quarta-feira, 22 de abril de 2020

Carências

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 15

“Mediante a organização que nos deu, não traçou a Natureza o limite das nossas necessidades?

“Sem dúvida, mas o homem é insaciável. Por meio da organização que lhe deu, a Natureza lhe traçou o limite das necessidades; porém, os vícios lhe alteraram a constituição e lhe criaram necessidades que não são reais.”

O Livro dos Espíritos – Questão 716

Carência é o estado íntimo de insatisfação que surge da privação de alguma necessidade pessoal, cujo principal reflexo é o sentimento de infelicidade.

Sob análise espiritual, é um fluxo energético de vibrações não compensadas reclamando o dinamismo da complementação para gerar bem-estar e equilíbrio na vida do ser. Uma força centrípeta que não ultrapassa a psicosfera individual em razão de constituir uma “atração para dentro”, um apelo para o suprimento de algo necessário à auto-realização.

Na ótica afetiva, é um processo de desnutrição que pode ter-se iniciado na infância ou até mesmo em outras reencarnações. Advém de desejos recalcados, expectativas não colimadas, frustrações não superadas; uma descompensação emocional pelas experiências traumáticas mal elaboradas, gerando episódios de conflitos e sofrimentos no automatismo da vida mental.

A maior carência humana é de afeto e carinho, sem os quais ninguém se sente humanizado. E não se sentir humano significa permitir a influência dos reflexos primitivos que açulam a ganância e a crueldade proveniente do instinto de conservação exacerbado. No estágio espiritual da Terra, a carência do afeto, quase sem exceções, está subordinada aos ditames da lei de retorno.

Nem tanto do amor alheio precisam os carentes, porque a carência não está somente nessa ausência de ser amado. Existem "mecanismos bloqueadores" compostos por processos emocionais e psíquicos dos espírito, o qual se sente sob rigorosa "prisão nos sentimentos", que são ativados, automaticamente, no campo mental em razão dos despenhadeiros de ilimitados crimes do coração que se arrojou em existências anteriores, agravados pela educação infantil em regime de aridez afetiva. Tais mecanismos levam a não se sentir amado, mesmo que o seja...

Outra razão evidente das origens da carência pode ser encontrada na ausência de preparo para lidar com as perdas. Na Terra não se prepara a criança para lidar com perdas. A educação é quase toda destinada a fazer "campeões sociais", vitoriosos em tudo. Pais frustrados tentam se realizar no sucesso de seus filhos, exigindo deles o que não conquistaram, tentando consertar erros e fracassos através da criação de um "super-herói" dentro de casa. Sob pressão e coação do sucesso, muitos espíritos de psiquismo frágil e que aspiram outros ideais sucumbem, em comportamentos desajustados no vício ou no desequilíbrio dos costumes, como forma de encontrar alguma gratificação e prazer, já que suas habilidades inatas, aquelas que trazem como espírito imortal, são desconhecidas e desconsideradas pelo seu grupo educativo. Crianças muito mimadas ou compensadas excessivamente para cumprirem os seus deveres querem tudo que desejarem na vida adulta, inclusive o afeto alheio, e para isso mascaram-se de mil modos no jogo das aparências como se estivessem em uma disputa da qual jamais admitem sair perdedores.

Outras carências surgem como ilusões da vida moderna estimuladas pela mídia e pelos costumes, exigindo verdadeiros imperativos de reeducação e controle para não levarem a padecimentos desnecessários, voluntários.

As matrizes profundas da carência podem ser encontradas no subconsciente. É o vício milenar de exigir e esperar ser amado sem disposição altruísta suficiente para amar. Resulta de uma construção lente e gradual com bases no egoísmo.

Solidão, ciúme, dependência, escassa auto-estima, complexo de inferioridade, insegurança, fantasias, atrações "proibidas", impulsos mentais permissivos, ambivalência sexual, depressões, patologias corporais e outros tantos quadros de sofrimento podem decorrer dessa tormentosa vivência da "prisão emocional" - reflexos fidedignos das atitudes inconsequentes e levianas de outrora. E nos bastidores de todas essas tormentas está o "espírito carente" atestando sua incapacidade de amar, exigindo atenção e cristalizando-se no apego ou alimentando o ciúme, em conflituosas crises de possessividade.

O carente, em verdade, é um doente que deseja ardentemente amar sem conseguir. Não conseguindo, passa a exigir ser amado, criando relações complicadas e frágeis; é alguém à míngua de amor, um constante cultivador da esperança de ser compensado. Sua experiência, porém, frequentemente revela facetas ignoradas de si próprio.

A carência surge quando desconectamos o mundo dos sentimentos daquilo que realmente preenche e gratifica, priorizando o falso conceito de realização estipulado pela sociedade. A convivência vai moldando na mente alguns modelos de vida e, porque se torna um caminho comum da maioria, mesmo que não atenda a nossos mais íntimos pendores e aspirações, deixamo-nos levar por essa influência, negando o que sentimos e fazendo o que os outros pensam que devemos fazer, ou ainda aquilo que pensamos que devemos fazer.

A alma carente é alguém em débito perante sua própria consciência. Essa realidade da subjetividade humana é percebida na intimidade através de sentimentos de baixa estima, vergonha, incapacidade, autopiedade, que levam o ser a se estiolar nos complexos de culpa de múltiplas variações.

Nada na criação foi gerado com carências e tudo foi criado para “pulsar para fora”. Porém, nossa incúria e teimosia, nossa infidelidade e rebeldia aos códigos Divinos ensejaram os caminhos da escassez. Carência em termos do espírito não é somente aquilo que falta, mas o resultado em forma de desajuste comprado a preço de irresponsabilidade.

Todos temos o que precisamos e merecemos na vida, e se não concordamos com esse alvitre da Lei Divina cabe-nos, a todo instante, o direito de tentar melhorar nosso “existir” trabalhando pela melhoria que aspiramos. E somente nesse afã de lutar pelo que idealizamos, no limite de nossas forças, é que saberemos o que nos reserva a vida no rol das experiências de cada dia, eliminando assim algumas carências que dependem do nosso esforço na caminhada de aperfeiçoamento. Para triunfar nesse mister, somente amando e servindo.

Observa-se que boa parcela das pessoas não está aceitando mais, em nenhuma hipótese, a possibilidade de fazer cada conquista a seu tempo. Querem tudo para já, custe o que custar. A grande maioria dos espíritos reencarnados na atualidade tem vivido a “filosofia do imediatismo". As necessidades e anseios pessoais não obedecem à prova da resistência moral pela paciência e perseverança. E no atendimento de suas metas, percorrem os caminhos largos da precipitação e da imprudência, buscando em forma egoísta o gozo, o prazer, a satisfação de suas fantasias. Depois surgem a decepção e a mágoa, e somente então percebem a fragilidade de suas escolhas.

Nesses torvelinhos de dor, não tendo força e coragem o bastante para assumir a sua responsabilidade, projeta culpa a outrem se eximindo de admitir também as suas decisões infelizes que contribuíram em suas dificuldades. Mais adiante, passadas as crises mais intensas dos resultados de suas más opções, perceberá sua necessidade afetiva ainda mais acrescida de novos apelos e convites para outras tentativas de fruir o máximo, fazendo o mínimo. Essa tem sido a roda da vida" de muitas criaturas no transcurso de suas desditosas experiências no corpo físico.

O controle da vida emocional é o primeiro passo no suprimento das nossas necessidades reais. Saber adiar a gratificação pessoal é muito importante na aquisição desse controle. Tudo a seu tempo, conforme os méritos e esforços pessoais.

Perseverança e coragem são duas nobres virtudes que precisam ser cultivadas nesse caminhar da existência, a fim de colocarmos em funcionamento a possibilidade de alcançarmos nossas metas. Todavia, destaquemos que tais virtudes serão improfícuas se o nosso estado emocional for de inconformação, porque criará uma barreira vibratória de obstrução no suprimento das nossas carências variadas. O estado espiritual de inconformação ou azedume com o que nos cerca retira expressivas funções calmantes e compensadoras no campo mental, nascidas dessas nobres virtudes.

Nosso destino é a felicidade e a completude sem carências. Hoje as sentimos em razão da trajetória pela qual optamos, colhendo da vida aquilo que nela plantamos. Leis perfeitas regem nosso merecimento e somente quando empenharmos pelo amor, perceberemos que carência é o outro nome de egoísmo.

Estejamos certos de que a melhor solução para nossos problemas de equilíbrio, nas necessidades e aspirações pessoais, será sempre manter-se firme nos ideais enobrecedores que vertem da proposta terapêutica do amor. Quem ama, ainda que precisando ser amado, supre-se, eleva-se, compensa-se. De forma alguma estamos fazendo apologia ao descuido conosco no campo das expectativas íntimas e do desejo de ser amado, entretanto, tenhamos lucidez para compreendermos que a postura de cobradores revoltados e a atitude de precipitação não nos levarão a lograr os ideais de ventura e realização sonhados, agravando ainda mais as nossas provas.

Obviamente, as mais elementares necessidades humanas serão sempre, de alguma forma, atendidas. Entretanto, nossa condição de penúria espiritual leva-nos a refletir na colocação feita pelos sábios Instrutores da Verdade ao afirmarem: “Por meio da organização que lhe deu, a Natureza lhe traçou o limite das necessidades; porém, os vícios lhe alteraram a constituição e lhe criaram necessidades que não são reais.”

Num mundo faminto de amor, a Terra tornou-se o local onde a maioria espera saciar sua fome afetiva e poucos são os que optam pela Divina escolha de amar. Não fosse o celeiro de Amor da Misericórdia e certamente a humanidade, por si mesmo, já teria se dizimado, tamanho o barbarismo emocional que não distancia muito o homem hodierno de certas espécies irracionais, nos campos da violência e da indiferença.

Colaboremos com o Pai. Amemos intensa e nobremente. Rica expressão do Amor Divino, a vida nos recompensará com farta nutrição que jamais nos deixará sentir a falta do essencial para sermos felizes.

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