sexta-feira, 12 de junho de 2020

Desafio Afetivo

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 22

"Podem dois seres, que se conheceram e estimaram, encontrar-se noutra existência corporal e reconhecer-se?"

"Reconhecer-se, não. Podem, porém, sentir-se atraídos um para o outro. E, frequentemente, diversa não é a causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um do outro dois seres se aproximam devido a circunstâncias aparentemente fortuitas, mas que na realidade resultam da atração de dois Espíritos, que se buscam reciprocamente entre a multidão."

O Livro dos Espíritos - Questão 386

Ímpetos de afeto repentinos com essa ou aquela pessoa irromperão inúmeras vezes face aos complexos automatismos pertinentes ao mundo do coração, contudo, constituirá isso motivo para fuga e temor? Certamente que não, pois que, em verdade, a vida nessas ocasiões conclama-nos a mais amplos voos na busca da maturidade no difícil aprendizado de transformar paixões em valores de libertação da alma, quais sejam a fraternidade, a alegria de conviver, a felicidade de amar sem possuir e depender.

Apreciar a beleza, gostar da companhia, exaltar as qualidades ou surpreender-se com a cultura são reações naturais ante aqueles que apreciamos. O cuidado nesse assunto deve situar-se nos sentimentos que permitimos ebulir a partir desses encantamentos passageiros.

Nas experiências da afeição assenhoreia-se, frequentemente, um fenômeno de negação dos sentimentos, adornando-se de atitudes de aparente equilíbrio, sendo que, intimamente, em muitos lances, a criatura está amargando dolorosa prova no silêncio do mundo afetivo "amando perdidamente" alguém, impingindo impiedoso freio às atrações, às fantasias e aos pensamentos. Repressão, porém, não basta para educar.

Uma das maiores fontes da infelicidade humana é não entender a linguagem dos sentimentos. As gerações do alvorecer do terceiro milênio sabem comunicar com países distantes em línguas diversas, mas não conseguem decodificar as mensagens de seu próprio mundo emocional, mantendo-se reféns de muitos processos que lhes imputam dolorosas vivências.

No terreno da vida afetiva, observa-se na atualidade um drama de proporções gigantescas que tem dilacerado almas honestas através de silenciosa expiação. Particularmente o coração feminino, graças à maior sensibilidade, tem resvalado para esse pântano de dor e desespero. Trata-se da prova afetiva. A criatura que devotou seu amor a alguém em legítima entrega e fidelidade vê-se, de hora para outra, sem qualquer explicação justificável pela lógica, com fortes apelos de atração por alguém fora da união esponsalícia.

Inicialmente, tomada por agradável encantamento, permite-se fruir a fantasia e a emoção, para depois, em instante de reflexão e siso, tomar-se de intensa culpa. Posteriormente vem a fase do pânico e do desespero, por analisar a situação em pauta como sendo o fim de todo um investimento de esforço e devoção na vida familiar. Acredita que tenha “acabado o amor”. Sofre em silêncio e sem coragem de dividir seus sentimentos com alguém. Imagina-se apaixonada por outra pessoa e sente tremenda hipocrisia. Verdadeiro desafio afetivo prenuncia uma etapa de experiências repleta de insegurança e tristeza. Novamente na presença da pessoa por quem sentiu essa repentina paixão, ficará desconcertada e completamente à mercê das ocorrências. Se o outro for alguém na mesma situação ou perceber-lhe o estado interior, a prova é ainda mais agravada.

Os dias prosseguem e a falta de habilidade em lidar com o mundo do afeto instala um quadro de solidão emocional, tombando para múltiplas manifestações que poderão chegar ao ciúme, irritação, depressão e revolta. Adversários espirituais cruéis na espreita poderão incendiar-lhe os costumes e promover a desordem do comportamento.

Essa leitura errônea da linguagem dos sentimentos tem provocado infelizes dramas passionais na humanidade. A deseducação para o trato com a vida emocional é, sem dúvida, uma tragédia social.

Depois de milênios na poligamia, o sistema afetivo sofreu agressões consideráveis que criaram lesões e feridas profundas. Traumas e conflitos, vingança e decepções, mágoas e traições, quase sempre, foram as escolhas da maioria dos homens nas experiências da vida a dois em regime de infidelidade, posse e dependência.

Portanto, é concebível que na atual vivência conjugal alguém sinta em dado instante algum tipo de atração não conveniente ou algum impulso repentino de aproximação e permuta. Isso em absoluto significa que o amor votado a alguém tenha acabado ou que se esteja em traição. O caleidoscópio dos sentimentos é algo imprevisível e regido por complexos mecanismos da mente, colocando a criatura diante de si messa. E sempre que necessário, tal mecanismo convida a retificações no mundo interior, à educação do afeto de profundidade, cujas nascentes encontram-se nas vidas pregressas. Emerge então, ao consciente, forças ignoradas da criatura apelando para a sublimação através dos corretivos da disciplina, da oração e da conduta reta.

Não é o fim de nada. Pelo contrário, é o início de novas lições. Decerto haverá incômodos e aflição, mas essa é a razão dos estágios depurativos na matéria, melhoria pelo autoconhecimento.

Outras causas adicionais ou coadjuvantes desse processo educativo da afetividade são os reencontros com almas com as quais já se partilhou instantes de ternura e permuta erótica, ou simplesmente a complementação magnética no terreno das expectativas que se carrega na escala dos anseios ocultos.

Pouco importando as origens, é preciso a quem passe por esse teste afetivo muita sinceridade consigo mesmo, conhecer melhor sua vida sentimental, buscar confidenciar seu drama com quem tenha maturidade e êxito no casamento e procurar rogar a Deus maior compreensão acerca do ignorado mundo do coração.

Alguns casos mais graves, havendo persistência e surgindo ímpetos incontroláveis, será imperativo o auxílio profissional, a tarefa de atendimento fraternal nas casas espíritas e, possivelmente, o socorro mediúnico com integração mais responsável junto às frentes de serviço ao próximo.

Devemos ainda acrescer que nem sempre essas fortes atrações representam passagens malsucedidas em vidas anteriores, podendo mesmo serem velhos e bons amigos que retornam aos caminhos atuais e por quem se tenha nutrido sincera e saudosa afeição, embora, mesmo objetivando o aprimoramento, ainda assim, poderá confundir suas reações emotivas filtradas conforme as viciações adquiridas no tempo, tendendo a entreter laços menos nobres com quem lhes causa tanto bem-estar nos roteiros da afinidade. Saber o que se passa conosco nessas ocasiões será um avanço em termos espirituais, permitindo-nos situar na postura adequada de proximidade sem intimidade.

Da mesma forma, toda vez que surjam desafeições, antipatias, desagrados, desgostos, repulsa e rejeição em relação a alguém, devemos mergulhar nas águas abissais do mar subconsciente e buscar conhecer as “espécies” viventes nessa imensidão de valores e imperfeições, da qual todos somos portadores. Nesse universo ignorado surgirá, certamente, a pérola reluzente da felicidade que tanto desejamos em meio às ostras de nossas dores de cada dia.

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