sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Em Que Ponto da Evolução Nos Encontramos?

Reforma Íntima Sem Martírio - Epílogo


“Segundo a ideia falsíssima de que lhe não é possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa vontade se compraz, ou que exigiriam muita perseverança para serem extirpados”.

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 9 - Item 10

O Espiritismo é a Resposta do Alto em favor da humanidade desnorteada. Esclarece de onde viemos, para onde vamos e o que fazemos quando na vida terrena. Sem dúvida, Doutrina Espírita é o facho de luz que faltava aos raciocínios do homem materialista. Contudo, a sua clareza mediana, para inúmeros adeptos, não ultrapassa a condição de princípios universais com pouca utilidade no encontro das respostas a tais questões, quando focadas no terreno da individualidade.

O que significa, na intimidade da alma, cada uma dessas indagações acima mencionadas? Pergunte a um aprendiz espírita de larga vivência doutrinária se tem noções claras sobre a origem de sua reencarnação; indague-­se, de outros, se conhecem os objetivos essenciais de suas metas reencarnatórias, ou ainda consulte-os sobre o que esperam para si mesmos depois do desencarne! Quase sempre ouviremos respostas evasivas, próprias da infância espiritual que ainda assinala nossa caminhada rumo à maturidade.

De onde viemos, para onde vamos e a razão da vida no corpo quase sempre são apenas informações sem aprofundamento. Nem sempre conhecer os fundamentos filosóficos significa conscientização. Temos noções de espiritualidade, compete-­nos agora construir o caminho pessoal de espiritualização, proceder a aquisição das vivências singulares, únicas e incomparáveis, estritamente individuais, a que somos chamados na linha do crescimento e da ascensão.

Conhecemos as bases filosóficas, falta-­nos saber filosofar, aprender a pensar, tornarmo­nos agentes transformadores de nossa história, isso é educação.

Discípulos sem conta, tomados de ilusão e personalismo, acreditam ser depositários de virtude e grandeza tão somente em razão de possuírem alguns “chavões espíritas” para todas as questões que tangenciam os problemas humanos. Utilizando-­se da reencarnação, mediunidade e todo o conjunto de fundamentos filosóficos, postam-­se como decifradores circunstanciais de enigmas da vida alheia, entretanto, nem para si mesmos possuem suficiente esclarecimento na edificação da paz interior. Não se aprofundam nos dramas íntimos que carregam em si mesmos, sendo constrangidos, em inúmeras ocasiões, a desconfortável encontro com sua sombra, quando, então, são compelidos pela dor e pela frustração, diante do labirinto de seus problemas, a pensar a repensar suas lutas, aprofundando a sonda da razão nas causas ignoradas de suas reações e atitudes, pensamentos e emoções.

Renovação é trabalho lento e progressivo, muito embora avançado número de aprendizes espíritas assaltados por ilusões esteja favorecendo a morosidade ou o estacionamento em desfavor de si mesmos. Muitas crenças desprovidas de bom-senso e vigilância, nascidas de raciocínios confusos, têm servido de obstáculo ao serviço transformar nas sendas doutrinárias. Uns querem caminhar mais rápido do que podem, outros desacreditam que podem superar a si mesmos. Esses últimos, porém, os que deixaram de acreditar em si mesmos, são aqueles que Hahnemann situa em sua fala: “Segundo a ideia falsíssima de que lhe não é possível reformar sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa vontade se compraz, ou que exigiriam muita perseverança para serem extirpados”.

Crenças enfermiças têm tomado conta da vida mental de muitas criaturas que se permitem acreditar não ser capazes de vencer a ­si mesmas. É assim que ouvimos, com frequência, algumas expressões de derrotismo que traduzem a desesperança de muitos corações que, em tese, já decidiram por servir a dois senhores (1), conforme a prédica evangélica. Frases como: “Estou cansado da vida, não posso mais caminhar, preciso de um tempo!”, “Não possuo qualidades suficientes para operar minha renovação!”, “Quem sou eu para chegar a esse ponto de evolução!” “Não dou conta dessas propostas, são muito exigentes!”, e outras tantas falas semelhantes que desfilam nas passarelas do desculpismo são os sinais evidentes daqueles que optaram ou estão prestes a optar pelos caminhos largos da vida, renunciando à batalha pela conquista da porta estreita das escolhas vitoriosas.

Decerto, a nenhum de nós será pedido mais do que pudermos dar. Todavia, muita acomodação e descuido tem acontecido nas fileiras educativas do Espiritismo, tão somente porque os discípulos não têm se armado de suficiente humildade para reconhecer consigo mesmos a natureza e a extensão de suas imperfeições. Muitos, apesar do conhecimento, têm preferido os leitos confortáveis da ilusão, acreditando-se melhores do que realmente são. Sob o fascínio do orgulho, sentem vergonha, medo de se expor e profunda tristeza por se verem a braços com mazelas que já gostariam de ter superado, mas que ainda muito lhes agrada. E é esse clima de profundo desconforto consciencial que a alma evolve. Premido pela tristeza das atitudes das quais já gostaria de se ver livre é que nasce o impulso para a transformação e o progresso. Contudo, é aqui também que muitos têm se entregado e desistido ante os apelos quase irresistíveis da atração para a queda.

Imprescindível elastecer noções sobre o estágio em que nos encontramos, para administrar com mais sabedoria e equilíbrio o conflito que se instala em nosso íntimo entre o que devemos fazer, o que queremos fazer e o que podemos fazer. Posições extremistas têm instaurado dores desnecessárias. Há homens e mulheres espíritas com antigos instintos animalescos que querem ser anjos do dia para a noite, nos campos de sua espiritualização. Outros, por sua vez, são detentores de larga soma de conquistas, entretanto julgam-­se incapacitados, aprisionados a avaliações negativistas que os fazem se sentir vermes rastejantes nas fileiras da vida. O resultado inevitável dessas visões distorcidas é o martírio. Ampliemos, portanto, o raio de entendimento sobre o estágio em que nos encontramos. Para se chegar a algum lugar melhor, alcançar alguma meta maior, torna-­se imperioso conscientizar-se sobre onde nos encontraremos na evolução. Sem saber onde estamos, caminharemos para lugar nenhum.

Levamos milhões de anos vividos na irracionalidade até alcançarmos a hominalidade. Como hominais, avançamos na arte de pensar, mas nem por isso será justo, no conceito cósmico, dizermo-nos civilizados, conforme nos asseveram os Nobres Guias: “...não tereis verdadeiramente o direto de dizer-vos civilizados senão quando de vossa sociedade houverdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, praticando a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que hão percorrido a primeira fase da civilização (2).

A esse respeito, o senhor Allan Kardec interrogou a Sabedoria dos Imortais:

“Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito traços do que era precedentemente, quer dizer: do estado em que se achava no período a que se poderia chamar ante-­humano?”

“Conforme a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado. Durante algumas gerações, pode ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por brusca transição. Há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do livre ­arbítrio. Os primeiros progressos só muito lentamente se efetuam, porque ainda não têm a secundá-­los a vontade. Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito adquire perfeita consciência de si mesmo” (3).

Na questão em epígrafe consta: “Os primeiros progressos só muito lentamente se efetuam, porque ainda não têm a secundá-­los a vontade. Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito adquire perfeita consciência de si mesmo”. Imprescindível ao nosso aperfeiçoamento moral será saber em que estágio nos situamos, a fim de não tropeçarmos em velhas ilusões de grandeza. Em verdade, apenas iniciamos o serviço de autoaprimoramento. O trajeto das poucas conquistas que amealhamos foi realizado, preponderantemente, na horizontalidade dos valores cognitivos. Somente agora damos os primeiros passos para a verticalização em direção às habilidades da consciência de nós mesmos no terreno dos sentimentos. Precisamos constatar que nada mais somos, por enquanto, que criaturas que ensaiam os primeiros passos para sair do primitivismo moral rumo à humanização ou hominização integral.

Apesar de já peregrinarmos há milênios no reino hominal, ainda não nos fizemos legítimos proprietários da Herança Paternal a nós confiada. Não será impróprio dizer que somos “meio humanizados”.

Contudo, apesar dessa radiografia de nosso estágio evolutivo, existe muita vertigem provocada pelo orgulho em razão de nossa pouca competência em nos autoavaliar. Dentre elas, como aquela que se pode assinalar como sendo acentuadamente prejudicial aos ideais de transformação interior, vamos encontrar o desejo infantil, que acompanha muitos, de tomar de assalto a angelitude instantânea.

Pois se mal deflagramos o labor de assumir a condição hominal, como agir como anjos?

Entre a angelitude e a hominalidade existe a semeadura fértil da humanização. Carecemos, primeiramente, nos consolidar como seres humanizados e descortinar todas as conquistas próprias dessa etapa para, então, posteriormente, galgar novos patamares, naturalmente.

Desejando santificação, muitos aprendizes da Nova Revelação descuidam de pequenas lições educativas da ascensão passo a passo, vivendo uma reforma idealizada e não sentida. Como conceber almas educadas na mensagem da Boa Nova Espírita, pois, algumas vezes, a criatura afeiçoada às lições doutrinárias não é capaz de utilizar com responsabilidade e correção um banheiro higiênico no próprio lar?

O melhor e mais ajustado sentido para o trabalho interior de melhoria pode ser compreendido como a conquista da consciência de si mesmo, a aquisição do patrimônio da divindade que dormita no imo de nós próprios desde os primórdios da criação. Menos do que vencer as sombras interiores, o desafio da reforma espiritual requer a capacidade de criar o bem em nós pela fixação dos valores novos. Mais que evitar o mal, é necessário saber desenvolver habilidades eternas.

Reforma íntima é o serviço gradativo da instauração das virtudes celestes, a aquisição da consciência desse tesouro, o qual todos somos convocados a tomar posse perante a lei natural do progresso.

O mal será transformado em bem por seus opostos. O medo será renovado aprendendo a exercer coragem, a inveja sofrerá mutação pelo exercício da abnegação, a avareza será metamorfoseada à medida em que nos habilitarmos ao exercício do desprendimento, a irritação será convertida pela aquisição da serenidade.

Evitemos conceber mudança interior sob enfoque restrito de repressão. Medo contido pode ser trauma para o futuro; inveja reprimida pode salientar-se como frustração somatizada; avareza apenas dominada pode caminhar para o desânimo; irritação somente controlada pode caminhar para a raiva.

Contenção é disciplina. Aquisição de novas qualidades é educação.

Disciplinar é meio, educação é a grande meta.

Estamos aprendendo a descobrir nossas sombras, essa é uma etapa do processo. Convém-nos, portanto, laborar pela outra etapa, não menos importante: a de aprender a fazer luz e construir a harmonia interior – eis um bom motivo para nos livrarmos do martírio.


1. O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 16.
2. O Livro dos Espíritos – Questão 793.
3. O Livro dos Espíritos – Questão 609.


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