segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Confessai-vos uns aos Outros

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 5 

"Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. "
Tg 5:16

O admirável trabalhador espírita da cidade de Belo Horizonte, Mauro Albino, entregou-nos oportunamente valoroso relato e solicitou-nos enviá-lo aos amigos reencarnados quando oportuno. Considerando o pedido de nosso amigo e o valor de sua oferenda, transmitimos as suas palavras conforme o texto que nos fora passado:

"As inesgotáveis lições do mundo dos espíritos inebriavam minha vontade de aprender. Fazíamos visitações de aprendizado junto aos celeiros da Verdade espírita. Certa feita, Albertino, meu instrutor, levou-me a singelo grupo espírita nas cercanias da capital mineira.

Bem antes de alcançarmos as terras das alterosas, via-se a luz espiritual daquele recinto de amor a longa distância.

Faltavam dez minutos para as vinte horas.

Adentramos o centro espírita. Era intensa a movimentação em ambos os planos. Em uma saleta mais resguardada, vimos o irmão Santos, presidente daquela agremiação, em sentida prece a Jesus pelas tarefas da noite. Após isso, expediu normas à pequena equipe de atendentes para os serviços do diálogo fraterno que logo se iniciaria. Nosso irmão Santos apresentava um halo reluzente que denotava paz e equilíbrio interior.

Todos saíram para seus respectivos locais de atendimento. Diminutas cabines dispostas em linha reta compunham o espaço reservado ao serviço da caridade. Ali seria dispensado o conforto e o alívio para as dores de muitos corações em prova.

Acompanhamos o irmão Santos à sua cabine. Permanecemos em silêncio e introspecção. Diversas companhias espirituais se lhe sintonizaram mentalmente e nos saudaram discretas, porém, atenciosas.

Entrou então a primeira assistida. Era uma mulher jovem e bela. Indagada sobre os motivos que a conduziram até ali, ela não titubeou:

— Venho aqui porque sou uma mulher infeliz. Desde a infância apresento comportamento estranho. Meu pai, a quem tanto amava, partiu cedo. Na juventude veio a orfandade e muito imatura, aos 23 anos, desposei um homem viciado e leviano. Já havia sofrido o bastante para continuar com desejo de viver. Separamo-nos e a partir de então comecei a desalinhar-me no comportamento afetivo. Por onde andasse era como se uma "vontade alheia" invadisse-me, inclinando meus desejos para a irresponsabilidade. Ocasionalmente, persegui afoita e secretamente um homem comprometido até conquistar-lhe o interesse...

— Compreendo minha irmã, compreendo... — dizia o atendente com muito carinho.

Fomos observando o atendimento e, na medida em que a jovem utilizava-se da sinceridade, a luminosidade de Santos reduzia-se. Os protetores tomavam providências de cautela e Albertino rogou-me a prece sustentadora. Apesar de minha inexperiência, percebi que se tratava de um momento inesperado.

A conversa, pouco a pouco, tomava rumos inconvenientes e Santos, num ato de invigilância, permitiu-se o descuido da curiosidade anti fraternal, envolvendo-se em detalhes dispensáveis do drama da enferma à sua frente.

Após o diálogo, o dirigente encaminhou-a ao passe e permaneceu na saleta a pensar. Constatamos que o halo luminoso de antes havia diminuído em intensidade, seus pensamentos estavam em intensa perturbação. Aguçamos um tanto mais os "ouvidos mentais" sob o apelo de Albertino e pudemos perceber com nitidez a gravidade de sua tormenta interior. Dizia para consigo mesmo:

— Jesus, por que o Senhor faz isso comigo? Como posso resistir a semelhante tentação? Perdoe-me, mas tenho minhas necessidades!... Estou confuso e fraco. Não consigo resistir!

Ele havia se envolvido incontrolavelmente com a bela jovem. Permitiu-se sonhos de ventura e paixão, enquanto ouvia a dor alheia, e, num impulso infantil, mas demonstrando uma fachada de tranquilidade, atravessou todas as dependências da instituição em passo apressado e foi até a sala dos passes, carregando enorme desespero e lascívia. Apenas queria fruir o prazer de vê-la outra vez.

No entanto, ela já não se encontrava mais lá; optou por não tomar o passe e retornou a seu lar...

Terminada a tarefa, seguimos o dedicado servidor até a sua residência. Esquivou-se dos cumprimentos de cordialidade, deixando seus familiares atônitos e trancou-se em seu escritório particular, recusando a conversa e a convivência. Durante toda a noite somente um pensamento saltava em sua mente: "cuidaria especialmente daquele caso". Seu coração carente povoava-se de sentimentos inconfessáveis... Santos era um pai de três filhos lindos e sua esposa, Ana, era responsável pela creche na casa em que serviam, uma família feliz.

Albertino mostrou-me ao longo dos dias seguintes os quadros mentais enfermiços suscetíveis de ocorrer com qualquer trabalhador do Cristo, desde que deixasse de manter sua ligação com as fontes de sustentação da providência divina.

A jovem retornaria na semana posterior, contudo, face ao desequilíbrio de Santos, a equipe espiritual daquela casa providenciou-lhe outros caminhos de amparo para evitar o pior.

Curioso e surpreso, como de costume ante as realidades que se antepunham às novas vivências como recém-desencarnado, perguntei a Albertino:

— Mas como pode alguém atuar em nome do amor e ficar vulnerável a esse ponto? Por que não houve uma intercessão para socorrer o irmão presidente? Seria justo permanecer nesse estado, tomando por base que estava socorrendo nossa irmã em nome do Cristo?

— Mauro, nosso companheiro é um reincidente contumaz. Sua invigilância vem agravando-se a bom tempo. Como ninguém lhe supervisiona os atos, considerando que ele é o "supervisor" de todos na condição de dirigente, fica à mercê de suas limitações. Não tendo quem possa lhe ouvir ou não querendo abrir-se para o diálogo sincero com quem vote confiança, enfraquece-se em lamentável crise de sigilo mantendo a fachada do bom espírita, porém solitário e cansado em suas lutas. O amparo tem-lhe sido constante, mas seu comportamento desalinha-se dia após dia em direção ao inevitável. O trabalhador do Cristo em qualquer posição que se encontre necessita assumir sua condição de doente e pedir ajuda. Entretanto, nosso irmão Santos iludiu-se com o teste das aparências e submeteu-se à ilusão da sublimidade de fachada, evitando dividir seus conflitos e sombras com quem quer que seja. Considerava consigo próprio que na condição de presidente não deveria sentir os dramas por que passa, sua tarefa e obrigação era ajudar e tinha tudo para não sentir mais os apelos e conflitos que carregava.

A lição oportuna foi arquivada. Depois disso fizemos diversas excursões educativas e constatei que o caso Santos é um mal na coletividade espírita de proporções mais avantajadas que podia-se imaginar. Uma crise de sigilo por parte daqueles que orientam e conduzem diversas células do Espiritismo cristão, em nome de uma autoridade imposta pelos cargos ou responsabilidades assumidas na escola do centro espírita e sustentada pelo orgulho.

Ante a proporção dessa questão, resolvemos por transmitir aos irmãos domiciliados na carne o apelo para a formação de grupos mais amigos e condutores um tanto mais humildes, em favor de si mesmos.

Ninguém perde autoridade por se revelar nos esforços íntimos para superação de suas tendências. Esse sigilo é pasto para a obsessão e o desequilíbrio. E' o velho bote do orgulho em criar uma imagem supervalorizada de si mesmo, como se a expressividade nas tarefas espíritas fosse sinônimo de grandeza espiritual, quando o verdadeiro traço que revela essa grandeza é a humildade em sermos o que verdadeiramente somos, fazendo-nos aceitos e respeitados, mesmo com as limitações a depurar.

O dirigente cristão e espírita deve ser autêntico sem ser inconveniente. Deve falar de suas lutas como o doente em busca da recuperação. Ter mais atenção, enquanto nas experiências físicas, a fim de não ter que penetrar o mundo interior em situações constrangedoras nas esferas inferiores da morte. Dispensar os adereços de orgulho com os quais se pretende projetar uma imagem de grandeza será alívio e vigilância a caminho da felicidade e da perfeição."

*****

Amigos da liderança espírita,

Estejamos atentos ao apelo sábio e generoso de nosso companheiro Mauro Albino.

As fileiras espíritas têm sido atacadas por essa infestação moral de vergonha em compartilhar necessidades íntimas com fins reeducativos através do diálogo construtivo, criando uma lamentável "epidemia coletiva" de sigilo e omissão acerca das realidades profundas da alma. Tratamos pouco ou nada de nossos conflitos, destinando largo tempo para falar dos outros, detectando problemas fora de nós em razão de ser doloroso o auto-enfrentamento.

Evitamos o auto-encontro permanecendo nas adjacências dos problemas, "canonizando" critérios de melhoria e crescimento espiritual que andam muito distantes das credenciais exaradas por Jesus, como se as tarefas das quais participamos fossem termômetros da nossa elevação espiritual. Confundimos com frequência a disciplina com iluminação. Somos todos candidatos ao bem, mas ainda não o trazemos de todo no coração, a despeito das nossas excelentes "folhas de serviço" à causa.

Mediunidade nobre, cargos de destaque, livros consoladores, obras de caridade, oratória fluente são recursos didáticos de auto-aperfeiçoamento e não atestados de competência de virtudes que supomos já possuir.

Ai de nós se continuarmos encantados com a desenvoltura individual nessas tarefas, aguardando privilégios diante da morte!

Vejamo-las sim como oportunidades e não espaços para impressionar com o falso "missionarismo"...

O labor espírita é campo de treino, enfermaria de recuperação na qual devemos nos aplicar com muita humildade, por mais bagagem adquirida, agindo como doentes em busca de sua alta médica.

Incontestavelmente, assumir essa posição não significa perder autoridade e sim ganhá-la, além do que estaremos nos aliviando de um fardo desnecessário imposto pela vaidade em querer ser o que achamos que devemos ser, mas ainda não damos conta de ser.

Ser autêntico e esforçar por melhorar é trilha segura em direção à felicidade definitiva.

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