terça-feira, 23 de agosto de 2016

A Força do Bem

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 28


“Toda ideia nova forçosamente oposição e nenhuma há que se implante sem lutas. Ora, nesses casos, a resistência é sempre proporcional à importância dos resultados previstos, porque, quanto maior ela é, tanto mais numerosos são os interesses que fere”.

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 23 - Item 12


A rotina dos nossos serviços no Hospital Esperança foi interrompida, naquele dia, por um chamado para atendimento na crosta terrestre.

Tratava-­se de Juarez, médium em regime de educação das forças mentais, o qual rogou amparo diante de imprevista ocorrência em sua vida profissional. Sua oração, conquanto carregada de desespero, foi registrada em nossos Núcleos Irradiadores e o pedido, como de costume, chegou ao pavilhão dirigido por Dona Modesta, que nos conclamou ao trabalho.

Chegamos juntas ao ambiente comercial de Juarez, Dona Modesta e nós.

Ele estava ansioso e compenetrado no episódio, o qual assumiu proporções avassaladoras em sua mente. Providenciamos alguns fluidos calmantes para que ele mantivesse o equilíbrio; era um homem de gênio explosivo e pouco cordato, especialmente nos negócios.

Seu estabelecimento seria visitado por um fiscal de impostos. Notamos que a mente do nosso amigo estava em franco delírio. Pensamentos de oposição espiritual tomavam conta de seu cérebro. Dizia para consigo: “Querem me derrotar porque estou no trabalho do bem!”, “Tenho certeza que foi uma cilada espiritual em razão das últimas palestras que fiz sobre temas evangélicos!”. Sua fixação em ideias de pressões espirituais de adversários vagueava pelo terreno do místico e imponderável. Não pensou em alguma atitude juridicamente defensiva e nem na própria negligência, com a qual se tornou possível a ocorrência. Não constatávamos a presença de nenhum ardil de obsessores contra ele naquele caso.

A dívida era vultosa. Infelizmente, apesar dos apelos de amigos e parentes, Juarez preferiu a omissão.

À hora previamente determinada, chegou um homem maduro e carrancudo, com ares de severidade. A visita foi rápida e cordial. Apenas mais uma advertência, nada de execução judicial, por enquanto. O médium, agora aliviado, mentalizava em seus pensamentos: “Como os amigos espirituais são bons e amparam quem está na tarefa!”

De nossa parte, o único amparo dispensado, na verdade, foi a ele próprio, a fim de que não excedesse na conduta.

Terminada nossa visita, Dona Modesta sintetizou em pequena frase uma ampla experiência que merece estudo e aprofundamento nas relações entre homens e espíritos:

— Veja só, Ermance! Os homens costumam ver os Espíritos onde eles não estão, e onde eles estão não costumam ser vistos pelos homens!

* * *

Situações como a de nosso amigo comerciante têm sido constantemente assinaladas no dia a dia do homem encarnado, seja portador de faculdades psíquicas mais evidentes ou não.

O ser humano é essencialmente místico, mas, principalmente entre os cultores da fé espírita, essa tendência tem sido acentuadamente empregada na construção da realidade individual, atingindo, algumas vezes, as raias da insensatez. O exagero nesse tema tem ensejado devaneios com consequências morais nocivas para a vida de muitos homens na Terra. Menor esforço e irresponsabilidade em razão de fantasias provenientes do pensamento mágico têm criado campo para a fuga e a ilusão.

Explorações psíquicas têm ocorrido em torno do tema.

Visitamos, certa vez, um médium de cura, em cidade localizada no polígono magnético do planalto central, e constatamos um nível acentuado e sutil de desequilíbrio que ilustra nossa tese. Nosso amigo já não vivia mais a realidade do plano físico, uma quase esquizofrenia cindia-­lhe o pensamento. Não ouvia mais os amigos de convivência, julgava estar sob uma influência exclusiva dos espíritos em todos os fatos que o cercavam. Nos êxitos, rendia homenagens aos benfeitores como forma inteligente de engrandecer sua suposta humildade, no entanto, encharcava-­se na vaidade pessoal de ter sido ele o intermediário do sucesso. Nos fracassos, imputava irrevogável responsabilidade às trevas e sua sanha perseguidora, abdicando de incursionar no campo da autoanálise e verificar sua parcela pessoal nos acontecimentos infelicitadores.

Inclusive uma questão merece urgente avaliação. Convencionou-­se, entre alguns adeptos espíritas, mensurar o valor espiritual de uma tarefa pela oposição trevosa (conforme denominação usual no plano físico) que lhe é imposta. Alguns companheiros, inspirados nessa tese, interpretam todos os obstáculos em torno de seus passos no serviço doutrinário como ciladas e manobras contra seus ideais, como se tal critério constituísse um sistema de aferição exato e universal. Apoiados nas palavras do codificador, que diz: “Assim, pois, a medida da importância e dos resultados de uma ideia nova se encontra na emoção que o seu aparecimento causa, na violência da oposição que provoca, bem como no grau e na persistência da ira de seus adversários”(1). Com esse excesso interpretativo, caminham para a escassez de discernimento, perdendo de vista o exame que deveriam proceder em suas próprias atitudes ou decisões na tarefa que, constantemente, são as únicas e verdadeiras brechas com as quais os opositores do ideal laboram. Inquestionavelmente, e a literatura espírita é farta de informes a esse respeito, não estamos fazendo um convite ao deboche sobre a maneira de atuação dos inimigos desencarnados da causa do amor. Ingenuidade nessa questão será mais uma porta aberta para o acesso dos maus espíritos, mencionando o lúcido Allan Kardec (2).


As trevas só têm a importância que nós lhes emprestamos – palavras sábias de Dona Modesta em oportuna citação feita por ela à codificação, nas palavras da Equipe Verdade: “A fraqueza, o descuido ou o orgulho do homem são exclusivamente o que empresta força aos maus Espíritos, cujo poder todo advém do fato de lhes não opordes resistência”(3).

Será que semelhantes reações ao nosso esforço não poderiam também advir de descuidos e inexperiência? O sutil desejo de realce pessoal ou a pretensão dos pontos de vista, tão difícil de ser percebida, não poderiam ser a causa exclusiva de tanto burburinho e problemas nas frentes de atuação que erguemos?

O enfoque excessivamente carregado de ideias místicas subtrai-nos a possibilidade de tornar a relação entre as sociedades física e espiritual uma escola de despertamento e crescimento para os valores da alma. Utilizando a expressão do guia dos médiuns e evocadores, O Livro dos Médiuns, o laboratório do mundo invisível cerca a natureza terrena com objetivos de ascensão para quantos se encontrem em ambas as faixas de vida.

Quantas críticas e discordâncias, desavenças e tropeços existem nas equipes espíritas com as quais as trevas, sem muito esforço, exploram assiduamente?

Mais que natural a luz acesa ser perseguida pelas sombras. Faz parte da Lei de Amor essa atração opositora. Por ela, quem está na luz se fortalece iluminando-­se ainda mais, e quem jaz na penumbra encontra o perdão de Deus na claridade da vitória do bem nos lampejos da conduta alheia.

As convicções pessoais intransigentes e a imprudência são as armas mais poderosas daqueles que se posicionam contra o nosso esforço autoeducativo, porque formam o campo mental propício para a sintonia e a perturbação que decorrem do personalismo e da invigilância.

Nenhuma força é maior que o bem em todos os tempos. Firmemos nessa crença nesse brasão mental e roguemos o acréscimo da misericórdia, uma vez que sabemos da nossa fragilidade. Com essa fórmula ninguém sucumbirá sob o peso das vigorosas forças contrárias que existem para nos dilatar o poder de cooperação individual na obra do Todo-­Poderoso Criador do Universo.

1. O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 23 - Item 12.
2. O Livro dos Médiuns – Capítulo 20 - Item 228.
3. O Livro dos Espíritos – Questão 498.

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