domingo, 9 de agosto de 2020

Missão dos Inteligentes

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 30

Não vos ensoberbais do que sabeis, porquanto esse saber tem limites muito estreitos no mundo em que habitais. Suponhamos sejais sumidades em inteligência neste planeta: nenhum direito tendes de envaidecer-vos. Se Deus, em seus  desígnios, vos fez nascer num meio onde pudestes desenvolver a vossa inteligência, é que quer a utilizeis para o bem de todos; é uma missão que vos dá, pondo-vos
nas mãos o instrumento com que podeis desenvolver, por vossa vez, as inteligências retardatárias e conduzi-las a ele.

Ferdinando, Espírito Protetor. (Bordéus, 1862)

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 7 - Item 13

Não somos a inteligência que amealhamos. Apesar disso, muitos a tratam como se fosse o traço mais valoroso da personalidade em razão dos sentimentos que o saber humano dinamiza no coração.

Ainda hoje, expressiva maioria das criaturas guarda agradável sensação de superioridade quando detentora da largas fatias de cultura e desenvoltura cognitiva. Possuí-la não é o problema, mas sim como nos enxergamos a partir do saber que acumulamos, porque o orgulho costuma encharcá-la de personalismo e vaidade criando uma paixão pela auto-imagem de erudição no campo mental.

Os homens de saber de todas as épocas, com poucas exceções, foram criaturas que sucumbiram sob o peso da vaidade. A capacidade para manejar a inteligência nem sempre era acompanhada pela habilidade em lidar com os sentimentos que decorriam do destaque e da lisonja com que eram tratados.

As pessoas inteligentes e cultas, não raro, tornam-se muito exigentes e excedem na avaliação acerca de sua importância perante o mundo; isso colabora para diminuir a proximidade espontânea em função de criarem conceitos que desnivelam seus relacionamentos, com propósito de manterem as imagens que cultuam de si próprias. Tais exigências são sustentadas pelo sentimento de onipotência originado dos estímulos sociais, que conceituam cultura como o quesito de realização pessoal dos mais importantes na Terra.

O que ocorre em nosso mundo interior, a partir da relação que travamos com a instrução que conquistamos, é fator fundamental para nossa felicidade. Num mundo que privilegia a inteligência como sinônimo de acúmulo de informações e abre os braços para os eruditos, marginalizando os incultos, é óbvio que essa faceta social promove na intimidade do homem um conjunto de fenômenos emocionais que influenciam, decisivamente, seu processo de crescimento espiritual. Quantos pais, por exemplo, educam seus filhos com a noção de sucesso e felicidade, realização existencial e vitória, conciliando-os com dinheiro e intelectualidade?

Portanto, que contingência cerca a alma no mundo do afeto a partir desse quadro?

Precisamos de melhores aferições nesse tema, porque se para o homem comum isso não passa de uma questão de oportunidade e competição social, para nós, que fomos agraciados com o saber espírita, torna-se uma questão de desafio e aproveitamento reencarnatório.

Conscientes de que a tarefa do homem inteligente no mundo é conduzir a humanidade para Deus, conforme assinala Ferdinando no trecho acima destacado, fica para nós a indagação: o que temos feito com a inteligência e a cultura em favor da comunidade onde estamos inseridos? Façamos alguns levantamentos:

Como tem procedido nesse sentido o médico espírita? Tem conseguido passar a seus pacientes a noção afetiva do Pai durante as suas oportunas consultas? Tem conseguido equacionar seus problemas de relacionamento com seus enfermos, buscando maior calor humano? Tem havido um desejo de pesquisar as razões subjetivas do sofrimento de seus beneficiados ou permanece na confortável poltrona da diplomacia universitária? Há o interesse em desbravar novos horizontes em torno das próprias pesquisas humanas na reciclagem da fragmentária informação acadêmica?

E os missionários das ciências psíquicas? Têm se permitido serem fraternos com seus consulentes ou preferem a frieza do divã e dos psicotrópicos? Têm conseguido entender seus pacientes como familiares queridos que a vida colocou em seu caminho ou como almas atordoadas e sem futuro? Têm conseguido aplicar-lhes a excelente medicação da esperança e caridade, somente possíveis quando se permite sensibilizar-se com os dramas alheios? E com o montante de informes que possui, como têm procedido perante a vida? Têm utilizado da sabedoria da vida inconsciente para si mesmos, resolvendo suas próprias lutas interiores, ou têm apenas se deliciado com o ato de destacar-se como profissional aquilatado em congressos e eventos, que infundem ainda mais a sensação de grandeza e domínio em relação ao "mundo desconhecido" das técnicas e caminhos da vida mental?

E o autodidata espírita? Como tem usado o que sabe? Tem promovido criaturas ou usado de seu tesouro para consolidar posições de "homens com todas as respostas"? Tem relativizado os assuntos espirituais ou tem agido com certezas conclusivas sobre temas extremamente versáteis da metafísica? Tem procurado tornar útil à comunidade sua bagagem doutrinária ou tem se encastelado no preciosismo de gastar enorme tempo para construir teorias talhadas no perfeccionismo? Tem sabido ouvir opiniões diversas com caridade e proveito ou se mantido no círculo estreito de suas ideias, originadas em fartas pesquisas que lhe causam a impressão de descobertas inusitadas?

Somente crendo que há algo superior regendo os mecanismos do universo, e compreendendo nossa realidade nesse contexto sistêmico da Leis Naturais é que teremos recursos para agir com consciência acerca do nosso papel na harmonia cósmica.

O que importa é aprender a usar a inteligência para despertar nas almas o desejo de serem solidárias na vida e consolidarem a ideia de Deus no coração - algo extremamente escasso na atualidade, considerando que mestrados e teses quase sempre são defendidos com o único propósito de melhorar proventos financeiros...

Cultura é indício de compromisso. Inteligência é traço mental solicitando o complemento do amor para conduzir o homem aos rumos do bem. O dever natural de quem sabe mais é ajudar quem sabe menos a entender o que vale a pena saber para ser feliz, é tornar-se responsável pelo meio onde labora auxiliando entendimento e cooperando com o progresso.

Pouco importa para um espírita culto a mais avançada técnica da atualidade, se ele não souber incutir dentro de si e dos outros a alma da vida, o amor.

Despertar nos seres humanos o gosto de servir, o respeito à natureza e o sentimento da existência de Deus é a grande missão do homem espírita inteligente na Terra. Se, ao contrário, preferir manter-se nas gélidas posturas do homem científico, que separa academicismo e espiritualidade, estará repetindo velhos erros e sendo iludido pela crueldade sutil da soberba e da necessidade de prestígio. A consequência mais grave desse quadro é o sentimento de auto-suficiência em que estacionará, supondo encontrar nos valorosos avanços da ciência humana o essencial para cumprir sua missão, ou mesmo cultivar a velha ilusão de que conhecimento é sinônimo de elevação espiritual.

Espiritismo sempre se mãos dadas com a ciência e a sociedade: essa é a plataforma sobre a qual devemos nos conduzir nos assuntos da inteligência, sem que um se sobreponha ao outro. Esse o desafio!

Fica claro que, para conseguir esse objetivo, somos convidados a severo regime de auto-análise sobre quais são as motivações e tendências que movimentamos, perante a cultura que adquirimos em alguma matéria específica do saber mundano, ou mesmo nas experiências da lavoura doutrinária.

Renovemos o conceito de cultura à luz dos princípios espíritas e da educação.

Igualmente reciclemos a noção de inteligência à luz da ciência humana, absorvendo as "novas" noções da multiplicidade desenvolvida por Howard Gardner¹.

Cultura é convite a realizar mais e melhor. Inteligência é um conjunto de habilidades que nem sempre significa muita cultura.

Procuremos saber com clareza também se não estamos sofrendo de "poluição intelectual", ou seja, se temos sabido ser seletivos relativamente ao conhecimento, porque há um "lixo" nas ideias terrenas que, em princípio, parecem ser temas extremamente importantes e essenciais, mas que não oferecem nenhuma utilidade para a conquista da paz, da saúde e do crescimento dos povos.

Muita informação pode não passar de "escora para interesses pessoais", quando o importante é saber converter a informação em agente de transformação pessoal e coletiva onde nos situamos. Em muitos casos, a sede do conhecimento pode camuflar complexos fenômenos da vida afetiva, nos capítulos da carência e da frustração.

Ser bem informado e guardar simplicidade - a virtude das almas solidárias - eis o convite para todos nós.

Ter respostas simples para coisas complicadas é a grande virtude do homem inteligente na Terra, porque somente vibrando no espírito da simplicidade é que somos capazes de tornar o saber uma alavanca propulsora, nos rumos da felicidade e da libertação entre os homens.


1. PHD em psicologia pela Harvard University. Criador da teoria das Inteligências Múltiplas.

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