quinta-feira, 16 de abril de 2020

Velho Descuido

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 14

“Os que no Espiritismo vêem mais do que fatos; compreendem-lhe a parte filosófica; admiram a moral daí decorrente, mas não a praticam. Insignificante ou nula é a influência que lhes exerce nos caracteres. Em nada alteram seus hábitos e não se privariam de um só gozo que fosse. O avarento continua a sê-lo, o orgulhoso se conserva cheio de si, o invejoso e o cioso sempre hostis. Consideram a caridade cristã apenas uma bela máxima. São os espíritos imperfeitos.”

O Livro dos Médiuns – Capítulo 3 – Item 28

Quando mencionamos ser importante estudar e aprimorar o campo da conduta nas lições da casa espírita, é porque nas relações diuturnas do centro encontramos os embriões da postura moral do futuro. É a escola do espírito na qual treinamos os hábitos da regeneração. Apesar disso, a inexperiência e a imaturidade costumam criar um nível muito elevado de expectativas relativamente à conduta que deveria caracterizar o trabalhador espírita, gerando grave problema de relacionamento na maioria dos grupos doutrinários.

Espera-se, com certa dose de razão, daqueles que esposam os princípios espíritas, que sejam criaturas de hábitos sublimados e comportamento exemplar, e quando se constata que nem sempre os amigos de ideal são o que idealiza-se que fossem, abre-se espaço para as cobranças, o desencanto e a desafeição.

Entretanto, recordemos que, se a expectativa é um direito que nos cabe em relação ao próximo, jamais devemos esquecer que o dever convida-nos à tolerância quando não somos correspondidos naquilo que esperamos, a fim de não nos permitir tombar nas ciladas da decepção e da mágoa, da exclusão e da indiferença.

A desafeição acalentada – velha armadilha da convivência – entre companheiros de ideal costuma levar ao desencanto com a Doutrina, perda de motivação com a tarefa e afastamento temporário em direção à desistência.

Muitos corações incipientes nesse assunto da vida moral costumam julgar o proceder alheio como hipocrisia, sendo que nem sempre os atos de infidelidade aos princípios evangélicos significa falsidade, mas sim a dificuldade natural  de superar imperfeições, sobre as quais ainda não adquirimos completo domínio e transformação.

Ser espírita, no entendimento de muitos, ainda é um conceito bastante exterior e superficial. Concebe-se, muitas vezes, que ser espírita é ter condutas padronizadas e aceitas como um modelo pela comunidade doutrinária. Tais critérios levam a definir o espírita dentro da diretriz moral "espírita faz isso e não faz aquilo", estabelecendo normas muito frágeis no campo da aparências para serem quesitos de validação da genuína conduta espiritista. Outras vezes, adota-se critérios vinculados à "folha de serviço" estipulando que a habilidade com as práticas doutrinárias é atestado de superioridade e competência cristã, conferindo ao "tempo de casa" e "quantidade de realizações" as referências de autoridade. Não podemos negar que todos esses parâmetros, quando avaliados sensatamente, são qualidades condizentes com o que venha a ser espírita, no entanto, é necessário que sejam acompanhadas das conquistas interiores, sendo fundamental associar essas referências aos valores cristãos que estamos consolidando nos sentimentos e ações de cada dia. Além disso, somente as podemos aferir com precisão em nós mesmos.

Anotemos alguns pontos de meditação que nos auxiliarão a compreender melhor as causas de nossos incômodos com o comportamento alheio nessas vivências que discriminamos:

- A "recordação" de sentimentos semelhantes já experimentados em vidas pretéritas nas quais adotamos intencionalmente a mentira.

- O assédio de espíritos que desenvolveram a sagacidade em detectar ou mesmo induzir a faixa mental das decepções nos relacionamentos, levando suas "vítimas" a decisões infelizes. São os cultores desencarnados da mágoa. Existem milhões deles na psicosfera terrena.

- Os encontros noturnos com amigos do coração que nos advertem para a vigilância em nossas ações, porém, na vigília física, relembramos mais facilmente essas orientações ao vermos o outro fazendo aquilo para o qual fomos alertados que não deveríamos fazer.

Ambientes onde escasseia a fraternidade prolifera a falsidade e o desânimo. As pessoas sentem-se agredidas com cobranças sutis ou diretas, o que as leva a mentir para continuar fruindo das benesses das tarefas ou passar a nutrir profunda desafeição, que as arrefece nos ideais de melhora.

Poucos de nós conhecemos a intimidade do nosso próximo que partilha as responsabilidades do aprendizado e do trabalho na casa espírita, portanto, procuremos sempre os cuidados com o estímulo e a caridade que devemos uns aos outros, nessa escola abençoada na qual buscamos a força e a orientação, para vencermos os grandes obstáculos íntimos.

Compaixão e tolerância nas relações sempre deverá ser o nosso lema. Se o ambiente das equipes ensejar bons exemplos, aqueles que por agora ainda não testemunham tanta fidelidade ao que já sabem, imitarão os mesmos ou naturalmente se excluirão da equipe por entenderem que ainda não estão convictos do ideal que abraçaram. Ao invés de expectativas e “promissórias de perfeição” ao outro, enderecemos-lhe a nossa firmeza e coerência contagiantes.

Decepção e ressentimento em grupos espíritas são mantidos somente por aqueles que ainda não descobriram o valor do perdão incondicional ou por se manterem, excessivamente, apegados a pessoas e grupos, nutrindo elevada cota de expectativas, em franca postura de egoísmo, de bem-estar exclusivamente pessoal. Tais corações acalentam sonhos de “lugares paradisíacos e angelicais” sem medir a extensão dos limites e resistências de seu semelhante, esquecendo-se que o centro espírita é um hospital para doentes graves da alma que desejam sua recuperação e melhora espiritual.

Velho descuido da convivência humana: buscar corrigir as pessoas para que se encaixem em nossos modelos de expectativas e transformar as diferenças do outro em defeitos. Traços típicos dos espíritas imperfeitosconforme classifica com muita propriedade o senhor Allan Kardec. Traços que deixam claro que estamos muito mais ocupados em cultivar severidade para com a melhora dos outros e desatentos da mais importante e única tarefa na qual verdadeiramente temos irrestrita capacidade de realizar: a nossa melhora pessoal.

Carregar o peso de esperanças assentadas em direitos que supomos possuir sobre o próximo é trabalhar pela nossa infelicidade. Concedamos a todos o direito de serem o que são, aceitando-os incondicionalmente como prova de amor e autêntica superioridade espiritual. Dessa forma, perceberemos de pronto que estaremos fazendo enorme bem a nós mesmos, na preservação da paz, e evitando agastamentos perfeitamente desnecessários.

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