sexta-feira, 29 de abril de 2016

Lições Preciosas com Dr. Inácio

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 16


"Aquele que, médium, compreende a gravidade do mandato de que se acha investido, religiosamente o desempenha".

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 28- Item 9

Era véspera dos dias carnavalescos nas terras brasileiras, época de intensos labores entre as dimensões de vida física e espiritual. O Hospital Esperança por inteiro aprontava-se para o momento tormentoso. Cooperadores de variadas funções eram convocados em colônias e postos próximos, no intuito de prestarem serviço extra à nossa comunidade. Nosso regime seria plantão permanente.

Encontrávamo-nos na tarefa de acolhimento a novos corações em sofrimento no pavilhão dirigido pelo bem humorado Dr. Inácio Ferreira(1). Médiuns e mais médiuns se alojavam nas enfermarias em condições das mais lamentáveis.

A experiência de um dia nesse setor nos oferece material para um livro de vastas proporções, considerando a grandiosidade das experiências ali recolhidas.

Dr. Inácio, com a devoção de sempre, atendia com louvor. Percebia-­se nitidamente em sua face o desgaste proveniente das lutas daqueles dias, mas continuava firme e gracejante.

Em certo momento, fomos à ala que se compunha dos pacientes em condições medianas de melhoria. Chegamos juntos, Dr. Inácio sempre acompanhado por outros especialistas da vida psíquica, padioleiros e auxiliares. A equipe fazia-se de nove cooperadores, na qual também nos incluíamos.

Júlio, médium recém-­desencarnado há alguns meses, padecia naquele instante de crises vigorosas no campo mental, que o assaltavam com ideias atormentadoras em torno dos vícios carnais.

A equipe dividiu-­se em duas e ficamos com nosso diretor naquela tarefa de socorro.

Júlio mostrava-­se inquieto, como se fosse desfalecer. Uma energia de coloração fraca na cor acinzentada, com pequenos filetes arroxeados ao centro, emanava de sua garganta em direção ao corredor central daquela ala. Dr. Inácio deixou os auxiliares tomando providências e solicitou-­me não perder a clarividência daquela hora, a fim de seguirmos a faixa vibratória que havia detectado. Andamos por mais de cem metros rumo às dependências de maior dor, nas quais eram colocados os doentes mais graves. Notamos que a coloração daquela exalação energética tomava conotações mais fortes, e podíamos agora ouvir vozes que saíam dela com clareza de definição, cujo teor era um pedido desesperado.

Seguindo a trajetória indicada por aqueles raios de baixo teor, chegamos até um quarto onde estava sendo atendido um jovem. Medidas de contenção e calmaria eram tomadas para beneficiá-­lo. Foi uma tarefa longa que nos pediu muito amor.

Já um tanto mais refeito, aproximamo-nos daquele coração sofrido, que se dirigiu ao Dr. Inácio:

— Doutor, não vou aguentar, não vou aguentar isso. Esse tratamento não é para mim.

— Acalme-e, Euzébio, para não perder a ajuda dessa hora.

— Desse jeito vou enlouquecer!

— Você está no lugar certo, então, porque aqui somos todos mais ou menos loucos — como de costume, nosso diretor era pura graça elevada, mesmo nos instantes mais sérios.

— Preciso de pelo menos uma "encostadinha". O senhor não vai poder fazer isso por mim? E para onde foi levado o Júlio? Por que esse arrancão de uma só vez? Nós nos dávamos tão bem!

— Meu amigo, não poderei lhe dar todas as informações que você quer saber. Quanto à "encostadinha", poderei providenciar, mas dependendo de sua recuperação.

— O senhor fala sério?

— E alguma vez falei algo brincando? — novamente com o sorriso de brincadeira, Dr. Inácio olhou para mim e deu uma pisadinha de puro humor.

— Mas quem servirá a mim, doutor?

— Palavra bonita usou você agora. Realmente utilizaremos outro instrumento, e ele nada mais fará que servi-­lo em suas necessidades.

— Por quanto tempo poderei ficar ao lado dele?

— Quinze minutos!

— Mas doutor, isso não vale nada! Não dá para fazer nada nesse tempo.

— Exatamente! Você não vai fazer nada, quem vai agir dessa vez é o médium sobre você, e não o inverso.

— Mas como, doutor? E isso vai me apaziguar as sensações?

— Mais do que você imagina. Será um remédio temporário que vai te fazer enorme bem, mas... Como já disse, você terá que mostrar o mínimo de condições para conseguirmos a autorização.

— Autorização?

— Sim, aqui nada acontece sem autorização, ou você acha que vai poder continuar suas obsessões como bem quer? Se for assim, terei que lhe dar alta, porque o que não falta na Terra é gente querendo ser obsidiada...

—Não consigo entender, não consigo...

— Entenderá. Você é um rapaz esperto e inteligente! Dentro de três dias retornarei aqui para saber de seu estado. Antes disso, nem pensar, porque o ambiente da Terra não está para qualquer um nesses dias carnavalescos. A preferência é para os antigos chefes e negociadores, que serão, muitos deles, socorridos nas várias atividades erguidas nessa época.

Notei que Euzébio era um paciente em recuperação lenta, porém auspiciosa. Ao sairmos da ala, tivemos alguns breves momentos de conversa e pude, então, me inteirar dos detalhes.

— Veja só, Ermance. Ainda há quem pense, nos centros espíritas, que nós podemos fazer tudo por aqui no mundo das almas. Com essa tese absurda, muitos trabalhadores e grupos inteiros têm se afastado da mediunidade socorrista, alegando que o plano espiritual pode atender a tudo sem participação humana!

— Compreendo, Dr. Inácio.

— Mal sabem os homens o que significa para milhões de corações apegados à matéria o simples contato com o corpo físico de um médium...

— Não seria o caso de enviarmos algo por escrito a nossos irmãos na Terra?

— Se você quiser abrir o véu... Eu, de minha parte, tenho levado as informações que posso, todavia, já vejo um monte de "lenha armada" entre os puristas da Doutrina para assar o médium e o espírito. Já há quem diga no plano físico, depois das obras que enviei(2), que Dr. Inácio não ficou louco quando no sanatório de Uberaba(3), mas sua loucura surgiu depois de morto...

— Que nada, doutor! É que tudo tem sua hora.

— Contudo, se desejar transpor as convenções, explique que esse fenômeno se assemelha muito ao vampirismo, no qual os espíritos sugam forças e sensações dos corpos físicos. A diferença é que fazemos um trabalho de alocar o desencarnado nas energias grosseiras emanadas do corpo do médium, no intuito de aplacar necessidades muito específicas de almas ainda muito presas a sensações.

— Isso não daria um efeito contrário, ou seja, a entidade auxiliada não ficaria com mais desejo ainda de continuar cultivando essas impressões?

— O corpo físico, para quem dele não se desprendeu mentalmente, pode ser chamado de um vício. Talvez, Ermance, o mais velho vício de todos — exclamou o experiente diretor em tom quase poético.

— A psicofonia, então, ainda é uma mediunidade muito necessária, será isso?

— Não é psicofonia, é incorporação mesmo, e não se assuste de dizer. Como falam os umbandistas, sem nenhum exagero, os médiuns nessa circunstância se tornam "cavalos"...

— Não corre o risco de lhes fazer mal?

— Boa pergunta, amiga! Boa pergunta! Se isso for uma possibilidade, então nem tentaremos.

— E o que determina essa questão?

— A qualidade do médium. Já pensou se vou colocar uma criatura como Euzébio, que foi um alambique ambulante, ao lado de um médium que adora bebericar umas e outras?!

— O que há de tão especial no corpo dos médiuns que aplaca as sensações de apego dessas criaturas?

— Energia, minha filha. Muita energia de teor incomparável a qualquer uma das formas de força que são capazes de criar as máquinas avançadas em nosso plano. Mesmo aqui a natureza não pode ser imitada com perfeição. Corpo é corpo, criação divina e natural. Não existe nada igual. Levamos muitos deles às reuniões bem conduzidas apenas para o contato. Alguns nem se comunicam.

— Essa seria, então, a explicação para alguns desconfortos físicos dos médiuns?

— Que nada! Esse é apenas um dos infinitos casos que podem dar um bocado de dor de cabeça aos médiuns.

— Qual o índice de melhora dos assistidos?

— Pergunta difícil, todavia posso te afiançar, Ermance, que existe um caso que tem se avolumado a cada dia, de almas que só podem ser atendidas por esse processo, cujo resultado é imediato e muito satisfatório.

— Seriam os suicidas?

— Os suicidas, hoje, já dispõem de muitos recursos, graças ao avanço dos casos que ensejaram o erguimento de muitas obras de amor e tecnologias próprias, que os livram pelo menos dos pesadelos, conquanto a dor seja quase a mesma. Fato dos casos de hibernação psíquica na nossa ala de hebetados, mais abaixo de nossos pés. Espíritos que já se esqueceram do que é a sede, a fome, a dor, a alegria, o descanso. Vivem fora desse mundo. Muitos já não reencarnam há mais de 10.000 anos. São casos que os centros espíritas raramente têm atendido,considerando o despreparo dos médiuns e a falta de visão sobre a realidade extrafísica. Os espíritas, você sabe, acham que sabem tudo sobre plano espiritual, somente porque atendem aquele monte de "almas penadas" que ficam pedindo lenço e colo para desabafar suas mágoas — como de costume, Dr. Inácio não deixava sua autenticidade e objetividade.

— Seria demais dizer que esses casos de incorporação seriam obsessões temporárias ou programadas?

— Nos casos de médiuns ajustados, sim, porque o que eles passam no campo mental é um clima de esquizofrenia relâmpago enquanto sob a ação dessas criaturas. Contudo, os casos de muitos médiuns que deram adeus a Jesus Cristo e ficaram com seu personalismo caminham para o que ocorreu com Júlio e Euzébio, que acabamos de visitar: uma obsessão compartilhada que continua além-­paredes do próprio túmulo.

— De que condição específica teriam que cuidar os médiuns para se apresentarem em boas condições nessa tarefa?

— Frequentar menos churrascos e abandonar a cervejaria das ilusões. Fazer sexo somente para viver em relativa paz, e não viver para pensar em sexo. Quanto ao cigarro, nem vou falar, porque não sou autoridade no assunto(4). Disciplinar os prazeres físicos para que tenham objetivos enobrecedores e educativos, eis a questão.

— Quer dizer que os médiuns que ainda experimentam essas vivências do homem comum não apresentam muita utilidade nessa tarefa?

— Depende de seu sentimento. O corpo não purificado é, para essas almas, um ímã de atração poderosa, que as estimula e gratifica sem saberem as causas. Entretanto, com aqueles medianeiros que guardam o vaso físico santificado pela conduta reta, os sentimentos são como mãos a direcionar esse ímã para o Mais Alto. Nesse último caso, cada contato vale por uma intensa e vigorosa ordem de elevação, despertando o desejo de crescer e recomeçar nos assistidos. No entanto, é preciso dizer que está cheio de fumante indo para as mediúnicas com o coração repleto de amor, e acabam servindo do mesmo jeito, na falta de alguém em condições mais apropriadas. Evidentemente, nesse caso, os riscos são enormes.

— Que riscos?

— De o comunicante gostar do médium e o médium do comunicante. Nesse caso, a incorporação pode avançar para uma baita obsessão. Por isso preferimos analisar cada história e cada médium. Em resumo, posso lhe adiantar que os instrumentos mediúnicos para esse mister são poucos.

— Júlio seria um desses casos?

— Não. Júlio é daqueles casos que são a maioria. Nem trabalhou o quanto podia, nem se livrou do que devia. Qualquer forma de distanciamento do vício físico para os médiuns ou não médiuns é sempre saudável, no entanto, somente a consciência clara das razões de deixá-­los para sempre é que trarão mudanças em sua matriz, o sentimento. Por mais esclarecimento, se não sentimos a vontade de mudar, não mudamos. É preciso sentir, porque no fundo a raiz de todos os vícios está no sentimento do egoísmo.

Ao terminar sua fala, sempre contagiante e descontraída, o Dr. Inácio Ferreira ainda acrescentou:

— É por essas e outras infinitas razões, minha amiga, que já não podemos mais permanecer no silêncio pernicioso que caminha para a conivência. O imaginário dos espíritas sobre a vida além da morte, apesar de ser rico em informações, anda distante daquilo que realmente vem sucedendo a quantos são envolvidos por fora pelas claridades do Espiritismo, mas que descuida do serviço de se iluminar por dentro. Diria até que a questão é um pouco mais grave, isto é, para a maioria deles tem sido mesmo difícil discernir quando estão iluminados por fora ou por dentro...

As observações do ilustre Dr. Inácio são um roteiro claro e precioso que endossa a pequena frase da codificação: "Aquele que, médium, compreende a gravidade do mandato que se acha investido, religiosamente o desempenha".

1. Devotado trabalhador espírita da cidade de Uberaba, ­Minas Gerais.
2. Obras mediúnicas enviadas pelo médium Carlos A. Baccelli cujos títulos são: Sob as Cinzas do Tempo; Do Outro Lado do Espelho; Na Próxima Dimensão.
3. Referência ao tempo em que era diretor do Sanatório Espírita de Uberaba, Minas Gerais.
4. Dr. Inácio relata nas suas próprias obras, atrás referidas, o seu drama pessoal com o tabagismo.

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