sábado, 13 de agosto de 2016

Pressões Por Testemunho

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 27

“Para isentá­-lo da obsessão, é preciso fortificar a alma, pelo que necessário se torna que o obsidiado trabalhe pela sua própria melhoria, o que as mais das vezes basta para o livrar do obsessor, sem recorrer a terceiros.”

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 28 - Item 81

Era manhã de sexta-­feira na Terra. Aprontávamo-nos todos para mais uma excursão de socorro e aprendizado. Dona Modesta, como de costume, seria nossa condutora.

Visitaríamos as regiões de dor na erraticidade. Antes, porém, beneficiaríamos o médium Sinésio, que cumpria a tarefa de pólo magnético atrativo, tarefa apelidada pelo humorado Dr. Inácio Ferreira como isca mediúnica.

Nossa equipe compunha-­se dos jovens Rosângela e Pedro Helvécio. Além deles, diversos componentes do grupo de irmão Ferreira estariam cumprindo a atividade de defesa. Irmão Ferreira é excelente trabalhador das regiões abismais. Graças à sua índole corajosa e seu incomparável poder mental, tornou-­se o que se pode chamar, segundo Dona Modesta, um cangaceiro do Cristo. Tendo vivido as lides do cangaço brasileiro, pernoitou longos anos de sofrimento em psicosferas pestilenciais, adquirindo vasta experiência sobre a maneira de atuação das trevas. Depois dessa etapa, resgatado a pedido de Jesus, destinado a Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo, passou a compor o esquadrão de servidores da defesa no Hospital Esperança. Sua experiência pode ser concebida pelo fato de somente ele e Eurípedes conseguirem penetrar os mais inóspitos locais da inferioridade moral. Eurípedes, por suas conquistas superiores; irmão Ferreira, por ser um embaixador do Senhor, com recursos especialíssimos de força a ele emprestados para o serviço do bem e da remissão de si mesmo. Nosso irmão é o testemunho de que a proposta de Deus é a inclusão, jamais deixando nenhum de seus filhos sem a misericórdia do recomeço.

Sinésio é um médium aplicado e de vastas qualidades em desenvolvimento com seu esforço moral. Na noite anterior, foi estabelecida uma conexão mental com uma entidade perversa do grupo dos dragões (1).

Às sete horas em ponto, nosso grupo de assistência chegou a seu lar. Ele havia despertado com bom humor, mas logo que retornou seus deveres, a sanha perturbadora do desencarnado alterou seu campo mental. Notamos que às sete horas e trinta minutos suas mentalizações pairavam em torno de irritações e aflições inúteis e sem razão. Digladiava com preocupações da rotina material sem justos e necessários motivos, enquanto o hóspede infeliz induzia pensamentos de derrotismo e raiva. Às oito horas, Sinésio apresentava um quadro de intensa pressão espiritual que caracteriza a obsessão simples, da qual ninguém está isento nas esferas terrenas. Víamos, claramente, o sofrimento do medianeiro, o qual sabia lucidamente tratar-se de um episodio mediúnico. A cada hora intensificava-se mais a situação, graduava-se o assédio a cada minuto.

Em nossa equipe, percebíamos a tranquilidade de Dona Modesta e irmão Ferreira, enquanto Rosângela, muito sensível à dor experimentada pelo companheiro no plano físico, não conteve seus ímpetos de compaixão e desabafou:

— Mas, Dona Modesta, porque deixar esse quadro correr solto? São passadas três horas, e pelo que vejo nas próprias reações físicas do médium ele terá o desajuste coronário, não demora!

— Calma, Rosângela, tudo tem um fim útil, assim não fosse e já teríamos agido. Estamos aguardando o ataque... Sinésio é bem resistente, confie.

Já eram passadas três horas e quarenta minutos, quando extenso vozerio a distância cortou a cena. Dona Modesta solicitou-­nos vigilância e fé. Irmão Ferreira fez um leve sinal ao seu grupo, que se apressou em tomar posições estratégicas. Minha tarefa era convocar o medianeiro à oração, o que, sem dificuldades, foi captado pelo seu bondoso e oprimido coração. Ele orou compungidamente pedindo paz a Jesus pelas almas que lhe intensificavam as provas na vida espiritual; e o fez com tanta unção que, como se caridoso golpe de expulsão provocasse o desligamento entre as mentes, vimos o dragão literalmente caído, tal como se houvesse tomado um choque de graves proporções. Nessa hora, percebemos a origem do vozerio. Quase uma centena de almas ligadas às trevas se ajuntava ali. Um deles pronunciou:

— O que é isso?! Um dragão tombado?! Quantas vezes vamos pelejar para derrubar um infeliz tão fraco como esse? Vamos arruinar com a vida desse condenado e mostrar aos tutores que não existem créditos de proteção para quem deve.

Para a surpresa do grupo, uma rede de acolhimento descia lentamente do Alto, envolvida em uma chuva de luzes vivas e multicoloridas, com propósito de abranger a todos. Ouviam-se trovões e relâmpagos intensos, os quais eram perceptíveis com grande intensidade. Os sons lembravam os de uma guerra... A chusma de espíritos notou a força que lhes cercava. Irmão Ferreira surgiu em meio ao cenário como se se materializasse aos olhos de nossos irmãos, e pronunciou no seu tom costumeiro (2):

— O que vosmecê acha que vai fazê aqui? Nóis tamo aqui em nome de nossu senhô Jesus Cristo. E pedimo a bênção de Deus pra todos vosmecê.

— Seu cangaceiro estúpido, quanto tempo você acha que vai proteger esse fracassado?

— Isso eu num sei respondê, mas que agora nóis vamo tê uma conversa de home pra home, isso nóis vamo.

A rede descia provocando medo em todo o grupo pela natureza das forças elevadas que emitia. Acordes apropriados para esse tipo de momento fluíam como se viessem de cada nó. Dona Modesta nos convocou à prece. Com incrível rapidez, os dragões dispersaram, entre palavrões e juras de vingança. Ficou somente o obsessor caído. Irmão Ferreira, literalmente, colocou-o no colo e levou­-o para um posto próximo das nossas movimentações. Rosângela, antes da saída do cangaceiro, a ele endereçou a seguinte questão:

— Já que o obsessor vai ser beneficiado, o que meu irmão fará pelo médium?

— Oh, minina! Se vosmecê qué paparicá minino sadio, pode ficá. Vou pra onde Jesus correu com suas bênção. Vou acudi os obissessô. Isca é pra sê devorada. O que interessa é o peixe devoradô — e soltou sua tradicional e altissonante risada.

Todos rimos do inesgotável bom humor de Ferreira em pleno momento de tumulto e atenção. Ele saiu prontamente, deixando-­nos com Dona Modesta e Helvécio. A rede de acolhimento foi levada juntamente com o grupo de cangaceiros, que a conduziriam até um local de segurança nas proximidades das regiões de padecimento nas quais nossos irmãos infortunados se acomodavam. Helvécio, atento e ponderado como sempre, destacou:

— Que bênção a mediunidade com Jesus!

—Sim, Helvécio. Uma bênção incomensurável! — atalhou Dona Modesta.

Por sua vez, Rosângela, preocupada com o médium, procurou saber o que lhe tinha sucedido. Verificando a mudança de clima mental e a instantânea felicidade na qual se encontrava, arriscou um palpite:

— Há um minuto parecia uma mente na loucura ou um candidato ao enfarto do miocárdio, agora me dá a impressão de ser uma ave voejante que perpassa os mundos em profusão de paz e alegria. Que mudança!

— Não, Rosângela, a mudança foi o que aconteceu nas últimas horas, porque, em verdade, esse é o estado habitual da mente de Sinésio.

— Mas será por isso que o Ferreira nem se preocupou?

— Isso mesmo. Aqui o grande necessitado a ser socorrido era o dragão enfermo. O médium era apenas a isca. Ele tem o cérebro que assimila a prece com maior vitalidade, ordenando suas substâncias e promovendo a harmonia. Nosso irmão fora do corpo, no entanto, está exaurido e com terríveis lembranças que não tem como esquecer nos labirintos mentais, é escravo de profundas hipnoses e rasteja por entre fios e grilhões de matéria semicondensada, ligada às regiões em que estagia nas penumbras da vida imortal. Em toda obsessão, a dor maior é sempre daqueles que não têm o corpo físico para abafar as traumáticas reminiscências de outros tempos. Os desencarnados sabem e podem mais pela liberdade de ação; os encarnados, entretanto, estão mais bem aquinhoados de estímulos para vencer os circuitos viciosos da dor das recordações.

— Seria justo considerar que o sofrimento de algumas horas de Sinésio é menor que as lutas enfrentadas por essa criatura aqui amparada?

— Sem dúvida nenhuma. Nossos irmãos na Terra tratam os obsidiados como vítimas de cobradores impiedosos tão somente porque não conhecem com detalhes os infinitos e complexos dramas da mente sem o torpor da matéria. Se pudessem conceber semelhantes dores, chorariam pelos que aqui se encontram. Todo obsidiado apela para o amparo refazente que se encontra disponível nas casas de amor. Os obsessores, no entanto, não descobriram ainda como definir seus caminhos perante as graves perturbações emotivas que carregam e se iludem com as sensações inferiores de vingança e humilhação perante quantos fazem luz que os importuna e agride.

— E por que é permitido que um médium com o campo mental ajustado passe por esse tipo de transtorno? Não seria mais justo poupar-­lhe, já que vem burilando seus pendores e buscando o crescimento? Com sinceridade, Dona Modesta, não consigo entender a razão de uma obsessão em tão esforçada criatura...

— Filha querida, que queria você? Que Sinésio ajuntasse luz somente para ostentar grandeza? Que bens adviriam de uma mediunidade se o médium, a pretexto de sossego justo, não mais desejasse usar sua luz para exterminar as trevas do mundo? Essa é a chamada pressão espiritual por testemunho. Quadro comum na vida dos trabalhadores do Cristo. Mesmo quando guardam cuidado e vigilância, devoção e disciplina com a conduta, são chamados a servir e testemunhar seus valores. Na Terra, o homem ainda cultiva a ideia da melhora espiritual como forma de regozijo e paz perene e egoísta. Você mesmo, Rosângela, que veio da formação evangélica, sabe bem do que estou falando. Sinésio, pelos recursos de amadurecimento que tem desenvolvido, pode participar dessas iniciativas sem riscos maiores em razão das reservas morais de sua força psíquica. Tornando-­se alvo de alguma trama dos adversários, funciona como uma isca, atraindo para muito perto da sua vida mental os desencarnados que, sem perceberem, emaranham-se em uma teia de irradiações poderosas, permitindo-­nos uma ação mais concreta em comparação a muitas das incursões nos vales sombrios. Temos, assim, um típico e pouco comum episódio de obsessão simples que termina tão logo é feito o desligamento de ambas as mentes. Uma obsessão provocada, uma obsessão controlada.

— Mas e se o nosso irmão não dispusesse de algum recurso no campo moral que ensejasse essa iniciativa?

— Simplesmente não cometeríamos o absurdo de entregar uma esperança nas mãos do fracasso. Nesse caso, além de poder servir à Lei do Amor, o médium dilata suas resistências espirituais logrando um excelente patrimônio autodefensivo para esses instantes tormentosos da Terra. Atualmente, até mesmo os que não peregrinam pela mediunidade ostensiva são atacados por espessa nuvem negra bacteriana que paira na psicosfera, capaz de provocar os mais diversos prejuízos, conforme os costumes de cada criatura. O Codificador, sempre detalhista nas suas observações, ocupou-se em receber dos Sábios Guias alguma orientação sobre o tema, como segue:

“Por que permite Deus que Espíritos nos excitem ao mal?”

“Os Espíritos imperfeitos são instrumentos próprios a pôr em prova a fé e a constância dos homens na prática do bem” (3).

* * *

Como vemos, a vida espiritual é um oceano de novidades que o homem reencarnado, mesmo guardando noções valorosas de espiritualidade, nem sequer imagina sobre as infinitas leis e ocorrências por aqui experienciadas.

Por isso, os espíritas, que em muitas ocasiões demonstram presunção e sapiência acerca da vida imortal, devem procurar revisar sua postura moral, porque, como já disse Shakespeare: “Existem mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia”.

1. “Espíritos caídos no mal, desde eras primevas da Criação Planetária, e que operam em zonas inferiores da vida, personificando líderes de rebelião, ódio, vaidade e egoísmo; não são, todavia, demônios eternos, porque individualmente se transformam para o bem, no curso dos séculos, qual acontece aos próprios homens.” – Nota do Autor espiritual André Luiz, na obra Libertação, capítulo VIII, psicografada por Francisco Cândido Xavier.

2.Preferimos o linguajar original de nosso irmão, que, segundo ele, imprime maior poder de diálogo com os habitantes das faixas sombrias.

3. O Livro dos Espíritos – Questão 466.

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