sexta-feira, 17 de julho de 2020

Os Responsáveis são Felizes

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 27

" Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de bater no peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objetivo exclusivamente pessoal.”

O Livro dos Espíritos – Questão 1000

O sentimento de culpa é um aprendizado profundamente enraizado nos recessos da vida mental. As experiências religiosas nas vidas sucessivas dos últimos quinze séculos insculpiram fortemente a conduta autopunitiva como forma de solucionar nossas questões com Deus e a consciência.

Passando de geração em geração, constata-se na atualidade uma trágica manifestação coletiva da culpa nas sociedades sustentando o sofrimento humano.

Não fomos educados para ser responsáveis, fomos “educados” para sermos culpados: perante as falhas, castigos; perante os êxitos, recompensas. Prêmios e punições representam o coroamento das ações, como se nada mais existisse ou fosse possível existir entre os extremos que denominamos "errado e certo".

Pedagogicamente, os instrumentos do castigo e da repressão vão ganhando novas e mais ajustadas conceituações. Melhor que punir é ensinar, melhor que gratificar é promover. O ato de ensinar implica na arte de fazer uma viagem pelas ignoradas paisagens da vida interior descobrindo valores, pesquisando sentimentos, criando ideias novas, ajudando a pensar. A ação de promover, por sua vez, será o desafio de delegar, demonstrar confiança irrestrita, oportunizar a chance de assumir novas responsabilidades, quando o educando - seja um filho ou um funcionário, seja um vizinho ou um parente, seja um amigo ou transeunte - mostra-se apto a assumir novos caminhos.

Assim, à luza da pedagogia da esperança e do bem, ensinar é abrir caminhos para a liberdade e promover é convocar a maior maturidade através de obrigações mais amplas. A criança educada nesses moldes aprenderá a lidar melhor com suas emoções perante as falhas, buscando responder por seus atos, reparando caminhos ao invés de manter-se na postura de queixume e desvalor pessoal. Será alguém ativo perante si mesmo. Arrependerá, mas não se consumirá em maus sentimentos, ao contrário, procurará trabalhar consigo as legítimas emoções  que caracterizam uma ação de caridade a si próprio. Eis a palavra que define com exatidão nosso remédio nos problemas da culpa: caridade.

Quando o senhor Allan Kardec perguntou aos Bons Espíritos, na questão 886 de O Livro dos Espíritos, sobre qual seria a visão de Jesus sobre a caridade, tivemos uma das mais vivas e completas indicações para a felicidade humana, nos seguintes termos: "Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas".

Um completo guia para a paz, isso é que representa essa resposta.

Ante a esse vício afetivo da culpa, encontramos nessa sábia colocação uma reflexão a ser feita. Percebamos que o perdão e a indulgência referendados nessa resposta são manifestações internas de sentimentos que haveremos de aprender. Trata-se de duas medidas essenciais na arte de administrar os sentimentos, sobre como vencer mágoas e lidar harmoniosamente com os defeitos alheios. Mas vejamos que há um terceiro item na fala do Espírito Verdade, diz Ele: "Benevolência para com todos (...)". Um aspecto muito importante para pensarmos... Ou seja, aqueles sentimentos relativos à indulgência e ao perdão só serão concretizados nas relações pródigas de ação no bem; isso é a benevolência aplicada. Portanto, a benevolência é a consolidação das etapas que, inicialmente, operam-se no coração.

Em nosso caso, em que buscamos a renovação espiritual, a culpa surge com frequência. Não conseguindo ser o que sabemos que deveríamos ser, somos "obrigados", naturalmente, a ter que aceitar nossa "realidade temporária". Aprendemos com os ensinos novos da doutrina a verdade sobre nós mesmos e queremos mudar. Todavia, entre a propostas alentadoras do Espiritismo e os desejos de melhoria por ela estimulados, temos uma fortaleza de imperfeições a superar, um homem velho a transformar, por isso nem sempre correspondemos aos ideais iluminados que começamos a desenvolver tão recentemente. Desponta então a autocobrança, uma batalha impiedosa na vida íntima contra nós mesmos.

Em psicologia, esse desajuste entre "realidades" chama-se neurose. É quando a criatura tem um relativo controle sobre suas potencialidades mentais e afetivas, mas sofre uma pressão interior que o constrange a algum sofrimento em razão desse desajuste. Essa inaceitação da realidade individual traz uma penosa angústia existencial, levando à criação de mecanismos de defesa para amenizar o sofrimento decorrente do encontro com essa "parte" que não gostaríamos de encontrar. A disparidade entre o modelo proposto pelas diretrizes doutrinárias e aquilo que somos na atualidade gera uma aflição, um desespero mudo, uma insatisfação. É por esse motivo que muitos corações abandonam os ideais logo de início; não querem levar as coisas tão a sério; asseveram que é muito doloroso ter que se olhar e preocupar com essas responsabilidades de conduta.

Portanto, para "encobrir" nossa inferioridade criamos o orgulho, que nos leva a pensar que somos aquilo que ainda não somos, reduzindo nossa angústia.

Isso, porém, não basta. Precisamos compreender que toda essa etapa descrita acima tem sido a causa de muita dor. Culpa é dor. Amigos sinceros e dispostos ao crescimento mantém-se apenas nas faixas de evitar o mal, participam das realizações de esclarecimento e amparo, e, contudo, sentem-se vazios, deprimidos, infelizes...

O que está acontecendo? - perguntam muitos companheiros entristecidos depois de intenso labor. Asseveram que estão firmes nos compromissos espirituais, mas guardam a sensação de estarem piores que antes de os assumirem. A resposta para esse drama existencial está no trecho de apoio acima, "só por meio do bem se repara o mal (...)". Fácil concluir que a dor impulsiona a saída da comodidade e da omissão, todavia somente a realização nobre é capaz de sedimentar valores novos que contribuam para o equilíbrio e o júbilo da alma. É a benevolência!

Convenhamos que muitos de nós apenas nos empenhamos em evitar o mal; tentamos fazer um trabalho interior a custa da informação amealhada pelo estudo ou em movimentações de imitação nos serviços fraternais. Digamos de passagem que tais iniciativas são escolas de despertamento e que jamais deveremos dispensá-las, entretanto, se não descobrirmos nessas iniciativas a postura íntima da "missão individual" que nos insere no contexto das mesmas, ou seja, o motivo profundo pelo qual ali nos encontramos, ficaremos na condição da rotina, sem ação consciente, distanciando-nos da criatividade, da empatia e do auto-conhecimento - únicos caminhos para transpormos a condição de apenas evitar o mal e penetrarmos nas vivências educativas da criação do bem que nos libertará definitivamente.

Evitar o mal é a etapa da contenção, da volta para dentro de si, uma volta sob brumas de incompreensão e sem nitidez de auto percepção. Somente quando partimos para a etapa da "benevolência para com todos", a que se referem os Sábio Guias, é que excursionamos nas paragens da reparação, da atração para a felicidade e da responsabilidade real, assumindo os caminhos do crescimento real e renovador.

Evitando o mal ficamos na culpa. Reparar inclui esforço, sacrifício, comprometimento e amor.

Portanto, queremos tratar de uma nova ótica sobre responsabilidade com a tarefa espírita. Responsável não é somente aquele que tem boa assiduidade e disciplina. Além disso, é aquele que vive a tarefa de amor para os outros enquanto ela se realiza, e a internaliza para si quando encerra para os demais.

Somente quando levamos a tarefa espírita no coração, para fora dos seus horários de realização é que abrimos nossas experiências para a criação do bem, candidatando-nos a novas e maiores responsabilidades, que ensejarão clima e ocasião para a conquista definitiva da tão sonhada felicidade. Mister criar o hábito da meditação sobre os efeitos das ações espirituais no bem de nós mesmos, a fim de não sucumbirmos na hipnose fantasista do personalismo que nos inclina a ver o bem tangível no lado de fora, impedindo-nos de semeá-lo por dentro, nos refolhos do sentimento. Esse é um perigoso ardil do egoísmo que leva a criatura a fazer muitos "cálculos matemáticos" com seu amor, sendo que o amor é algo muito subjetivo para compor a "folha de serviços" de alguém...

Se queremos realmente vencer os estágios enfermiços da culpa estéril que em nada colabora para nossa harmonia, pensemos em como criar o bem.

Comecemos por indagar: o que é o bem? Onde ele está para cada um de nós?

Verificaremos que o bem não está nessa ou naquela tarefa, porque ele é uma questão interior, consciencial, e essa deve ser a meta de todo aquele que foi bafejado pelas brisas consoladoras da Nova Revelação.

Não podemos iludir ninguém. Criar o bem, enquanto "missão individual", não é das tarefas mais fáceis na escola da espiritualização humana. Exige o gesto incomum, o risco, a quebra com o padrão, o servir incondicional, a disposição para experimentar o novo sem medo de normas, aprender a respeitar todas as experiências alheias por mais imaturas que sejam, e muita vontade de ser útil à vida na pessoa do próximo e da sociedade.

O ato de ser responsável significa assumir nossa vida e parar com o hábito de colocar no mundo de fora as razões de nossos fracassos; é assumir o "chamado específico" de Deus para conosco; é desvendar quais os sábios Desígnio do Criador para com nosso destino.

Ante tudo isso, somos convidados a reformar o modo de pensar sobre tudo que fazemos. Como destaca a Codificação, muitas vezes a perda de um dedo mínimo será mais valorosa para nós que toda uma série de sofrimentos; isso ocorre porque nossas perdas foram um ato responsável.

Sem dúvida, os responsáveis são mais felizes, porque descobriram seu papel divino no Universo simplesmente pelo fato de que resolveram experimentar não seguir o rumo da maioria, procurando ouvir a voz da consciência, onde se encontram as Excelsas Mensagens de Deus para cada um de nós.

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