sexta-feira, 24 de julho de 2020

Reféns do Preconceito

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 28

"Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?"

"Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será falta com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. (...)"

O Livro dos Espíritos - Questão 903

Alguns companheiros sensatos e bem intencionados angustiam-se com o célebre ensinamento de Jesus sobre o ato de não julgar para não ser julgado. (1)

Como não julgar, se a todo instante a mente está expedindo, mesmo sem o querer, os mais diversos tipos de juízo sobre o próximo? Porventura estaria propondo o Mestre a irrestrita indulgência quando dissertou sobre o julgamento? Mas, indagam os mais exigentes, não será omissão deixar de ver o mal ou constatá-lo a benefício de outrem?

Ainda que desejemos não estabelecer julgamentos, nosso estágio evolutivo caracteriza-se por um "sequestro emocional", no qual somos reféns de processos mentais que ainda não adquirimos completo controle. Quando ativamos o mecanismo mental de julgar, gravamos no psiquismo um modo de agir que aplicamos, igualmente, a nós próprios. E quando Jesus estabeleceu o "não julgamento", Ele, naturalmente, queria poupar-nos desse cárcere que detonamos contra a nossa própria felicidade. Aliás, muitos sentimentos de culpa e repressão que patrocinam a auto-descaridade tem origem nesse intrincado "engenho" da auto-sugestão mental.

Como equacionar, portanto, essa dúvida ética?

A angústia nasce exatamente quando não se sabe como fazer, ante o que já sabe que deve fazer.

Estudemos algo sobre essa questão que oportuniza um campo de debates de rara riqueza de elementos para nosso crescimento na experiência da convivência.

Julgar seria o hábito de interpretar as atitudes alheias conferindo-lhes juízos éticos de apreciação pessoal. Esses juízos são formulados através de sentenças, verdadeiros veredictos, que estipulam o que entendemos sobre a ação do outro. Impossível para nós fazer esses julgamentos sem influência dos valores e imperfeições que definem nossa personalidade, acrescidos dos interesses pessoais e das expectativas que criam a conveniência no ato de julgar. Assim, compreende-se claramente porque não devemos julgar, pois falharemos inevitavelmente na forma, na proporção e na conclusão. Além do que, a pior consequência desse ato, em nosso desfavor, será a instalação do mecanismo mental de aplicar a nós próprios as censuras e recriminações destinadas ao outro, com as mesmas molduras éticas e sentimentos.

Quando os Bons Espíritos disseram a Kardec a frase acima, dois aspectos relevantes auxiliam-nos no melhor entendimento do tema. Primeiramente consideremos a diferença entre julgar e analisar, que foi a palavra utilizada pelo Codificador, e posteriormente observemos a sábia resposta que diz: "Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade."

Esses ângulos de análise ensejam-nos valorosas reflexões sobre o motivos que nos levam a sermos reféns dos julgamentos.

Julgar é situar a mente na inflexibilidade, analisar é buscar a compreensão do subjetivismo do próximo.

Julgar é concluir. Analisar é perquirir.

Nos julgamentos temos certezas. Na análise encontramos a relativização.

Nos julgamentos temos sentenças. Na análise temos alteridade.

O desejo inferior de reduzir o valor alheio é das causas mais comuns na atitude de julgar, enquanto a ação de analisar conduz-nos à lealdade em relação aos sentimentos que experimentamos com quem tenhamos conflitos.

O compromisso impostergável para a saúde dos relacionamentos reside na capacidade de resistir aos apelos do pessimismo e do descrédito, no que tange a quem é alvo dos nossos julgamentos.

Essa polarização mental no arbítrio de juízos sobre o outro, ativa o remanescente de vivências similares arquivadas na subconsciência. Mediante semelhante quadro, o "juiz intransigente" que acusa e decide extermina lavouras férteis na vida de relações. A vigília permanente sobre a dinâmica dos sentimentos torna-se imperiosa e emergente para não deflagrar a "pane emocional" que encharcará a tela dos pensamentos de planos infelizes, na direção do separatismo e da desconfiança, da dissidência e do "esfriamento" do amor, além das mentalizações que passam a gravitar na órbita da animosidade contida e da desafeição.

Transformemos os julgamentos em reflexões acicatando o comodismo no qual, muita vez, preferimos estagiar na obtenção de folgas para o raciocínio, quando deveríamos erigir momentos seletos, sob a tutela do estado de oração, na busca incansável das respostas que surgirão das perquirições e meditações de profundez desejável ao crescimento pessoal.

Os elementos que compõem os alicerces desse estudo criterioso são assertividade, alteridade, abnegação, lealdade, complacência e amor. Essas bases consolidam valores e habilidades que capacitam para interações desprovidas de projeções pessoais no outro, gerando entendimento e cooperação, benevolência e elevação.

O exercício de priorizar, em cada aferição do próximo, alguma virtude ou atitude feliz será uma medida de segurança nessas incursões pelo mundo desconhecido de nós próprios.

Buda, o Iluminado poeta Universal, falava da Meditação da Plena Atenção (satipatthana) pela qual conquista-se o estado interior de observação sem julgamento, aquilatando a impermanência da vida e das pessoas pelas vias da meditação analítica para tomada de consciência, o Nirvana que liberta a mente em direção à Verdade. Esse caráter impermanente precisa ser apreendido em nossas análises. Tal prática será uma escalada de larga amplitude para a compreensão, porque conheceremos no íntimo a alegria de estarmos livres de um dos mais terríveis opressores e carcereiros dos caminhos humanos, que nos coloca como reféns infelizes do mal: o preconceito.

1. Mt 7:1

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Os Responsáveis são Felizes

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 27

" Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de bater no peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objetivo exclusivamente pessoal.”

O Livro dos Espíritos – Questão 1000

O sentimento de culpa é um aprendizado profundamente enraizado nos recessos da vida mental. As experiências religiosas nas vidas sucessivas dos últimos quinze séculos insculpiram fortemente a conduta autopunitiva como forma de solucionar nossas questões com Deus e a consciência.

Passando de geração em geração, constata-se na atualidade uma trágica manifestação coletiva da culpa nas sociedades sustentando o sofrimento humano.

Não fomos educados para ser responsáveis, fomos “educados” para sermos culpados: perante as falhas, castigos; perante os êxitos, recompensas. Prêmios e punições representam o coroamento das ações, como se nada mais existisse ou fosse possível existir entre os extremos que denominamos "errado e certo".

Pedagogicamente, os instrumentos do castigo e da repressão vão ganhando novas e mais ajustadas conceituações. Melhor que punir é ensinar, melhor que gratificar é promover. O ato de ensinar implica na arte de fazer uma viagem pelas ignoradas paisagens da vida interior descobrindo valores, pesquisando sentimentos, criando ideias novas, ajudando a pensar. A ação de promover, por sua vez, será o desafio de delegar, demonstrar confiança irrestrita, oportunizar a chance de assumir novas responsabilidades, quando o educando - seja um filho ou um funcionário, seja um vizinho ou um parente, seja um amigo ou transeunte - mostra-se apto a assumir novos caminhos.

Assim, à luza da pedagogia da esperança e do bem, ensinar é abrir caminhos para a liberdade e promover é convocar a maior maturidade através de obrigações mais amplas. A criança educada nesses moldes aprenderá a lidar melhor com suas emoções perante as falhas, buscando responder por seus atos, reparando caminhos ao invés de manter-se na postura de queixume e desvalor pessoal. Será alguém ativo perante si mesmo. Arrependerá, mas não se consumirá em maus sentimentos, ao contrário, procurará trabalhar consigo as legítimas emoções  que caracterizam uma ação de caridade a si próprio. Eis a palavra que define com exatidão nosso remédio nos problemas da culpa: caridade.

Quando o senhor Allan Kardec perguntou aos Bons Espíritos, na questão 886 de O Livro dos Espíritos, sobre qual seria a visão de Jesus sobre a caridade, tivemos uma das mais vivas e completas indicações para a felicidade humana, nos seguintes termos: "Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas".

Um completo guia para a paz, isso é que representa essa resposta.

Ante a esse vício afetivo da culpa, encontramos nessa sábia colocação uma reflexão a ser feita. Percebamos que o perdão e a indulgência referendados nessa resposta são manifestações internas de sentimentos que haveremos de aprender. Trata-se de duas medidas essenciais na arte de administrar os sentimentos, sobre como vencer mágoas e lidar harmoniosamente com os defeitos alheios. Mas vejamos que há um terceiro item na fala do Espírito Verdade, diz Ele: "Benevolência para com todos (...)". Um aspecto muito importante para pensarmos... Ou seja, aqueles sentimentos relativos à indulgência e ao perdão só serão concretizados nas relações pródigas de ação no bem; isso é a benevolência aplicada. Portanto, a benevolência é a consolidação das etapas que, inicialmente, operam-se no coração.

Em nosso caso, em que buscamos a renovação espiritual, a culpa surge com frequência. Não conseguindo ser o que sabemos que deveríamos ser, somos "obrigados", naturalmente, a ter que aceitar nossa "realidade temporária". Aprendemos com os ensinos novos da doutrina a verdade sobre nós mesmos e queremos mudar. Todavia, entre a propostas alentadoras do Espiritismo e os desejos de melhoria por ela estimulados, temos uma fortaleza de imperfeições a superar, um homem velho a transformar, por isso nem sempre correspondemos aos ideais iluminados que começamos a desenvolver tão recentemente. Desponta então a autocobrança, uma batalha impiedosa na vida íntima contra nós mesmos.

Em psicologia, esse desajuste entre "realidades" chama-se neurose. É quando a criatura tem um relativo controle sobre suas potencialidades mentais e afetivas, mas sofre uma pressão interior que o constrange a algum sofrimento em razão desse desajuste. Essa inaceitação da realidade individual traz uma penosa angústia existencial, levando à criação de mecanismos de defesa para amenizar o sofrimento decorrente do encontro com essa "parte" que não gostaríamos de encontrar. A disparidade entre o modelo proposto pelas diretrizes doutrinárias e aquilo que somos na atualidade gera uma aflição, um desespero mudo, uma insatisfação. É por esse motivo que muitos corações abandonam os ideais logo de início; não querem levar as coisas tão a sério; asseveram que é muito doloroso ter que se olhar e preocupar com essas responsabilidades de conduta.

Portanto, para "encobrir" nossa inferioridade criamos o orgulho, que nos leva a pensar que somos aquilo que ainda não somos, reduzindo nossa angústia.

Isso, porém, não basta. Precisamos compreender que toda essa etapa descrita acima tem sido a causa de muita dor. Culpa é dor. Amigos sinceros e dispostos ao crescimento mantém-se apenas nas faixas de evitar o mal, participam das realizações de esclarecimento e amparo, e, contudo, sentem-se vazios, deprimidos, infelizes...

O que está acontecendo? - perguntam muitos companheiros entristecidos depois de intenso labor. Asseveram que estão firmes nos compromissos espirituais, mas guardam a sensação de estarem piores que antes de os assumirem. A resposta para esse drama existencial está no trecho de apoio acima, "só por meio do bem se repara o mal (...)". Fácil concluir que a dor impulsiona a saída da comodidade e da omissão, todavia somente a realização nobre é capaz de sedimentar valores novos que contribuam para o equilíbrio e o júbilo da alma. É a benevolência!

Convenhamos que muitos de nós apenas nos empenhamos em evitar o mal; tentamos fazer um trabalho interior a custa da informação amealhada pelo estudo ou em movimentações de imitação nos serviços fraternais. Digamos de passagem que tais iniciativas são escolas de despertamento e que jamais deveremos dispensá-las, entretanto, se não descobrirmos nessas iniciativas a postura íntima da "missão individual" que nos insere no contexto das mesmas, ou seja, o motivo profundo pelo qual ali nos encontramos, ficaremos na condição da rotina, sem ação consciente, distanciando-nos da criatividade, da empatia e do auto-conhecimento - únicos caminhos para transpormos a condição de apenas evitar o mal e penetrarmos nas vivências educativas da criação do bem que nos libertará definitivamente.

Evitar o mal é a etapa da contenção, da volta para dentro de si, uma volta sob brumas de incompreensão e sem nitidez de auto percepção. Somente quando partimos para a etapa da "benevolência para com todos", a que se referem os Sábio Guias, é que excursionamos nas paragens da reparação, da atração para a felicidade e da responsabilidade real, assumindo os caminhos do crescimento real e renovador.

Evitando o mal ficamos na culpa. Reparar inclui esforço, sacrifício, comprometimento e amor.

Portanto, queremos tratar de uma nova ótica sobre responsabilidade com a tarefa espírita. Responsável não é somente aquele que tem boa assiduidade e disciplina. Além disso, é aquele que vive a tarefa de amor para os outros enquanto ela se realiza, e a internaliza para si quando encerra para os demais.

Somente quando levamos a tarefa espírita no coração, para fora dos seus horários de realização é que abrimos nossas experiências para a criação do bem, candidatando-nos a novas e maiores responsabilidades, que ensejarão clima e ocasião para a conquista definitiva da tão sonhada felicidade. Mister criar o hábito da meditação sobre os efeitos das ações espirituais no bem de nós mesmos, a fim de não sucumbirmos na hipnose fantasista do personalismo que nos inclina a ver o bem tangível no lado de fora, impedindo-nos de semeá-lo por dentro, nos refolhos do sentimento. Esse é um perigoso ardil do egoísmo que leva a criatura a fazer muitos "cálculos matemáticos" com seu amor, sendo que o amor é algo muito subjetivo para compor a "folha de serviços" de alguém...

Se queremos realmente vencer os estágios enfermiços da culpa estéril que em nada colabora para nossa harmonia, pensemos em como criar o bem.

Comecemos por indagar: o que é o bem? Onde ele está para cada um de nós?

Verificaremos que o bem não está nessa ou naquela tarefa, porque ele é uma questão interior, consciencial, e essa deve ser a meta de todo aquele que foi bafejado pelas brisas consoladoras da Nova Revelação.

Não podemos iludir ninguém. Criar o bem, enquanto "missão individual", não é das tarefas mais fáceis na escola da espiritualização humana. Exige o gesto incomum, o risco, a quebra com o padrão, o servir incondicional, a disposição para experimentar o novo sem medo de normas, aprender a respeitar todas as experiências alheias por mais imaturas que sejam, e muita vontade de ser útil à vida na pessoa do próximo e da sociedade.

O ato de ser responsável significa assumir nossa vida e parar com o hábito de colocar no mundo de fora as razões de nossos fracassos; é assumir o "chamado específico" de Deus para conosco; é desvendar quais os sábios Desígnio do Criador para com nosso destino.

Ante tudo isso, somos convidados a reformar o modo de pensar sobre tudo que fazemos. Como destaca a Codificação, muitas vezes a perda de um dedo mínimo será mais valorosa para nós que toda uma série de sofrimentos; isso ocorre porque nossas perdas foram um ato responsável.

Sem dúvida, os responsáveis são mais felizes, porque descobriram seu papel divino no Universo simplesmente pelo fato de que resolveram experimentar não seguir o rumo da maioria, procurando ouvir a voz da consciência, onde se encontram as Excelsas Mensagens de Deus para cada um de nós.

sábado, 11 de julho de 2020

Traços do Arrependimento

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 26

“Que consequência produz o arrependimento no estado corporal?
“Fazer que, já na vida atual, o Espírito progrida, se tiver tempo de reparar suas faltas. Quando a consciência o exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode sempre melhorar-se.”

O Livro dos Espíritos – Questão 992

Que adjetivo melhor definiria a nossa condição de Espíritos perante o mundo? Virtuosos, trabalhadores, esclarecidos, caridosos?...

A qualidade comum que estimula os passos da grande maioria das criaturas que agasalham a convicção nos princípios espíritas é o arrependimento. Almas arrependidas - essa é condição espiritual que fielmente nos define perante a vida.

Para muitos, arrependimento seria apenas um estado emocional, todavia, é também um estado mental consolidado, que funciona como uma âncora de segurança e um impulso para a caminhada evolutiva das almas submissas aos grilhões da culpa, adquirida no mau uso da liberdade.

Muita vez, para alcançar semelhante estágio, a criatura precisa padecer longamente até saturar-se no “cansaço espiritual”, passando a nutrir algum desejo de melhora e progresso em novas linhas de crescimento para Deus.

Três são os traços que caracterizam o arrependimento: desejo de melhora, sentimento de culpa e esforço de superação. Se tirarmos o esforço de superação dessa sequência, teremos o cruel episódio mental do remorso, ou seja, os arrependidos que nada fazem para se melhorar. As tendências mais marcantes dessas experiências interiores podem ser percebidas em algumas manifestações de “dor psíquica corretiva", que se diferencia da "dor psíquica expiatória". O arrependimento impulsiona, o remorso estagna. Esses três traços psicológicos e emocionais que determinam o ato de arrepender-se passam por metamorfoses infinitas, conforme a personalidade que o vivencia. Destaquemos alguns caminhos mais comuns dessa sua transmutação íntima para facilitar o entendimento de suas manifestações:

O desejo de melhora no estágio em que nos encontramos está, quase sempre, sob o jugo da vaidade e pode expressar-se por mecanismos psicológicos variados. Desejar melhorar é ter que reconhecer a própria penúria moral, assumi-la livremente em razão do idealismo nobre. É doloroso o encontro com as sombras interiores, mesmo quando queremos sinceramente nos ver libertos delas.

O impulso para crescer espiritualmente para nós é um desafio de proporções sacrificiais. Chamemos de "neurose de perfeição" ou perfeccionismo a necessidade obsessiva de fazer o bem com exatidão, uma profunda inaceitação de suas falhas e as dos outros, gerando melindre e intolerância, face ao nível de exigência e cobrança para consigo e com o mundo à sua volta. A angústia decorrente do contato com o ego, o homem velho que queremos transformar, leva a ativar mecanismos de defesa para "acobertar" essa inferioridade que detectamos em nós; então entra em ação o orgulho, criando uma falsa imagem, uma imagem idealizada com a qual procuramos nos forrar de ter que olhar e admitir a pequenez da qual somos portadores. essa luta nos recessos dos sentimentos e do pensamento traz à baila o conflito, a insatisfação e todo tipo de incômodo interior, deixando a vida íntima em estado de intensas comoções e mudanças. Damos o nome de sentimento de culpa a todo esse conjunto de reações emocionais, quase sempre "indefiníveis" para quem os sofre.

O sentimento de culpa tem camuflagens e nuanças muito versáteis. Deixemos claro que em nosso estágio de aperfeiçoamento podemos tomá-lo como um fator de impulsão para a melhora. Se a criatura arrependida não sentisse culpa, hão garantiria a continuidade de seu progresso e desistiria, optando pela loucura ou pela queda moral. Digamos que a culpa é uma energia intrusa, porém, necessária na sustentação do desejo de melhora. Jamais tomem-la, no entanto, como essencial, porque é um sentimento aprendido, um resultado de vivências anteriores e não uma virtude com a qual tenhamos sido criados. Suas manifestações podem ser percebidas na autopunição, no sentimento de desmerecimento e desvalor, nas fantasias de carma e dor, nas posturas de vítimas da vida, na inconformação, no azedume sistemático, nas crises de autopiedade ou ainda nos hábitos da lamúria e da queixa. É só estudar com atenção e perceberemos as relações entre esses processos de culpa e o orgulho que gerencia os mecanismos de defesa como, por exemplo, a “projeção”, que se constitui de transferir para fora aquilo que não estamos suportando em nós mesmos, constatando nos outros o que não queremos ver em nossa intimidade.

O esforço é a ação que promove o equilíbrio no processo do arrependimento. Não existe arrependimento real sem reparação. Querer melhorar, sentir-se culpado e nada fazer é muito doloroso. Eis aqui a importância dos serviços de amor ao próximo que alivia e consola alguém, mas que também estabiliza os níveis energéticos de quem o realiza. É comum verificarmos companheiros de ideal doutrinário orando compungidamente e indagando o que falta para sentirem-se melhor e mais felizes, considerando que estão no esforço educativo e no trabalho do bem. Oram sofregamente e com certa dose de desespero, sem saber as razões de seus sentimentos de culpa, insatisfeitos com a sua realidade inferior diante de tanta luz que possuem no cérebro com os conhecimentos espíritas. Todavia, assinalemos, a quantos vivem esses instantes de angústia e solidão das experiências evolutivas, que esse é o caminho dos arrependidos. A felicidade vem logo a seguir quando se consegue superar as refregas, sem desistir dos ideais. Sem exageros, digamos que esses estados doridos assemelham-se a uma “loucura controlada”. Especialmente os corações dotados de sensibilidade mediúnica os padecem com larga intensidade de dor. Só existe uma solução: a oração do alívio seguida da perseverança libertadora.

Sofrem muito as almas arrependidas, eis as razões dos sofrimentos dos verdadeiros espíritas!

Temos o desejo da melhora, mas o orgulho afeta a imaginação levando-nos a crer que já estamos redimidos com poucos esforços, cria uma sensação de que já somos o que deveremos ser, gerando a auto-suficiência espiritual, ou seja, hábitos milenares de presunção do conhecimento aliado à crença estéril causando-nos agradável sensação de superioridade, uma falsa superioridade...

Se observarmo-nos, com cuidado, veremos que desejamos o bem, mas ainda não o sentimos. Desejamos esclarecer, mas não sentimos alegria em estudar. Desejamos união, mas não sentimos bem na presença de qualquer pessoa.

Um ufanismo ronda nossos passos, e nada de especial temos para apresentar ao Pai na nossa condição de Filhos Pródigos senão o arrependimento. Não equivoquemos com virtudes e credenciais... o arrependimento, embora se possa contestar filosoficamente, é uma virtude por se tratar de um estado essencial para o progresso de almas que peregrinaram intensamente pelo mal.

Somos apenas espíritos arrependidos; ativos no bem face ao remorso que nos sensibilizou; cansamos do mal; lamentamos os erros cometidos.

Nada mais somos, os espíritas verdadeiros, que almas profundamente desejosas de recomeçar. Porém, entre os ideais novos e nosso destino de paz interior está a milenar bagagem que organizamos na "maleta das experiências" inferiores, o orgulho. Por isso, em muitas ocasiões, a despeito de cansados e arrependidos, ainda ensaiamos algumas "peças" no teatro da vida querendo passar por quem ainda não somos, adornando-nos de virtudes que ainda não possuímos e ansiosos de que os outros acreditem nessas ilusórias conquistas.

Em razão do personalismo, confundimos a luz que existe no Espiritismo com a luz que imaginamos deter, ostentando qualidades que começamos a desenvolver primariamente. Cegos para nossa real condição, mesmo cansados de sofrer, ainda queremos ser quem não somos, razão pela qual somente no espírito da lídima humildade as almas que arrependeram encontrarão descanso e um pouco de paz interior. Por isso não permitamos nos enganar com virtudes que ainda não conquistamos, guardando a certeza de que evitar o mal é uma parte do retorno para Deus, porque o que realmente nos conferirá autoridade e paz perante a consciência será o volume e a qualidade do bem que fizermos o quanto antes.

Em Lucas, capítulo quinze, versículo sete, O Sábio Nazareno enalteceu a conquista do arrependimento dessa forma: "Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento".

Ave a humildade! Lembrai-vos disso, todos os que se encontram em luta sob o guante das dores psíquicas.

sábado, 4 de julho de 2020

Obsessão e Orgulho

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 25

“Todas as imperfeições morais são outras tantas portas abertas ao acesso dos maus Espíritos. A que, porém, eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é a que a criatura menos confessa a si mesma”.

O Livro dos Médiuns – Capítulo 20 – Item 228

A obsessão é um fenômeno da vida mental independente da mediunidade. Podem ser obsidiadas quaisquer pessoas, desde que haja um processo de domínio mente a mente. Conquanto essa seja uma verdade clara e assentada no princípio natural das leis vibratórias, costumeiramente associa-se a presença da obsessão somente naqueles que são portadores de faculdades extra-sensoriais.

Nos médiuns, graças à sua facilidade de captação que foge da escala comum das percepções humanas, podem ser verificadas com maior ostensividade nos seus efeitos e associadas aos transtornos mentais e desequilíbrios de conduta.

Contudo, essa patologia espiritual expressa-se de formas subliminares em quem não possua a sensibilidade mediúnica, tornando-se um quadro de difícil diagnose pelas expressões sutis que alcança. Existe uma “loucura silenciosa” ou “loucura controlada” acometendo muitas criaturas - fortes indicadores da presença de um adversário que torpedeia os campos do pensamento e do sentimento.

Como sempre, a base para a existência da obsessão é a presença de um elo justificável entre quem se encontra no corpo e quem se encontra na erraticidade. Pode ser um insucesso de outras vidas, um vício do presente, uma busca comum de ideais inferiores, uma sintonia decorrente de más escolhas, um interesse partilhado por ambos e outras tantas causas que unem as almas na paixão e na vingança, no ódio e no egoísmo, gerando dependência e posse.

Considerando a realidade espiritual dos habitantes da Terra, raramente alguém estará totalmente livre de um acometimento psíquico pelas malhas da obsessão, ainda que esporadicamente. Os hábitos, as tendências e o estilo de vida do homem facilitam esse contato, atraindo para perto de si os espíritos que ainda se apegam aos costumes sociais. Assim, a alimentação, a diversão, o sono, a vida social e familiar, as profissões, a formação escolar e tudo que envolva as atividades humanas na sociedade sofrem o cáustico das frequente explorações espirituais de natureza enfermiça.

Equívoco enorme será pensar a obsessão apenas como lago escandaloso e de proporções evidenciáveis. Existem interferências obsessivas muito particulares e únicas, conforme os temperamentos e a trajetória evolutiva das almas que dela fazem parte.

Até mesmo nas tarefas doutrinárias encontramos aspectos muito graves dessa enfermidade da vida mental.

Os centros espíritas tem se tornado um "enxame de almas" nos dois planos da vida em razão de sua maior procura para solucionar problemas e doenças, que não encontraram respostas em outros valorosos caminhos.

O amor, mesmo sendo a divina virtude da vida, compra-nos a inimizade e a revolta naqueles corações fora do corpo, porque buscamos beneficiar suas vítimas em nossas tarefas de alívio e orientação. É da Lei que o sacrifício faça parte de algumas vivências daquele que ama, a fim de poupar temporariamente o sofrimento de quantos estejam abatidos sob o peso das lutas provacionais de cada dia. É quando então o trabalhador do bem é convocado a assumir parte do ônus psíquico do outro,  em nome da caridade que amenizará a dor e a tormenta alheia. Naturalmente, esse processo obedece ao controle da Divina Providência, mas os amigos espíritas necessitam ter um tanto mais de atenção no monitoramento e na ampliação de sua visão acerca das responsabilidades que assumiram na lavoura doutrinária, para não acolher como sendo suas as induções de desânimo e deserção que muito frequentemente advém de semelhantes episódios do labor fraternal.

Sentimentos variados ou quadros psíquicos incomuns e estranhos poderão surgir como reflexos das presenças espirituais que estão se beneficiando das realizações doutrinárias.

Temos um orgulho sutil, o de achar que não seremos obsidiados porque estamos no trabalho do bem e do amor. Outros, porque nunca viram ou ouviram nada de “sobrenatural”, desconhecendo os sensíveis mecanismos da vida paranormal, asseveram que se encontram livres e protegidos de semelhantes sintonias espirituais infelizes. Esse é um conceito muito dogmatizado para os assuntos da vida espiritual: crer-se protegido a troco de algumas “penitências”, uma reminiscência do religiosismo milenar.

A lógica espírita ensina-nos exatamente o oposto. A resistência moral e a maturidade só serão alcançadas à custa de muito esforço e na medida de nossa capacidade individual de vencer a nós mesmos, embora alguns corações embevecidos pelo ideal da transformação de si mesmos esperam, ingenuamente, a “harmonia de empréstimo” ou “transformação por osmose” através de orações, tarefas, passes e outros benefícios de fortalecimento. Decerto a misericórdia nunca escasseia e ampara a todos por esses meios, mas não pode em tempo algum mimar nossos pedidos para que não acostumemos a receber sem manifestarmos a decisiva coragem de enfrentar-nos.

Harmonia interior é o fruto sadio da valorosa semeadura de esforços auto-educativos exercidos no cumprimento fiel dos roteiros de crescimento.

Nesse prisma a obsessão é teste de aprimoramento e reeducação.

O pensamento fixo, as decepções prolongadas que se tornam mágoas, o rancor que guardamos por alguém, as tendências que lutamos para superar, as intenções desonestas e ocultas, o interesse pessoal à custa de prejuízo de alguém, os gestos menos felizes, o excesso de velocidade no trânsito, a intransigência em não aceitar as faltas alheias, a presunção de supor-se o melhor em tudo, a irredutibilidade nas opiniões pessoais, a fofoca, o costume de enxergar pontos negativos na tarefa do próximo, a indisposição para o perdão, o vício de prestígio, os sonhos de vida fácil na abundância material, a preguiça e a ociosidade, o atraso nos compromissos, a indiferença com a diferença do outro, o excesso de alimentação, o imediatismo para alcançar metas, o apego à televisão, o relax pelo alcoolismo, o excesso de trabalho são pequenas portas abertas diariamente para a instalação de um processo obsessivo que pode ou não ter uma sequência a níveis mais acentuados de domínio e intensidade.

Será muita pretensão e inexperiência pensar que a devoção aos ideais ou tempo de experiência serão suficientes para livrar-nos da possibilidade das interferências obsessivas. Mais uma vez o orgulho comparece trazendo-nos prejuízo nessa questão.

A ingerência ardilosa dessa imperfeição na vida mental provoca um bloqueio que impede a auto-análise sincera e desprovida de defesas, no contato livre com a intimidade de nós próprios.

O personalismo, filho predileto do orgulho, arquiteta uma imagem exageradamente valorizada de nossas qualidades e conquistas, e quando somos convidados a uma incursão no mundo íntimo, através de críticas ou situações que nos obriguem a admitir a presença de determinada imperfeição, esquivamo-nos de todas as formas, não as confessando a nós mesmos e quanto mais aos outros.

Esse mecanismo sutil do orgulho cria dotes que não possuímos, mas que, obstinadamente, imaginamos possuir.

O orgulho não deixa de ser uma defesa para nossa angústia básica, a angústia que decorre da nossa insatisfação em conhecer a inferioridade da qual ainda somos portadores e que tentamos camuflar e esquecer a todo custo.

Não se admitir em erro ou isento das interferências de adversários do bem é uma atitude invigilante e perigosa que, por si só, já é uma porta aberta para o acesso dos maus espíritos.

Examinemos cuidadosamente nossas ações. Admitamos e estudemos como superar a inveja, a vaidade e a pretensão em nossas vidas, especialmente entre companheiros do ideário espírita, se desejamos verdadeiramente encontrar as pistas deixadas pela personalidade orgulhosa que está dentro de nós em contínua fuga para não ser capturada.

Fujamos da capas com as quais queremos esconder os conflitos e sentimentos.

Humildade é a láurea de segurança para quantos anseiam por êxito nos seus investimentos de aperfeiçoamento.

Nós espíritas estamos precisando de muita coragem; coragem para ser humildes, confessar nossa condição, ouvir nossa consciência, conhecer nossas obsessões e trabalhar produtivamente para erradicá-las.

Prossigamos confiantes nessa busca.