sexta-feira, 29 de abril de 2016

Lições Preciosas com Dr. Inácio

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 16


"Aquele que, médium, compreende a gravidade do mandato de que se acha investido, religiosamente o desempenha".

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 28- Item 9

Era véspera dos dias carnavalescos nas terras brasileiras, época de intensos labores entre as dimensões de vida física e espiritual. O Hospital Esperança por inteiro aprontava-se para o momento tormentoso. Cooperadores de variadas funções eram convocados em colônias e postos próximos, no intuito de prestarem serviço extra à nossa comunidade. Nosso regime seria plantão permanente.

Encontrávamo-nos na tarefa de acolhimento a novos corações em sofrimento no pavilhão dirigido pelo bem humorado Dr. Inácio Ferreira(1). Médiuns e mais médiuns se alojavam nas enfermarias em condições das mais lamentáveis.

A experiência de um dia nesse setor nos oferece material para um livro de vastas proporções, considerando a grandiosidade das experiências ali recolhidas.

Dr. Inácio, com a devoção de sempre, atendia com louvor. Percebia-­se nitidamente em sua face o desgaste proveniente das lutas daqueles dias, mas continuava firme e gracejante.

Em certo momento, fomos à ala que se compunha dos pacientes em condições medianas de melhoria. Chegamos juntos, Dr. Inácio sempre acompanhado por outros especialistas da vida psíquica, padioleiros e auxiliares. A equipe fazia-se de nove cooperadores, na qual também nos incluíamos.

Júlio, médium recém-­desencarnado há alguns meses, padecia naquele instante de crises vigorosas no campo mental, que o assaltavam com ideias atormentadoras em torno dos vícios carnais.

A equipe dividiu-­se em duas e ficamos com nosso diretor naquela tarefa de socorro.

Júlio mostrava-­se inquieto, como se fosse desfalecer. Uma energia de coloração fraca na cor acinzentada, com pequenos filetes arroxeados ao centro, emanava de sua garganta em direção ao corredor central daquela ala. Dr. Inácio deixou os auxiliares tomando providências e solicitou-­me não perder a clarividência daquela hora, a fim de seguirmos a faixa vibratória que havia detectado. Andamos por mais de cem metros rumo às dependências de maior dor, nas quais eram colocados os doentes mais graves. Notamos que a coloração daquela exalação energética tomava conotações mais fortes, e podíamos agora ouvir vozes que saíam dela com clareza de definição, cujo teor era um pedido desesperado.

Seguindo a trajetória indicada por aqueles raios de baixo teor, chegamos até um quarto onde estava sendo atendido um jovem. Medidas de contenção e calmaria eram tomadas para beneficiá-­lo. Foi uma tarefa longa que nos pediu muito amor.

Já um tanto mais refeito, aproximamo-nos daquele coração sofrido, que se dirigiu ao Dr. Inácio:

— Doutor, não vou aguentar, não vou aguentar isso. Esse tratamento não é para mim.

— Acalme-e, Euzébio, para não perder a ajuda dessa hora.

— Desse jeito vou enlouquecer!

— Você está no lugar certo, então, porque aqui somos todos mais ou menos loucos — como de costume, nosso diretor era pura graça elevada, mesmo nos instantes mais sérios.

— Preciso de pelo menos uma "encostadinha". O senhor não vai poder fazer isso por mim? E para onde foi levado o Júlio? Por que esse arrancão de uma só vez? Nós nos dávamos tão bem!

— Meu amigo, não poderei lhe dar todas as informações que você quer saber. Quanto à "encostadinha", poderei providenciar, mas dependendo de sua recuperação.

— O senhor fala sério?

— E alguma vez falei algo brincando? — novamente com o sorriso de brincadeira, Dr. Inácio olhou para mim e deu uma pisadinha de puro humor.

— Mas quem servirá a mim, doutor?

— Palavra bonita usou você agora. Realmente utilizaremos outro instrumento, e ele nada mais fará que servi-­lo em suas necessidades.

— Por quanto tempo poderei ficar ao lado dele?

— Quinze minutos!

— Mas doutor, isso não vale nada! Não dá para fazer nada nesse tempo.

— Exatamente! Você não vai fazer nada, quem vai agir dessa vez é o médium sobre você, e não o inverso.

— Mas como, doutor? E isso vai me apaziguar as sensações?

— Mais do que você imagina. Será um remédio temporário que vai te fazer enorme bem, mas... Como já disse, você terá que mostrar o mínimo de condições para conseguirmos a autorização.

— Autorização?

— Sim, aqui nada acontece sem autorização, ou você acha que vai poder continuar suas obsessões como bem quer? Se for assim, terei que lhe dar alta, porque o que não falta na Terra é gente querendo ser obsidiada...

—Não consigo entender, não consigo...

— Entenderá. Você é um rapaz esperto e inteligente! Dentro de três dias retornarei aqui para saber de seu estado. Antes disso, nem pensar, porque o ambiente da Terra não está para qualquer um nesses dias carnavalescos. A preferência é para os antigos chefes e negociadores, que serão, muitos deles, socorridos nas várias atividades erguidas nessa época.

Notei que Euzébio era um paciente em recuperação lenta, porém auspiciosa. Ao sairmos da ala, tivemos alguns breves momentos de conversa e pude, então, me inteirar dos detalhes.

— Veja só, Ermance. Ainda há quem pense, nos centros espíritas, que nós podemos fazer tudo por aqui no mundo das almas. Com essa tese absurda, muitos trabalhadores e grupos inteiros têm se afastado da mediunidade socorrista, alegando que o plano espiritual pode atender a tudo sem participação humana!

— Compreendo, Dr. Inácio.

— Mal sabem os homens o que significa para milhões de corações apegados à matéria o simples contato com o corpo físico de um médium...

— Não seria o caso de enviarmos algo por escrito a nossos irmãos na Terra?

— Se você quiser abrir o véu... Eu, de minha parte, tenho levado as informações que posso, todavia, já vejo um monte de "lenha armada" entre os puristas da Doutrina para assar o médium e o espírito. Já há quem diga no plano físico, depois das obras que enviei(2), que Dr. Inácio não ficou louco quando no sanatório de Uberaba(3), mas sua loucura surgiu depois de morto...

— Que nada, doutor! É que tudo tem sua hora.

— Contudo, se desejar transpor as convenções, explique que esse fenômeno se assemelha muito ao vampirismo, no qual os espíritos sugam forças e sensações dos corpos físicos. A diferença é que fazemos um trabalho de alocar o desencarnado nas energias grosseiras emanadas do corpo do médium, no intuito de aplacar necessidades muito específicas de almas ainda muito presas a sensações.

— Isso não daria um efeito contrário, ou seja, a entidade auxiliada não ficaria com mais desejo ainda de continuar cultivando essas impressões?

— O corpo físico, para quem dele não se desprendeu mentalmente, pode ser chamado de um vício. Talvez, Ermance, o mais velho vício de todos — exclamou o experiente diretor em tom quase poético.

— A psicofonia, então, ainda é uma mediunidade muito necessária, será isso?

— Não é psicofonia, é incorporação mesmo, e não se assuste de dizer. Como falam os umbandistas, sem nenhum exagero, os médiuns nessa circunstância se tornam "cavalos"...

— Não corre o risco de lhes fazer mal?

— Boa pergunta, amiga! Boa pergunta! Se isso for uma possibilidade, então nem tentaremos.

— E o que determina essa questão?

— A qualidade do médium. Já pensou se vou colocar uma criatura como Euzébio, que foi um alambique ambulante, ao lado de um médium que adora bebericar umas e outras?!

— O que há de tão especial no corpo dos médiuns que aplaca as sensações de apego dessas criaturas?

— Energia, minha filha. Muita energia de teor incomparável a qualquer uma das formas de força que são capazes de criar as máquinas avançadas em nosso plano. Mesmo aqui a natureza não pode ser imitada com perfeição. Corpo é corpo, criação divina e natural. Não existe nada igual. Levamos muitos deles às reuniões bem conduzidas apenas para o contato. Alguns nem se comunicam.

— Essa seria, então, a explicação para alguns desconfortos físicos dos médiuns?

— Que nada! Esse é apenas um dos infinitos casos que podem dar um bocado de dor de cabeça aos médiuns.

— Qual o índice de melhora dos assistidos?

— Pergunta difícil, todavia posso te afiançar, Ermance, que existe um caso que tem se avolumado a cada dia, de almas que só podem ser atendidas por esse processo, cujo resultado é imediato e muito satisfatório.

— Seriam os suicidas?

— Os suicidas, hoje, já dispõem de muitos recursos, graças ao avanço dos casos que ensejaram o erguimento de muitas obras de amor e tecnologias próprias, que os livram pelo menos dos pesadelos, conquanto a dor seja quase a mesma. Fato dos casos de hibernação psíquica na nossa ala de hebetados, mais abaixo de nossos pés. Espíritos que já se esqueceram do que é a sede, a fome, a dor, a alegria, o descanso. Vivem fora desse mundo. Muitos já não reencarnam há mais de 10.000 anos. São casos que os centros espíritas raramente têm atendido,considerando o despreparo dos médiuns e a falta de visão sobre a realidade extrafísica. Os espíritas, você sabe, acham que sabem tudo sobre plano espiritual, somente porque atendem aquele monte de "almas penadas" que ficam pedindo lenço e colo para desabafar suas mágoas — como de costume, Dr. Inácio não deixava sua autenticidade e objetividade.

— Seria demais dizer que esses casos de incorporação seriam obsessões temporárias ou programadas?

— Nos casos de médiuns ajustados, sim, porque o que eles passam no campo mental é um clima de esquizofrenia relâmpago enquanto sob a ação dessas criaturas. Contudo, os casos de muitos médiuns que deram adeus a Jesus Cristo e ficaram com seu personalismo caminham para o que ocorreu com Júlio e Euzébio, que acabamos de visitar: uma obsessão compartilhada que continua além-­paredes do próprio túmulo.

— De que condição específica teriam que cuidar os médiuns para se apresentarem em boas condições nessa tarefa?

— Frequentar menos churrascos e abandonar a cervejaria das ilusões. Fazer sexo somente para viver em relativa paz, e não viver para pensar em sexo. Quanto ao cigarro, nem vou falar, porque não sou autoridade no assunto(4). Disciplinar os prazeres físicos para que tenham objetivos enobrecedores e educativos, eis a questão.

— Quer dizer que os médiuns que ainda experimentam essas vivências do homem comum não apresentam muita utilidade nessa tarefa?

— Depende de seu sentimento. O corpo não purificado é, para essas almas, um ímã de atração poderosa, que as estimula e gratifica sem saberem as causas. Entretanto, com aqueles medianeiros que guardam o vaso físico santificado pela conduta reta, os sentimentos são como mãos a direcionar esse ímã para o Mais Alto. Nesse último caso, cada contato vale por uma intensa e vigorosa ordem de elevação, despertando o desejo de crescer e recomeçar nos assistidos. No entanto, é preciso dizer que está cheio de fumante indo para as mediúnicas com o coração repleto de amor, e acabam servindo do mesmo jeito, na falta de alguém em condições mais apropriadas. Evidentemente, nesse caso, os riscos são enormes.

— Que riscos?

— De o comunicante gostar do médium e o médium do comunicante. Nesse caso, a incorporação pode avançar para uma baita obsessão. Por isso preferimos analisar cada história e cada médium. Em resumo, posso lhe adiantar que os instrumentos mediúnicos para esse mister são poucos.

— Júlio seria um desses casos?

— Não. Júlio é daqueles casos que são a maioria. Nem trabalhou o quanto podia, nem se livrou do que devia. Qualquer forma de distanciamento do vício físico para os médiuns ou não médiuns é sempre saudável, no entanto, somente a consciência clara das razões de deixá-­los para sempre é que trarão mudanças em sua matriz, o sentimento. Por mais esclarecimento, se não sentimos a vontade de mudar, não mudamos. É preciso sentir, porque no fundo a raiz de todos os vícios está no sentimento do egoísmo.

Ao terminar sua fala, sempre contagiante e descontraída, o Dr. Inácio Ferreira ainda acrescentou:

— É por essas e outras infinitas razões, minha amiga, que já não podemos mais permanecer no silêncio pernicioso que caminha para a conivência. O imaginário dos espíritas sobre a vida além da morte, apesar de ser rico em informações, anda distante daquilo que realmente vem sucedendo a quantos são envolvidos por fora pelas claridades do Espiritismo, mas que descuida do serviço de se iluminar por dentro. Diria até que a questão é um pouco mais grave, isto é, para a maioria deles tem sido mesmo difícil discernir quando estão iluminados por fora ou por dentro...

As observações do ilustre Dr. Inácio são um roteiro claro e precioso que endossa a pequena frase da codificação: "Aquele que, médium, compreende a gravidade do mandato que se acha investido, religiosamente o desempenha".

1. Devotado trabalhador espírita da cidade de Uberaba, ­Minas Gerais.
2. Obras mediúnicas enviadas pelo médium Carlos A. Baccelli cujos títulos são: Sob as Cinzas do Tempo; Do Outro Lado do Espelho; Na Próxima Dimensão.
3. Referência ao tempo em que era diretor do Sanatório Espírita de Uberaba, Minas Gerais.
4. Dr. Inácio relata nas suas próprias obras, atrás referidas, o seu drama pessoal com o tabagismo.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Diálogo Sobre Ilusão

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 15


"Rainha entre os homens, como rainha julguei que penetrasse no reino dos céus! Que desilusão! Que humilhação, quando, em vez de ser recebida aqui qual soberana, vi acima de mim, mas muito acima, homens que eu julgava insignificantes e aos quais desprezava, por não terem sangue nobre!" - Uma Rainha de França (Havre, 1863).

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 2 - Item 8

O que são as ilusões? (1)

Definamos ilusão como sendo aquilo que pensamos, mas que não corresponde à realidade. São percepções que nos distanciam da Verdade. Existem em relação a muitas questões da vida, tais como metas, culturas, comportamento, pessoas, fatos. A pior das ilusões é a que temos em relação a nós: a autoilusão.

Qual a causa das ilusões?

As ilusões decorrem das nossas limitações em perceber a natureza dos sentimentos que criam ou determinam nossos raciocínios. Na matriz das ilusões encontramos carências, desejos, culpas, traumas, frustrações e todo um conjunto de inclinações e tendências que formam o subjetivo campo das emoções humanas.

Por que a senhora citou a auto­ilusão como a pior das ilusões?

O iludido pensa muito o mundo negando senti-lo, um mecanismo natural de defesa diante das dificuldades que encontra em lidar com suas emoções. Esconde-­se atrás de uma imagem que criou de si mesmo para resguardar autoridade social ou outro valor qualquer que deseje manter.

O objetivo da reencarnação consiste em nos desiludir sobre nós mesmos pela criação de uma relação libertadora com o mundo material. Se não buscamos essa meta, então caminhamos para a falência dos planos de ascensão individual.

Conforme a resposta anterior, o iludido esconde-­se de quê?

De si mesmo. Criando um eu ideal para atenuar o sofrimento que lhe causa a angústia de ser o que é – a criatura foge de si e vive em esconderijos psíquicos.

Mas por que se esconde de si mesmo?

Em razão do sentimento de inferioridade que ainda assinala a caminhada da maioria dos habitantes da Terra. Iludimo-­nos por meio de um mecanismo defensivo contra nossa própria fragilidade que, pouco a pouco, vamos extinguindo. Negar o que se sente e o que se deseja é o objetivo desse mecanismo. Uma forma que a mente aprendeu pra camuflar o sentimento de inferioridade da qual o espírito se conscientizou em algum instante de sua peregrinação evolutiva.

Então, iludimo-­nos para nos sentirmos um pouco melhores, seria isso?

Autoilusão é aquilo em que queremos acreditar sobre nós mesmos, mas que não corresponde à realidade do que verdadeiramente somos. É a miragem de nós mesmos ou aquilo que imaginamos ser. Uma vivência psíquica resultante da desconexão entre razão e sentimento. É a crença na imagem idealizada que criamos no campo mental. É aquilo que pensamos que somos e desejamos que os outros creiam sobre nós.

Nós, espíritas, temos ilusões? 

Responderei com clareza e fraternidade: sim, muitas ilusões. O iludido, quando ambicioso, atinge sem perceber as raias da usura; quando dominador, chega aos cumes da manipulação; quando vaidoso, eleva-­se aos pântanos da supremacia pessoal; quando cruel, atola-­se ao lamaçal do crime; quando astuto, atira-­se às vivências da intransigência; quando presunçoso, escala os cumes da arrogância; e, mesmo quando esclarecido espiritualmente, lança-se aos cumes do exclusivismo ostentando qualidades que, muita vez, são adornos frágeis com os quais esnobam a superioridade que supõem possuir.

Poderia dizer a nós, espíritas, algo sobre nossas ilusões? 

Existe uma tendência à autossuficiência entre os depositários do conhecimento espírita. Discursam sobre a condição precária em que se encontram, assumindo a condição de almas carentes e necessitadas, todavia, em oposição a isso, agem como se fossem salvadores do mundo, com todas as respostas para a humanidade. Essa incoerência na conduta é provocada pela ilusão que criaram do papel do espírita no mundo...

O Espiritismo é excelente; nós, espíritas, nem tanto... Nossa condição real, para quem deseja assumir uma posição ideal perante a si mesmo, é a de almas que apenas começaram a sair do primitivismo moral. Alegremo-­nos por isso!

Essa autossuficiência seria o orgulho?

O orgulho promove essa condição, é a mais enraizada manifestação da ilusão, é a ilusão de querer ser o que imaginam que somos. Essa é a pior ilusão, a autoimagem falsa e superdimensionada de nós mesmos. Essa autoilusão é sustentada por uma cultura de convenções acerca do que seja ser espírita, um resquício do velho hábito religioso de criar estampas pelas quais serão reconhecidos os seguidores de alguma doutrina. Nesse caso, a ilusão desenvolvida chama-­se ideia de grandeza.

Muitas pessoas desejariam sair prontas para testemunhos após pequenos exercícios de espiritualização no centro espírita, entretanto, por ignorarem sua real condição espiritual, fazem da casa doutrinária um templo de aquisição da angelitude imediata. Querem sair prontos e perfeitos das tarefas e estudos, quando o objetivo de tais iniciativas é capacitar de valores intelecto-morais para repensar caminhos e encontrar respostas para as encruzilhadas da alma nas refregas da existência.

O que é essa autoimagem falsa? 

Uma construção mental que se torna a referência para nossas movimentações perante a vida. É uma cristalização mental, uma irradiação que cria uma rotina escravizante nos sentimentos, permitindo-nos viver somente as emoções em uma faixa de segurança, a fim de não perdermos o status da criatura que supomos ser e queremos que os outros acreditem que somos. O que pensamos sobre nós, portanto, determina a imagem mental indutora dos valores íntimos. Se o raciocínio sofre distorções da ilusão, então viveremos sem saber quem somos.

Como é construída essa autoimagem?

Por meio das vivências intelecto-afetivas de todos os tempos, desde a criação.

Onde ela permanece? 

No corpo mental. Sua maior expressão é conhecida pelas operações do departamento da imaginação, no reino da mente.

Quer dizer que, além da autoimagem, temos um eu real diferente do "eu crístico" que ainda não conhecemos?

Sim. Temos um eu real que estamos tentando ignorar há milênios. Essa parcela de nós é a sombra da qual queremos fugir. Todavia, o contato com essa zona inconsciente nos revela não só motivos de dor e angústia, mas, igualmente, a luz que ignoramos estar em nossa intimidade à espera de nossa vontade para ser utilizada.

Aqui chamamos a atenção dos nossos parceiros de ideal para o cuidado com o processo da reforma interior. Existe muita idealização confundindo aprendizes que imaginam estar dando saltos evolutivos em direção a esse eu real, entretanto, em verdade, estão se movimentando na esfera do eu idealizado.

Poderia explicar mais profundamente essa questão dos saltos evolutivos?

É um tipo de ilusão que normalmente assalta os religiosos de todos os tempos. Imaginam-­se muito melhorados a partir do contato com alguma diretriz ou prática religiosa e, então, passam a viver uma vida idealizada, um projeto de vir-a-ser. É uma ilusão de que se está fazendo a renovação, apenas uma idealização. Uma forma de se comportar desconectada do sentimento, um adorno moral para nossas atitudes; é o discurso sem a vivência. O nome mais conhecido desse comportamento é puritanismo.

Como distinguir idealização de mudança verdadeira? 

Na idealização pensamos o que somos e, como consequência, vivemos o que gostaríamos de ser, mas ainda não somos. É o hábito das aparências.

Na reforma íntima sentimos o que somos, e como consequência vivemos a realidade do que somos com harmonia, ainda que nos cause muitos desconfortos. É o processo de educação gradativa.

Na idealização vive-­se em permanente conflito por se tratar, em parte, de uma negação da realidade, enquanto na reforma autêntica a criatura consegue penetrar os meandros dos sentimentos-­causais, encontrando uma convivência pacífica consigo e aceitando-­se sem se acomodar, em direção a melhoras mensuráveis.

Como vencer nossas ilusões? 

Desapegando-se da autoimagem falsa que fazemos de nós mesmos. Desapaixonando-se do "eu". Para isso, somente o autoconhecimento.

Havendo esse desapego, conseguiremos libertar os sentimentos para novas experiências com o mundo e, consequentemente, com nosso eu profundo. Isso desencadeará um processo de resgate de nós mesmos, venceremos a condição de reféns de nosso passado escravizante, saindo da roda viciosa das emoções perturbadoras, quais sejam, o medo, a culpa e a insegurança.

O processo da desilusão custa sorver o fel da angústia de saber quem somos e carregar o peso do sacrifício de cuidar dessa personalidade nova que renasce exuberante. Independe do quão doloroso seja, é preferível experimentá-­la enquanto encarnados a ter de purgá-­la na vida espiritual.

Assinalemos alguns exercícios de desapego dessa paixão que nutrimos pela imagem irreal que criamos de nós mesmos:

  • Fazer as pazes com as imperfeições.
  • Abandonar os padrões fixos e aprender a se valorizar com respeito.
  • Descobrir sua singularidade e vivê-­la com gratidão.
  • Coragem para descobrir seus desejos, tendências e sentimentos.
  • Exercitar a autoaceitação através do perdão.
  • Munir-­se de informações sobre a natureza de suas provas.
  • Aprender a ouvir com atenção o que se passa à sua volta.
  • Dominar o perfeccionismo, nutrindo a certeza de que ser falível não nos torna inferiores.
  • Valorizar afetivamente suas vitórias.
  • Descobrir qualidades, acreditar nelas e colocá-­las a serviço das metas de crescimento.


Paulo, o apóstolo da renovação, indica-­nos uma sublime recomendação que nos compele a meditar sobre a natureza de nossos sentimentos em torno da mensagem do amor. Sugerimos que esse seja nosso roteiro na vitória sobre as ilusões: "Olhais para as coisas segundo as aparências? Se alguém confia de si mesmo que é de Cristo, pense outra vez isto consigo ..." (2)


1. As perguntas desse texto foram proferidas pelo médium – (Nota da Autora Espiritual).
2. II Coríntios, 10:7.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Imunidade Psíquica

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 14


"O médium que queira gozar sempre da assistência dos bons Espíritos tem de trabalhar por melhorar-­se."
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­
"O médium que compreender o seu dever, longe de se orgulhar de uma faculdade que não lhe pertence, visto que lhe pode ser retirada, atribui a Deus as boas coisas que obtém.'

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 28 - Item 9

As tarefas sucediam-­se, uma após outra, no Hospital Esperança(1). A obra de amor do apóstolo sacramentano tornou-­se polo dispensador das bênçãos da Complacente Misericórdia.

Naquela manhã, antes  de o sol afugentar a madrugada, preparávamo-nos para mais uma caravana de aprendizado. Iríamos acompanhar Dona Maria Modesto Cravo(2) em atividade de assistência fraternal na Terra. Convidamos uma pequena equipe de jovens que faziam seus primeiros estágios de aprendizado na crosta, depois de alguns meses de adaptação pós-­desencarne.

Rumamos para o local previamente combinado, e lá encontramos Dona Modesta e outros amigos do Hospital. Após os cumprimentos, ela nos explicou a atividade com detalhes, nesses termos:

— Nossa intercessão desta hora é providência de urgência em favor de Cesário, dedicado médium da seara espírita. Nosso irmão te se apresentado com disposições valorosas ao trabalho, razão pela qual as investidas espirituais perseguem-­no com programação perseverante.

Aproximamo-­nos do médium oferecendo liberdade aos jovens componentes da equipe, pois a cena era muito educativa. Cesário estava se preparando para as atividades do dia em seu lar, por meio da oração. No entanto, à porta de sua residência, uma chusma de almas se postava em atenciosa expectativa. Percebemos nítido halo magnético, provindo das dependências de sua casa, abrangendo larga faixa de espaço até a vizinhança, impedindo a entrada daqueles que, certamente, estavam à espreita da oportunidade para alguma iniciativa infeliz.

Cesário preparava-­se para sair e notamos intensa movimentação. Dona Modesta fez um sinal ao irmão Ferreira, experiente companheiro dos serviços de defesa, e vimos toda a sua equipe em atitudes que bem recordavam os momentos que antecedem os combates da Terra. Cesário tornou a direção da rua com seu veículo, e o vozerio da turba foi ouvido com estrondo. Dona Modesta, na condição de condutora do trabalho, pediu­-nos a prece, o que fizemos com emoção. Após a oração, a visão espiritual de todos nós aguçou-­se e constatamos, ao lado do médium, sua amorosa benfeitora envolvendo-­o em dulçorosa paz. Um anel magnético muito luminoso, com cores violeta-­prateadas acomodava-­se sobre a cabeça de Cesário, como se fosse uma boina com a parte superior aberta. Constatávamos que petardos de matéria enfermiça eram atirados sobre o servidor, mas eram dissolvidos integralmente por alguma força especial que partia desse anel. Os jovens, curiosos, mas vigilantes nos serviços de apoio, olhavam para mim como a rogar orientação para a hora que se prenunciava como sendo portadora de gravidade.

Observamos, então, que o trabalhador da mediunidade, tão logo dispôs de alguns momentos, estacionou seu automóvel em razão de súbito mal­-estar ­mental.Sentia pelos canais medianímicos que algo não estava bem. Recorreu à prece e percebeu que estava sendo alvo de um ataque de adversários do amor. Tomou a iniciativa de criar um laço consistente com sua mentora, estabelecendo um clima de segurança, buscou a leitura refazente e orou com carinho pelos que lhe atacavam, pedindo a Jesus pelo bem de todos eles. Irmão Ferreira, com sua equipe de colaboradores, utilizava­-se de recursos eficazes de proteção. Rapidamente constatamos que a cilada foi frustrada, e todos nos reuníamos à Dona Modesta para agradecer a Deus e aprender um pouco mais. Assim que foram encerradas as atividades, a devotada servidora do Cristo colocou-­se à disposição dos jovens aprendizes para as oportunas indagações. Sérgio tomou a palavra e disse:

— Dona Modesta, podemos classificar as atividades dessa hora como uma desobsessão?

— Certamente. Podemos dizer que é um gênero específico de obsessão. Comumente encontramos três tipos de almas nos capítulos da obsessão: os nossos credores de outros tempos, os oportunistas que criam vínculos pela invigilância humana e os declarados adversários do bem.

— Em que caso se enquadram os agressores de Cesário?

— São adversários ferrenhos do Espiritismo, que procuram atormentá-­lo. É um caso típico de obsessão controlada.

— Obsessão controlada?!

— Nosso irmão apresenta o recurso a imunidade psíquica com o qual nos permite uma tarefa de parceria. Ele é usufrutuário de um contrato de assistência permanente em razão dos méritos a que se fez credor.

Enquanto Sérgio interrogava, os demais amigos mal continham sua ânsia de saber. Prenunciando a curiosidade de todos, o coração querido de Pedro Helvécio, que nos acompanhava a tarefa, dirigiu a palavra à nossa instrutora buscando sintetizar as questões:

— Dona Modesta, explique­-nos, por caridade, sobre aquele anel luminoso na cabeça de Cesário.

— Sim, Helvécio. É uma criação de almas superiores em favor da obra do bem que todos, pouco a pouco, estamos construindo na Terra. Chama-­se imunizador psíquico. Composto de material rarefeito, mas de alta potência irradiadora de ondas mentais de curta frequência, é um aparelho de defesa mental que concede ao médium melhores recursos no desempenho de sua missão.

Tomada de um impulso, Rosângela, outra integrante de nosso grupo, que serviu com louvor às fileiras do Protestantismo, indagou:

— Todos os médiuns carregam esse anel?

— Não, minha jovem. O imunizador psíquico é uma concessão da misericórdia. Fruto de um planejamento no tempo...

— O que fez Cesário para merecê­-lo? Será um "espírito santo" com elevada missão? Terá ele algum mandato diante de Deus?

— Cesário vem se dedicando à tarefa da educação de si mesmo como todos os tarefeiros da Nova Revelação. Não é portador de missões especiais nem dotado de grande elevação moral. Sua qualidade mais saliente, por enquanto, é a devoção persistente que apresenta, ininterruptamente, durante duas décadas no serviço mediúnico socorrista de almas perturbadas.

— Quer dizer, então, que após um período de serviços de vinte anos os médiuns podem receber semelhante graça?

— Compreendo sua terminologia, considerando sua formação evangélica, mas não se trata de graça, Rosângela, e sim de mérito, justiça e complacência divina. Nosso irmão perseverou durante esse tempo, mas além disso integrou o escasso grupo dos servidores doutrinários que apresentam uma rara qualidade.

— E qual é essa qualidade, Dona Modesta?

— Cooperativismo cristão. Apesar de suas vivências doutrinárias restringirem-­se a uma casa espírita, desde os seus primeiros passos nos projetos doutrinários tem se oferecido pelo bem de outras agremiações, desenvolvendo um estimável labor coletivo na seara. Graças a isso, tem chamado a atenção dos inimigos da causa, que procuram desanimá-­lo do ideal com sorrateiras armadilhas. Sua sincera disposição de melhoria espiritual é seu verdadeiro recurso imunizador, todavia, algumas almas superiores analisaram o pedido de sua amável mentora para que lhe fosse prestado esse benefício para alento e estímulo. 

Sérgio, mais uma vez, retornou com outra pergunta:

— Será sensato entender essa concessão como prêmio?

— Prêmio, meu filho, à luz do Evangelho, significa recurso para trabalhar mais, e nosso companheiro encarnado já entendeu isso. Ele tem claramente estabelecido para si mesmo a consciência da concessão da qual foi alvo e com que objetivos lhe foi outorgada. Tão logo foi implantado o “anel” em seu cérebro, ele passou a experimentar uma maior capacidade de domínio interior que suavizou as dores íntimas e ampliou-­lhe as percepções extrafísicas. Sua avaliação, entretanto, ao invés de convergir para uma ideia vaidosa de dotes morais adquiridos ou virtudes conquistadas, conduziu-­se para o que expressa as intenções nobres do Plano Superior em relação ao seu dever, ou seja, amparo para melhor servir. Dessa forma, em regime de parceria que amadurece a cada dia, temos condições de manter as obsessões de nosso irmão sob controle rigoroso e proveitoso.

— Perdoai­-me a infantilidade, Dona Modesta, mas não posso deixar de expor meu pensamento: não haverá aqui alguma parcialidade na ajuda a Cesário?

— Absolutamente, Sérgio, não existe. Não se sinta tão infantil por perguntar. É um raciocínio comum para quem veio da Terra há tão pouco tempo como você. Pediria ao nosso Helvécio que pudesse ler para nós aquele conhecido trecho de O Livro dos Médiuns, para esclarecimento de todos.

Compulsando a obra do codificador sem nenhuma dificuldade e como quem já esperava semelhante pedido de Dona Modesta, o nosso amigo destacou o item 268, questões 19 e 20, que dizem:

"Poderiam os Espíritos superiores impedir que os maus Espíritos tomassem falsos nomes? Certamente que o podem; porém, quanto piores são os Espíritos, mais obstinados se mostram e muitas vezes resistem a todas as injunções. Também é preciso saibais que há pessoas pelas quais os Espíritos superiores se interessam mais do que outras e, quando eles julgam conveniente, preservam-nas dos ataques da mentira. Contra essas pessoas os Espíritos enganadores nada podem".

"Qual o motivo de semelhante parcialidade? Não há parcialidade, há justiça. Os bons Espíritos se interessam pelos que usam criteriosamente da faculdade de discernir e trabalham seriamente por melhorar-­se. Dão a esses suas preferências e os secundam; pouco, porém, se incomodam com aqueles junto dos quais perdem o tempo em belas palavras".

Terminada a leitura, como se nada mais restasse a perguntar, nossa instrutora concluiu com orientações que somente poderiam vir de um coração tão generoso e experiente nas questões da mediunidade:

— O médium em questão não está isento de sua luta autoeducativa em razão dos anéis defensivos, e sempre tem sido lembrado sobre isso em suas incursões noturnas fora do corpo. Esse artefato de proteção é implantado no corpo sutil entre o cérebro e o corpo perispiritual, junto ao centro coronário, mediante uma verdadeira cirurgia que lembra um transplante... E, assim como nos transplantes orgânicos, pode haver a rejeição, igualmente no tema em foco, se nosso irmão não continuar se alimentado dos benefícios do sentimento da fé e do amor, sustendo das nobres realizações. Poderá ocorrer uma suspensão natural da imunização psíquica. Até agora, entretanto, Cesário vem demonstrando bom proveito relativamente ao alívio mental da sobrecarga de vibrações que lhe são desfechadas, utilizando-­se desse empréstimo para investir mais no trabalho do bem. Dia virá, porém, em que suas defesas naturais superarão os recursos defensivos do anel protetor, e ele não mais terá a mesma função. Nessa ocasião, como sempre acontece com outros medianeiros, dentre os poucos que se fazem credores desses tipos de amparo, sua benfeitoria, obviamente, lhe oferecerá outros créditos, sempre visando a expansão da luz de todos. Os recursos nesse sentido são infinitos como expressões do Amor do Pai.

Arrematando sua fala sempre sincera e bem humorada, Dona Modesta assim encerrou sua lição:

— Importante considerar que o anel propicia-­lhe proteção, inclusive em relação às bombas mentais dos encarnados que não lhe são tão simpáticos aos esforços no bem coletivo. E não imaginem que seja de fora das lides doutrinárias a origem dessas forças contrárias. Essa é uma questão que deveria merecer de todos os espíritas encarnados uma investigação mais séria, porque, pelo que temos constatado, as obsessões de homem para homem são mais comuns que imaginam nossos irmãos encarnados. E sem querer decepcionar a ninguém, sou obrigada a concluir que, mesmo clareados com a luz do Espiritismo, existe muito espírita obsidiando espírita... Quem sabe, além do gênero que já mencionai sobre as obsessões controladas, poderíamos classificar mais esse tipo no capítulo das interferências obsessivas, talvez com o título obsessão espírita!

1. Obra de amor no plano espiritual fundada por Eurípedes Barsanulfo.
2. Maria Modesto Cravo nasceu em Uberaba a 16 de abril de 1899 e desencarnou em Belo Horizonte a 8 de agosto de 1964. Uma das pioneiras do Espiritismo em Uberaba, atuou com devotamento junto ao Centro Espírita Uberabense e ao Lar Espírita. Médium de excelentes qualidades, trabalhadora incansável do amor ao próximo e mulher de muitas virtudes, Dona Modesta, como era conhecida, foi a fundadora do Sanatório Espírita de Uberaba, voltado para tratamento dos transtornos mentais, inaugurado em 31/12/1933 e em plena atividade até hoje. Foi nessa casa de amor que se tornou conhecido o valoroso companheiro Dr. Inácio Ferreira, médico psiquiatra e um dos baluartes do bem.