terça-feira, 30 de agosto de 2016

Psicosfera

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 29


“Sede indulgentes, meus amigos, porquanto a indulgência atrai, acalma, ergue, ao passo que o rigor desanima, afasta e irrita”. - José, Espírito Protetor.

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 10 - Item 16

No Universo tudo é vida e transformação. Leis imutáveis regem a harmonia pelo regime de unidade. A vida do homem em sociedade, submetida a essas leis naturais, respira nesse engenho divino que destina os seres à evolução. A ordem que preside tais fenômenos é regida por princípios de atração e repulsão que esculpem, pouco a pouco, os valores morais dignificadores da vida interpessoal. Semelhante atrai semelhante e opostos se retraem.

O pensamento é força energética com cargas vigorosas, e o sentimento lhe dá qualidade e vida tornando o psiquismo humano o piso de formação dos ambientes em todo lugar.

Tomando por comparação as teias das aranhas, criadas para capturar alimentação e se defender, a mente humana, de modo similar, tem seu campo mental de absorção e defesa estabelecido pelo teor de sua radiação moral: são as psicosferas. Quanto mais moralizado, mais resistente é o circuito de imunidade da aura, preservando o homem das agressões naturais de seu ecopsiquismo e selecionando o alimento mental vitalizador do equilíbrio de todo o cosmo biopsíquico.

O estudo da formação das psicosferas nos explica a razão de muitas sensações e incômodos claramente percebidos pelas criaturas na rotina de seus afazeres nos ambientes da convivência social. Enxaquecas repentinas, náuseas, falta de oxigenação, tonturas, alterações de humor instantâneas, alterações no bem-estar íntimo sem razões plausíveis, irritações ocasionais sem motivos, sentimentos de agressividade, ansiedade e tristeza súbita, indisposição contra alguém sem ocorrências que justifiquem, eis alguns dos possíveis episódios que podem ter origem na natureza psíquica dos ambientes.

Evidentemente, os locais de nossa movimentação serão sempre o resultado da soma geral das criações que neles imprimimos, colhendo dessa semeadura somente os frutos que guardem semelhança com a qualidade das sementes que espalhamos. Dessa forma, alguns descuidos da conduta ensejam romper com as teias mentais defensivas em razão da natureza de nossas ações.

Nesse sentido, faz-­se necessário destacar que a palavra mal conduzida tem sido uma das mais frequentes formas de fragilizar nosso sossego interior. Por meio dela temos permitido uma ligação quase permanente, pela lei da associação mental, com os campos de nutrição e defesa alheios, criando uma espécie de comunidade de vínculos na qual nos encarceramos a onerosos desgastes voluntários, quais os citados acima. Basta imaginar várias teias de aranha se encontrando nas extremidades, formando o enorme manto. Assim, passam a ser elos de contato e abertura a toda espécie de seres que se movimentam naquelas faixas nas quais sintonizamos.

Tudo isso pela invigilância em acentuar os aspectos sombrios dos outros e do meio, passando a partilhar na intimidade daquela inferioridade que destacamos fora de nós.

Vemos, frequentemente, pessoas preocupadas com o mal que o outro pode lhe fazer, temerosas com os olhos gordos que lhes infundem fantasias místicas e sentimentos inferiores em relação a alguém, entretanto, ignoram que seu grande inimigo, seu grande oponente são elas mesmas, por meio de comportamentos pelos quais atraem o mal para si mesmas. Somos sempre os únicos responsáveis por nós.

O homem na Terra encontra-­se tão habituado a denegrir o outro que não é capaz de avaliar o mal que faz a si mesmo com essa atitude. No entanto, na medida em que busca sua transformação, afeiçoa-­se a conduzir sua palavra mais nobremente em relação ao próximo e a tudo que o cerca. Somente então, quando inicia um programa de disciplina, consegue aquilatar com mais sensibilidade o quanto custa em seu desfavor o descuido com o verbo edificante.

Essa necessidade humana de destacar o mal alheio encobre, quase sempre, o desejo de rebaixar o outro e causa a ilusória sensação de superioridade, uma maquinação milenar do orgulho nos recessos da mente. Para nos referirmos ao mal alheio sem causar prejuízos a nós próprios, carecemos antes proceder a uma análise da natureza das emoções e intenções que nos conduzem a agir dessa forma. O que necessitamos aprender é sondar os nossos sentimentos quando falamos de alguém, o que está na nossa vida afetiva quando mencionamos o outro. Somente assim conheceremos melhor nossas reais motivações e teremos condições para empreender mudanças de postura eficazes, que manterão nosso corpo espiritual defendido das cargas enfermiças daquilo que não nos pertence.

Recordemos que os ambientes são o espelho do que somos. Se já percebemos o quanto é pernicioso o hábito de criticar por criticar, de julgar com inflexibilidade, de mentir sobre os atos dos outros ou ainda de difamar a vida alheia, então façamos uma pausa para entender as causas de nossas ações, perguntando ao tribunal da consciência a verdadeira razão pela qual ainda tomamos essas atitudes. Por que temos essas necessidades? Por que alguém é sempre alvo de nossos comentários deprimentes? Por que alguém nos incomoda tanto? Que posso fazer para amanhã não agir da mesma maneira?

Além disso, ore sempre nos círculos de trânsito por onde vivas, iluminando sua aura e fortalecendo tuas defesas contra as teias mentais daqueles que também agem nas trilhas ferinas da palavra áspera e malfazeja.

José, o Espírito protetor, diz que a indulgência acalma e atrai. Verdade incontestável.

Quando vemos os defeitos alheios, mas nos dispomos a tratá-­los com real fraternidade e compreensão, aderindo espontaneamente ao hábito de destacar-­lhes também o lado positivo que possuem, candidatamo-­nos a ser os Samaritanos da vida no socorro às doenças alheias, imunizando-­nos dos infelizes reflexos que decorrem das ações às quais, muitas vezes, adotamos contra nós mesmos, na condição de juízes e censores implacáveis da conduta do próximo. A indulgência cria focos de atração e interesse, faz as pessoas se sentir calmas e benquistas ao nosso lado, elevando-­lhes o astral emocional para viverem mais felizes.

Zelemos por nossos ambientes tornando-­os saudáveis e agradáveis para conviver. Otimismo incondicional, vibrações positivas sempre, tolerância construtiva, cativar laços, o hábito contínuo da oração, sorrir sempre, expressar alegria e humor contagiantes, dar pouca ou nenhuma importância aos reclames e pessimismo dos outros, guardar a certeza de que ninguém pode nos prejudicar além de nós mesmos, querer o bem alheio, essas são algumas formas salvadoras de asseio espiritual que eliminarão expressiva soma de problemas voluntários, dos quais podemos nos ver livres, desde que realmente desejemos.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

A Força do Bem

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 28


“Toda ideia nova forçosamente oposição e nenhuma há que se implante sem lutas. Ora, nesses casos, a resistência é sempre proporcional à importância dos resultados previstos, porque, quanto maior ela é, tanto mais numerosos são os interesses que fere”.

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 23 - Item 12


A rotina dos nossos serviços no Hospital Esperança foi interrompida, naquele dia, por um chamado para atendimento na crosta terrestre.

Tratava-­se de Juarez, médium em regime de educação das forças mentais, o qual rogou amparo diante de imprevista ocorrência em sua vida profissional. Sua oração, conquanto carregada de desespero, foi registrada em nossos Núcleos Irradiadores e o pedido, como de costume, chegou ao pavilhão dirigido por Dona Modesta, que nos conclamou ao trabalho.

Chegamos juntas ao ambiente comercial de Juarez, Dona Modesta e nós.

Ele estava ansioso e compenetrado no episódio, o qual assumiu proporções avassaladoras em sua mente. Providenciamos alguns fluidos calmantes para que ele mantivesse o equilíbrio; era um homem de gênio explosivo e pouco cordato, especialmente nos negócios.

Seu estabelecimento seria visitado por um fiscal de impostos. Notamos que a mente do nosso amigo estava em franco delírio. Pensamentos de oposição espiritual tomavam conta de seu cérebro. Dizia para consigo: “Querem me derrotar porque estou no trabalho do bem!”, “Tenho certeza que foi uma cilada espiritual em razão das últimas palestras que fiz sobre temas evangélicos!”. Sua fixação em ideias de pressões espirituais de adversários vagueava pelo terreno do místico e imponderável. Não pensou em alguma atitude juridicamente defensiva e nem na própria negligência, com a qual se tornou possível a ocorrência. Não constatávamos a presença de nenhum ardil de obsessores contra ele naquele caso.

A dívida era vultosa. Infelizmente, apesar dos apelos de amigos e parentes, Juarez preferiu a omissão.

À hora previamente determinada, chegou um homem maduro e carrancudo, com ares de severidade. A visita foi rápida e cordial. Apenas mais uma advertência, nada de execução judicial, por enquanto. O médium, agora aliviado, mentalizava em seus pensamentos: “Como os amigos espirituais são bons e amparam quem está na tarefa!”

De nossa parte, o único amparo dispensado, na verdade, foi a ele próprio, a fim de que não excedesse na conduta.

Terminada nossa visita, Dona Modesta sintetizou em pequena frase uma ampla experiência que merece estudo e aprofundamento nas relações entre homens e espíritos:

— Veja só, Ermance! Os homens costumam ver os Espíritos onde eles não estão, e onde eles estão não costumam ser vistos pelos homens!

* * *

Situações como a de nosso amigo comerciante têm sido constantemente assinaladas no dia a dia do homem encarnado, seja portador de faculdades psíquicas mais evidentes ou não.

O ser humano é essencialmente místico, mas, principalmente entre os cultores da fé espírita, essa tendência tem sido acentuadamente empregada na construção da realidade individual, atingindo, algumas vezes, as raias da insensatez. O exagero nesse tema tem ensejado devaneios com consequências morais nocivas para a vida de muitos homens na Terra. Menor esforço e irresponsabilidade em razão de fantasias provenientes do pensamento mágico têm criado campo para a fuga e a ilusão.

Explorações psíquicas têm ocorrido em torno do tema.

Visitamos, certa vez, um médium de cura, em cidade localizada no polígono magnético do planalto central, e constatamos um nível acentuado e sutil de desequilíbrio que ilustra nossa tese. Nosso amigo já não vivia mais a realidade do plano físico, uma quase esquizofrenia cindia-­lhe o pensamento. Não ouvia mais os amigos de convivência, julgava estar sob uma influência exclusiva dos espíritos em todos os fatos que o cercavam. Nos êxitos, rendia homenagens aos benfeitores como forma inteligente de engrandecer sua suposta humildade, no entanto, encharcava-­se na vaidade pessoal de ter sido ele o intermediário do sucesso. Nos fracassos, imputava irrevogável responsabilidade às trevas e sua sanha perseguidora, abdicando de incursionar no campo da autoanálise e verificar sua parcela pessoal nos acontecimentos infelicitadores.

Inclusive uma questão merece urgente avaliação. Convencionou-­se, entre alguns adeptos espíritas, mensurar o valor espiritual de uma tarefa pela oposição trevosa (conforme denominação usual no plano físico) que lhe é imposta. Alguns companheiros, inspirados nessa tese, interpretam todos os obstáculos em torno de seus passos no serviço doutrinário como ciladas e manobras contra seus ideais, como se tal critério constituísse um sistema de aferição exato e universal. Apoiados nas palavras do codificador, que diz: “Assim, pois, a medida da importância e dos resultados de uma ideia nova se encontra na emoção que o seu aparecimento causa, na violência da oposição que provoca, bem como no grau e na persistência da ira de seus adversários”(1). Com esse excesso interpretativo, caminham para a escassez de discernimento, perdendo de vista o exame que deveriam proceder em suas próprias atitudes ou decisões na tarefa que, constantemente, são as únicas e verdadeiras brechas com as quais os opositores do ideal laboram. Inquestionavelmente, e a literatura espírita é farta de informes a esse respeito, não estamos fazendo um convite ao deboche sobre a maneira de atuação dos inimigos desencarnados da causa do amor. Ingenuidade nessa questão será mais uma porta aberta para o acesso dos maus espíritos, mencionando o lúcido Allan Kardec (2).


As trevas só têm a importância que nós lhes emprestamos – palavras sábias de Dona Modesta em oportuna citação feita por ela à codificação, nas palavras da Equipe Verdade: “A fraqueza, o descuido ou o orgulho do homem são exclusivamente o que empresta força aos maus Espíritos, cujo poder todo advém do fato de lhes não opordes resistência”(3).

Será que semelhantes reações ao nosso esforço não poderiam também advir de descuidos e inexperiência? O sutil desejo de realce pessoal ou a pretensão dos pontos de vista, tão difícil de ser percebida, não poderiam ser a causa exclusiva de tanto burburinho e problemas nas frentes de atuação que erguemos?

O enfoque excessivamente carregado de ideias místicas subtrai-nos a possibilidade de tornar a relação entre as sociedades física e espiritual uma escola de despertamento e crescimento para os valores da alma. Utilizando a expressão do guia dos médiuns e evocadores, O Livro dos Médiuns, o laboratório do mundo invisível cerca a natureza terrena com objetivos de ascensão para quantos se encontrem em ambas as faixas de vida.

Quantas críticas e discordâncias, desavenças e tropeços existem nas equipes espíritas com as quais as trevas, sem muito esforço, exploram assiduamente?

Mais que natural a luz acesa ser perseguida pelas sombras. Faz parte da Lei de Amor essa atração opositora. Por ela, quem está na luz se fortalece iluminando-­se ainda mais, e quem jaz na penumbra encontra o perdão de Deus na claridade da vitória do bem nos lampejos da conduta alheia.

As convicções pessoais intransigentes e a imprudência são as armas mais poderosas daqueles que se posicionam contra o nosso esforço autoeducativo, porque formam o campo mental propício para a sintonia e a perturbação que decorrem do personalismo e da invigilância.

Nenhuma força é maior que o bem em todos os tempos. Firmemos nessa crença nesse brasão mental e roguemos o acréscimo da misericórdia, uma vez que sabemos da nossa fragilidade. Com essa fórmula ninguém sucumbirá sob o peso das vigorosas forças contrárias que existem para nos dilatar o poder de cooperação individual na obra do Todo-­Poderoso Criador do Universo.

1. O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 23 - Item 12.
2. O Livro dos Médiuns – Capítulo 20 - Item 228.
3. O Livro dos Espíritos – Questão 498.

sábado, 13 de agosto de 2016

Pressões Por Testemunho

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 27

“Para isentá­-lo da obsessão, é preciso fortificar a alma, pelo que necessário se torna que o obsidiado trabalhe pela sua própria melhoria, o que as mais das vezes basta para o livrar do obsessor, sem recorrer a terceiros.”

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 28 - Item 81

Era manhã de sexta-­feira na Terra. Aprontávamo-nos todos para mais uma excursão de socorro e aprendizado. Dona Modesta, como de costume, seria nossa condutora.

Visitaríamos as regiões de dor na erraticidade. Antes, porém, beneficiaríamos o médium Sinésio, que cumpria a tarefa de pólo magnético atrativo, tarefa apelidada pelo humorado Dr. Inácio Ferreira como isca mediúnica.

Nossa equipe compunha-­se dos jovens Rosângela e Pedro Helvécio. Além deles, diversos componentes do grupo de irmão Ferreira estariam cumprindo a atividade de defesa. Irmão Ferreira é excelente trabalhador das regiões abismais. Graças à sua índole corajosa e seu incomparável poder mental, tornou-­se o que se pode chamar, segundo Dona Modesta, um cangaceiro do Cristo. Tendo vivido as lides do cangaço brasileiro, pernoitou longos anos de sofrimento em psicosferas pestilenciais, adquirindo vasta experiência sobre a maneira de atuação das trevas. Depois dessa etapa, resgatado a pedido de Jesus, destinado a Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo, passou a compor o esquadrão de servidores da defesa no Hospital Esperança. Sua experiência pode ser concebida pelo fato de somente ele e Eurípedes conseguirem penetrar os mais inóspitos locais da inferioridade moral. Eurípedes, por suas conquistas superiores; irmão Ferreira, por ser um embaixador do Senhor, com recursos especialíssimos de força a ele emprestados para o serviço do bem e da remissão de si mesmo. Nosso irmão é o testemunho de que a proposta de Deus é a inclusão, jamais deixando nenhum de seus filhos sem a misericórdia do recomeço.

Sinésio é um médium aplicado e de vastas qualidades em desenvolvimento com seu esforço moral. Na noite anterior, foi estabelecida uma conexão mental com uma entidade perversa do grupo dos dragões (1).

Às sete horas em ponto, nosso grupo de assistência chegou a seu lar. Ele havia despertado com bom humor, mas logo que retornou seus deveres, a sanha perturbadora do desencarnado alterou seu campo mental. Notamos que às sete horas e trinta minutos suas mentalizações pairavam em torno de irritações e aflições inúteis e sem razão. Digladiava com preocupações da rotina material sem justos e necessários motivos, enquanto o hóspede infeliz induzia pensamentos de derrotismo e raiva. Às oito horas, Sinésio apresentava um quadro de intensa pressão espiritual que caracteriza a obsessão simples, da qual ninguém está isento nas esferas terrenas. Víamos, claramente, o sofrimento do medianeiro, o qual sabia lucidamente tratar-se de um episodio mediúnico. A cada hora intensificava-se mais a situação, graduava-se o assédio a cada minuto.

Em nossa equipe, percebíamos a tranquilidade de Dona Modesta e irmão Ferreira, enquanto Rosângela, muito sensível à dor experimentada pelo companheiro no plano físico, não conteve seus ímpetos de compaixão e desabafou:

— Mas, Dona Modesta, porque deixar esse quadro correr solto? São passadas três horas, e pelo que vejo nas próprias reações físicas do médium ele terá o desajuste coronário, não demora!

— Calma, Rosângela, tudo tem um fim útil, assim não fosse e já teríamos agido. Estamos aguardando o ataque... Sinésio é bem resistente, confie.

Já eram passadas três horas e quarenta minutos, quando extenso vozerio a distância cortou a cena. Dona Modesta solicitou-­nos vigilância e fé. Irmão Ferreira fez um leve sinal ao seu grupo, que se apressou em tomar posições estratégicas. Minha tarefa era convocar o medianeiro à oração, o que, sem dificuldades, foi captado pelo seu bondoso e oprimido coração. Ele orou compungidamente pedindo paz a Jesus pelas almas que lhe intensificavam as provas na vida espiritual; e o fez com tanta unção que, como se caridoso golpe de expulsão provocasse o desligamento entre as mentes, vimos o dragão literalmente caído, tal como se houvesse tomado um choque de graves proporções. Nessa hora, percebemos a origem do vozerio. Quase uma centena de almas ligadas às trevas se ajuntava ali. Um deles pronunciou:

— O que é isso?! Um dragão tombado?! Quantas vezes vamos pelejar para derrubar um infeliz tão fraco como esse? Vamos arruinar com a vida desse condenado e mostrar aos tutores que não existem créditos de proteção para quem deve.

Para a surpresa do grupo, uma rede de acolhimento descia lentamente do Alto, envolvida em uma chuva de luzes vivas e multicoloridas, com propósito de abranger a todos. Ouviam-se trovões e relâmpagos intensos, os quais eram perceptíveis com grande intensidade. Os sons lembravam os de uma guerra... A chusma de espíritos notou a força que lhes cercava. Irmão Ferreira surgiu em meio ao cenário como se se materializasse aos olhos de nossos irmãos, e pronunciou no seu tom costumeiro (2):

— O que vosmecê acha que vai fazê aqui? Nóis tamo aqui em nome de nossu senhô Jesus Cristo. E pedimo a bênção de Deus pra todos vosmecê.

— Seu cangaceiro estúpido, quanto tempo você acha que vai proteger esse fracassado?

— Isso eu num sei respondê, mas que agora nóis vamo tê uma conversa de home pra home, isso nóis vamo.

A rede descia provocando medo em todo o grupo pela natureza das forças elevadas que emitia. Acordes apropriados para esse tipo de momento fluíam como se viessem de cada nó. Dona Modesta nos convocou à prece. Com incrível rapidez, os dragões dispersaram, entre palavrões e juras de vingança. Ficou somente o obsessor caído. Irmão Ferreira, literalmente, colocou-o no colo e levou­-o para um posto próximo das nossas movimentações. Rosângela, antes da saída do cangaceiro, a ele endereçou a seguinte questão:

— Já que o obsessor vai ser beneficiado, o que meu irmão fará pelo médium?

— Oh, minina! Se vosmecê qué paparicá minino sadio, pode ficá. Vou pra onde Jesus correu com suas bênção. Vou acudi os obissessô. Isca é pra sê devorada. O que interessa é o peixe devoradô — e soltou sua tradicional e altissonante risada.

Todos rimos do inesgotável bom humor de Ferreira em pleno momento de tumulto e atenção. Ele saiu prontamente, deixando-­nos com Dona Modesta e Helvécio. A rede de acolhimento foi levada juntamente com o grupo de cangaceiros, que a conduziriam até um local de segurança nas proximidades das regiões de padecimento nas quais nossos irmãos infortunados se acomodavam. Helvécio, atento e ponderado como sempre, destacou:

— Que bênção a mediunidade com Jesus!

—Sim, Helvécio. Uma bênção incomensurável! — atalhou Dona Modesta.

Por sua vez, Rosângela, preocupada com o médium, procurou saber o que lhe tinha sucedido. Verificando a mudança de clima mental e a instantânea felicidade na qual se encontrava, arriscou um palpite:

— Há um minuto parecia uma mente na loucura ou um candidato ao enfarto do miocárdio, agora me dá a impressão de ser uma ave voejante que perpassa os mundos em profusão de paz e alegria. Que mudança!

— Não, Rosângela, a mudança foi o que aconteceu nas últimas horas, porque, em verdade, esse é o estado habitual da mente de Sinésio.

— Mas será por isso que o Ferreira nem se preocupou?

— Isso mesmo. Aqui o grande necessitado a ser socorrido era o dragão enfermo. O médium era apenas a isca. Ele tem o cérebro que assimila a prece com maior vitalidade, ordenando suas substâncias e promovendo a harmonia. Nosso irmão fora do corpo, no entanto, está exaurido e com terríveis lembranças que não tem como esquecer nos labirintos mentais, é escravo de profundas hipnoses e rasteja por entre fios e grilhões de matéria semicondensada, ligada às regiões em que estagia nas penumbras da vida imortal. Em toda obsessão, a dor maior é sempre daqueles que não têm o corpo físico para abafar as traumáticas reminiscências de outros tempos. Os desencarnados sabem e podem mais pela liberdade de ação; os encarnados, entretanto, estão mais bem aquinhoados de estímulos para vencer os circuitos viciosos da dor das recordações.

— Seria justo considerar que o sofrimento de algumas horas de Sinésio é menor que as lutas enfrentadas por essa criatura aqui amparada?

— Sem dúvida nenhuma. Nossos irmãos na Terra tratam os obsidiados como vítimas de cobradores impiedosos tão somente porque não conhecem com detalhes os infinitos e complexos dramas da mente sem o torpor da matéria. Se pudessem conceber semelhantes dores, chorariam pelos que aqui se encontram. Todo obsidiado apela para o amparo refazente que se encontra disponível nas casas de amor. Os obsessores, no entanto, não descobriram ainda como definir seus caminhos perante as graves perturbações emotivas que carregam e se iludem com as sensações inferiores de vingança e humilhação perante quantos fazem luz que os importuna e agride.

— E por que é permitido que um médium com o campo mental ajustado passe por esse tipo de transtorno? Não seria mais justo poupar-­lhe, já que vem burilando seus pendores e buscando o crescimento? Com sinceridade, Dona Modesta, não consigo entender a razão de uma obsessão em tão esforçada criatura...

— Filha querida, que queria você? Que Sinésio ajuntasse luz somente para ostentar grandeza? Que bens adviriam de uma mediunidade se o médium, a pretexto de sossego justo, não mais desejasse usar sua luz para exterminar as trevas do mundo? Essa é a chamada pressão espiritual por testemunho. Quadro comum na vida dos trabalhadores do Cristo. Mesmo quando guardam cuidado e vigilância, devoção e disciplina com a conduta, são chamados a servir e testemunhar seus valores. Na Terra, o homem ainda cultiva a ideia da melhora espiritual como forma de regozijo e paz perene e egoísta. Você mesmo, Rosângela, que veio da formação evangélica, sabe bem do que estou falando. Sinésio, pelos recursos de amadurecimento que tem desenvolvido, pode participar dessas iniciativas sem riscos maiores em razão das reservas morais de sua força psíquica. Tornando-­se alvo de alguma trama dos adversários, funciona como uma isca, atraindo para muito perto da sua vida mental os desencarnados que, sem perceberem, emaranham-se em uma teia de irradiações poderosas, permitindo-­nos uma ação mais concreta em comparação a muitas das incursões nos vales sombrios. Temos, assim, um típico e pouco comum episódio de obsessão simples que termina tão logo é feito o desligamento de ambas as mentes. Uma obsessão provocada, uma obsessão controlada.

— Mas e se o nosso irmão não dispusesse de algum recurso no campo moral que ensejasse essa iniciativa?

— Simplesmente não cometeríamos o absurdo de entregar uma esperança nas mãos do fracasso. Nesse caso, além de poder servir à Lei do Amor, o médium dilata suas resistências espirituais logrando um excelente patrimônio autodefensivo para esses instantes tormentosos da Terra. Atualmente, até mesmo os que não peregrinam pela mediunidade ostensiva são atacados por espessa nuvem negra bacteriana que paira na psicosfera, capaz de provocar os mais diversos prejuízos, conforme os costumes de cada criatura. O Codificador, sempre detalhista nas suas observações, ocupou-se em receber dos Sábios Guias alguma orientação sobre o tema, como segue:

“Por que permite Deus que Espíritos nos excitem ao mal?”

“Os Espíritos imperfeitos são instrumentos próprios a pôr em prova a fé e a constância dos homens na prática do bem” (3).

* * *

Como vemos, a vida espiritual é um oceano de novidades que o homem reencarnado, mesmo guardando noções valorosas de espiritualidade, nem sequer imagina sobre as infinitas leis e ocorrências por aqui experienciadas.

Por isso, os espíritas, que em muitas ocasiões demonstram presunção e sapiência acerca da vida imortal, devem procurar revisar sua postura moral, porque, como já disse Shakespeare: “Existem mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia”.

1. “Espíritos caídos no mal, desde eras primevas da Criação Planetária, e que operam em zonas inferiores da vida, personificando líderes de rebelião, ódio, vaidade e egoísmo; não são, todavia, demônios eternos, porque individualmente se transformam para o bem, no curso dos séculos, qual acontece aos próprios homens.” – Nota do Autor espiritual André Luiz, na obra Libertação, capítulo VIII, psicografada por Francisco Cândido Xavier.

2.Preferimos o linguajar original de nosso irmão, que, segundo ele, imprime maior poder de diálogo com os habitantes das faixas sombrias.

3. O Livro dos Espíritos – Questão 466.