram "grades psíquicas de segurança" com as quais o homem procurava defender-se do receio da rejeição, do abandono e da perda. Consumando tais "celas psicológicas", a criatura se desumanizou através da atitude de crueldade, dizimando quantos supusesse serem ameaças à sua "tranquilidade". Apesar de toda essa movimentação, ninguém em tempo algum conseguiu burlar as Leis da Natureza. Submissos a ela, mas sem consciência de seus defeitos, o ser humano, em tempo algum, logrou anular em seu coração os dilacerantes e constrangedores sentimentos de vulnerabilidade, falibilidade e abandono. Sistemas de defesa do ego aglutinaram-se em potente reunião de forças para a "negação" e nessa luta interior em milênios de fuga, surgiu a "exaustão da alma", muito bem assinalada na rota evolutiva do Filho Pródigo, quando diz: E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. (1)

Instado a olhar para suas necessidades, o Filho Pródigo, que representa a história evolutiva de todos nós guindados aos campos de aprendizado da Terra, sentiu os efeitos deletérios do esbanjamento da Herança Paternal. Trazia em si próprio, assim como cada um de nós, o enraizado complexo de inferioridade - expressão de um sistema afetivo aos frangalhos. A passagem assinala: Pai, pequei contra o céu e perante ti; Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros. (2)

O quadro de insatisfação íntima é o cansaço dessa longa trajetória de desditas. Cansaço de viver! Uma sequela inevitável dessa longa noite de ilusões! A rejeição, o abandono e a perda tão temida em relação aos supostos opositores da caminhada passaram a ser consumidos pela mente como um procedimento natural para conosco mesmo - as feridas evolutivas do Ser. Rejeitando nossa condição íntima, abandonando nossos autênticos sentimentos e perdendo o contato com a vida abundante. Consolidaram-se o desamor e a autocrueldade, expressada através da punição inconsciente, do sentimento de culpa e do vazio existencial. Tais "pisos psicológicos" configuram a "loucura contida" em níveis diversificados de depressão e ruína mental.

Reencarnações repetitivas e pouco frutíferas marcaram a sinuosa senda das vias terrestres. No entanto, no interregno entre as sucessivas vivências corporais, a criatura experimenta infinitas lições que, inevitavelmente, influenciam seu psiquismo no regresso à matéria. O homem terreno jamais compreenderá os transtornos e tormentas da vida mental sem debruçar-se sobre a natureza dessas ocorrências.

Visitaremos hoje as adjacências de um dos mais antigos vales da maldade hierarquizada na Terra, o Vale do Poder. A exemplo das cidades no orbe, esse pátio de dor e perversidade tem seu núcleo central com imponente estrutura urbanística. Em sua periferia, entretanto, encontram-se os "lixões", termo empregado pelos mandantes da região. São antros de dor que se organizam no aproveitamento das "escórias" - como são conhecidos os "ex-assalariados" da organização que não apresentam as "qualidades" desejáveis aos intentos tenebrosos. Ali se estruturam os "gavetões", "calabouços", "lagos de enxofre", "câmaras de viciados" e outros variados locais que demonstram a dificuldade do Espírito em consumar sua humanização.

Estudos Maiores feitos pelos Condutores Planetários denominam essa situação de "regressão ou involução" como cisão de reino, o desejo do Espírito em não assumir sua condição excelsa de homem lúcido e consciente perante o universo. Condição essa bem delineada na passagem evangélica em estudo quando assevera: E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. (3)

Fazendo uma breve pausa como se investigasse a alma dos trabalhadores que nos acompanhariam em serviço, Calderaro declinou:

- Os meus irmãos que ainda não conhecem tais locais de expiação poderão sentir, com intensidade energética, a natureza das emoções que pairam nessas psicosferas, razão pela qual o sentimento de unção deve nos guiar os passos. A predominância vibratória da indignidade é determinante onde visitaremos, tomando matizes variados conforme os dramas conscienciais. Vamos aos "gavetões", um autêntico "depósitos de almas" tombadas no remorso e na culpa. São chamados "vibriões".

Esse lugar é uma referência inegável que ilustra a questão 973 em O Livro dos Espíritos, formulada por Allan Kardec aos Sábios da Imortalidade:

"Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus se vêem sujeitos?"

"Não há descrição possível das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o que as sofre teria dificuldade em vos dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem remissão."

Condenados sem remissão é a condição espiritual que conduziu tais corações ao lamaçal da derrocada interior. A terem que assumir a sensação dolorosa de vulnerabilidade, optam pela fuga, pela "regressão" a patamares de imaginária proteção e segurança nos quais "hibernam psiquicamente", uma cisão de reinos.

Vamos buscar um desses "vibriões". Um filiado à "maldade organizada" há mais de um milênio. Agora foi deportado aos "lixões", exaurido após o "esbanjamento psíquico", em consumada "segunda-morte". Sua condição é descrita em Lucas: E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! (4)

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* Nota da autora espiritual: Para melhor compreensão desse texto, sugerimos a leitura do epílogo "Em que Ponto da Evolução nos Encontramos?", na obra "Reforma Íntima sem Martírio", por serem, ambos, estudos complementares. Ver este texto no link: https://ermance-dufaux.blogspot.com.br/2016/09/em-que-ponto-da-evolucao-nos-encontramos.html


1. Lucas 15:14
2. Lucas 15:19
3. Lucas 15:16
4. Lucas 15:17

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