segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Credibilidade Social e Cidadania

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 8

"Conhecemos um senhor que foi aceito para um emprego de confiança, numa casa importante, porque era espírita sincero. Entenderam que as suas crenças eram uma garantia da sua moralidade."

O Livro dos Médiuns - Capítulo 31 - Comunicação 21

Todos somos cidadãos universais com direitos divinos e a reencarnação na Terra é a nossa participação democrática e ativa pelo bem da obra do Pai. Retornando ao planeta, além de laborar pelo crescimento pessoal, cooperamos com a colmeia social onde renascemos lapidando, paulatinamente, a credibilidade.

Credibilidade é aquilo ou aquele em que se pode crer, é o espírito da confiança abrindo espaços para a ação benfazeja e a colaboração espontânea. É o traço que nos promove à condição de Herdeiros Conscientes na obra de Deus, e que nos enseja autoridade real uns perante os outros.

Confiança, porém, é tecida pelos fios morais da conduta que reflete a consciência em paz e harmonia; brota nos corações em razão das expressões de fidelidade, retidão de caráter e amorosidade qual se fosse um perfume da alma que agrada a todos e os fazem sentir bem na companhia de quem o exala.

Essa deveria ser a condição social de todo homem iluminado pelas verdades espiritistas nos campos sociais em que se encontra. O homem de bem, conforme a brilhante exposição de O Evangelho Segundo o Espiritismo (1), deveria ser o objetivo maior de todo espírita. No entanto, o orgulho, em suas variadas camuflagens, tem inclinado muitas almas desavisadas a outra espécie de atitude ante os chamados para o serviço nas coletividades de sua participação. Tomadas de ufanismo esperam a atenção e o crédito alheio nas suas ideias externadas com certa dose de fanatismo como se fossem, em si mesmas, depositárias de "grande revelação", sentindo-se agraciados com a missão de converter.

Ufanismo é uma palavra que define o orgulho ou a vaidade desmedida que temos de algo. Seria, portanto, um contra-senso guardarmos qualquer tipo de ufanismo com o Espiritismo, considerando que a sua meta essencial é destruir o materialismo, fruto do orgulho e do egoísmo, e demonstrar aos homens onde se encontram seus verdadeiros interesses (2).

Muitas mentes ainda se locupletam com as manifestações afetivas de orgulho em função da grandeza da doutrina, cultivando "fantasias" originadas de velhos hábitos religiosistas de supremacia, disseminando concepções conversionistas para o mundo, como se a Verdade fosse "propriedade" exclusiva dos domínios onde moureja, não distanciando muito dos gestos de catequese e louvor exterior. Detentoras de novos conhecimentos auferidos na literatura doutrinária ou nas palestras esclarecedoras, surpreendem-se com a lógica e excelsitude das novas realidades e logo sentem incontida necessidade de passar a outrem as belezas que presenciou.

De forma alguma devemos repreender o gesto saudável de dividir o conhecimento espírita, contudo, devemos estar atentos na forma como o fazemos. Estamos compartilhando algo que está sendo significativo e valoroso para nós ou o que valorizamos mais para o outro?

Esse ato com feições de generosidade e amor, em muitos lances, é a clara manifestação de intenções partidárias de muitos corações ainda afeitos ao religiosismo, acreditando que as respostas que lhes servem, igualmente servirão para todos.

Esse sutil ufanismo ronda as esferas doutrinárias quando se crê, com a melhor das intenções, que a Revelação Espírita é a "única" estrada de acesso para a libertação do homem junto aos cativeiros das expiações terrenas. Semelhante concepção tem determinado uma "ética de enclausuramento" que alimenta as expectativas de boa parte de companheiros de ideal, levando a crer que a sociedade necessita da crença espírita nos moldes em que a esposamos, caso pretendam livrar-se das dificuldades de todos os matizes e adquirirem a felicidade. Pregam felicidade e apontam rumos, aliviando o outro com a tese de que em Espiritismo não se cobra valores financeiros pelos bens espirituais, incentivando a procura e a adesão como se angariasse um fiel para a salvação, despreocupando em confortar as chagas e ser o mensageiro da doutrina em si próprio, para com aquele que sofre e necessita de arrimo.

Essa "ética de reclusão" enseja uma quase "alienação" dos centros espíritas junto aos problemas sociais, porque destaca-se como vantajoso e correto que a sociedade busque o centro e não o inverso.

Forma-se assim uma linguagem, um discurso estereotipado com sugestões derivadas dessa atitude ufanista como a de solicitar ao novo frequentador que deixe a sua religião para poder frequentar a casa espírita, ou ainda que abdique de novenas e hábitos de adoração por não condizerem com o "estereótipo espírita"; ou mesmo na formulação de teses sobre carmas e mediunidade a desenvolver como se fossem "senhas de aceitação e batismo" do novo aprendiz nas atividades doutrinárias.

O Espiritismo se tornaria uma crença geral e não uma religião geral, asseveraram os Sábios Guias ao codificador (3). Por sua vez, Allan Kardec estabeleceu: "O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto, do que qualquer outra doutrina, a secundar o movimento de regeneração" (4). O papel do Espiritismo, fica bem claro, é secundar, ou seja, coadjuvar o movimento regenerador da humanidade.

Grande decepção será pernoitar nesse ufanismo doutrinário e acordar nas paragens extrafísicas decepcionados com a dura realidade de nossa condição espiritual, quando então será constatado que incontáveis almas vitoriosas e felizes jamais ouviram falar em Espiritismo, porque serviram única e exclusivamente à religião cósmica da caridade: muito amaram.

O amor é o movimento que nos importa acima de quaisquer princípios ou ideias. Credibilidade só pode ser adquirida pela alma que ama, e não por credenciais exteriores de adesão a grupos ou movimentos nos fins de semana.

Mormente nesse momento em que a Terra descortina novos horizontes para o incomum, o místico, o insondável, o tema espiritualidade tornou-se encantador, atraente, e o espiritismo está em evidência social nos cinemas ou novelas, jornalismo e revistas do mundo inteiro.

Mas espiritualidade é tesouro de muitos povos e culturas em todos os tempos. Deter-se em comparar o Espiritismo com tais escolas do mundo, ressaltando-lhe a grandeza e confinando tais conquistas evolutivas a paredes ideológicas seguidas de velhas posturas de conversão em massa, é vaidade e invigilância declarada.

A renovação social surge da intimidade. Bem enfocou o senhor Allan Kardec, o sociólogo da Era do Espírito, quando disse: "O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade." E essa madureza vem se operando, ato contínuo, enquanto ficamos nas "janelas de nossas agremiações" esperando que o mundo se converta ao Espiritismo, assemelhando-se à figura lendária Rapunzel, deixando crescer longas tranças de prepotência, enunciando frases do tipo: "o Espiritismo explica tudo, tem resposta para tudo há mais de um século!"

O papel da Doutrina dos Espíritos não é criar uma cultura que transforme o mundo, mas avalizar as conquistas da ciência humana e cooperar para destiná-las ao conceito de Deus, da imortalidade, da reencarnação, do intercâmbio entre os mundos, da pluralidade de vidas nos orbes, dilatando a visão caótica do materialismo e apresentando ao ser humano a visão sistêmica do universo em sua imensurável plenitude. A partir dessa concepção, a outra finalidade do Espiritismo é convocar o homem a remodelar seu comportamento ante essa ordem celeste que vige em todo lugar, e capacitá-lo para assumir sua destinação divina e gloriosa de co-criador, onde e como se encontrar, através da educação de si mesmo na direção da formação do homem de bem. Nesse contexto, ser espírita ou não ser, dentro dos padrões do "espiritismo dos homens", pouca importância tem para o processo renovador da humanidade, porque o que importa é que ele, o cidadão social, aprenda a se tornar um cidadão universal através da aquisição de uma cosmovisão, talhada nos conceitos transcendentais da existência.

Longe de sermões e puritanismo estéril, a credibilidade do espírita será aferida pela sua postura cidadã e moralizadora, com responsabilidade social e ação pró-ativa junto às comunidades onde foi chamado a servir, respeitando cada criatura com suas singularidades e sendo o fermento que leveda e transforma pela força da vivência íntegra, lúcida e amorosa, sem preconceitos que impeçam sua proximidade da dor alheia e sem medo que o aprisionem a aceitar as diferenças e os diferentes dentro de suas singularidades.

O próprio Cristo disse que o maior seria aquele que mais servisse (5). E para servir não podemos desdenhar a cooperação comunitária, os projetos de ação, a disposição de levar o saber espírita de forma declaradamente contextualizada e dinâmica, mais pela conduta que pelas pregações.

A cidadania do verdadeiro espírita, conforme testemunho anotado em nossa referência de apoio, será a credibilidade que vai angariar com sua postura moral de irrestrito respeito aos esforços humanos de que natureza sejam.

Espera-se, portanto, sua integração harmônica e parceira com esses esforços, e, sobretudo, com a transformação de si mesmo em um homem melhor e mais benigno ao engenho social, florindo onde foi plantado, seja em que condição for.


1. O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 17 - Item 3
2. O Livro dos Espíritos - Questão 799
3. O Livro dos Espíritos - Questão 798
4. A Gênese - Capítulo 18 - Item 25
5. Mt 20:26

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