terça-feira, 16 de março de 2021

Kardec e a Unificação

Livro: LAÇOS DE AFETO
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

PRIMEIRA PARTE
A Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito

Capítulo 10

O ano de 1860 foi uma etapa de vitórias para os primórdios do movimento espírita nascente. Allan Kardec empreende um extraordinário circuito de viagens encetando um promissor labor de difusão e união entre os espíritas.

Para nossa meditação vale ressaltar, no denodo do Codificador, alguns fatos marcantes que deixaram verdadeiros lances de unificação espontânea na história do Espiritismo, sob os auspícios da fraternidade.

Após viagem cansativa é recebido em Broteaux, Lyon, por um casal simples e amorável e, naquele instante magnânimo de aperto de mãos, sela-se entre o Sr. Rivail - aristocrata de Yverdon - e aquele operário humilde um clima de concórdia e respeitabilidade que jamais se apagou na retina mental de ambos. Ali consagrou-se, no regime do mais puro amor, o primeiro encontro de dirigentes espíritas que consolidou laços de estima e duradoura fraternidade - alma das ideias espíritas.

Kardec, dignificado pelo trabalho na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, era credor de incondicional admiração entre todos os que lhe ciceroneavam os caminhos. Sua palavra confortadora era um misto de esclarecimento e alerta que extasiava as plateias com insofismável encanto, deixando os ouvintes com desejo incontido de lhe escutar ad eternum...

Após alguns anos desse episódio, vamos pinçar um novo quadro da extraordinária vida missionária do apóstolo na era nova. Em cena bucólica, narrada por Léon Denis na viagem Espírita de 1867, o mestre impressiona pela sua pureza e inocência, quando fora visto em cima de pequena mobília colhendo frutas e atirando-as à Madame Boudet (1). Nesse gesto singular, assinalamos essa epopeia de descontração para construir a imagem que deve compor os atos dos homens sérios e investidos de severos deveres espirituais, a fim de não perderem o contato com a sensibilidade dos atos de afeto e pureza com quem lhes priva a intimidade nos seus parcos minutos de folga, comprovando que as vivências íntimas, repletas de abundante sentimento, refletirão, igualmente, nos compromissos doutrinários, estabelecendo os pilares de uma união e interação consistentes e permanentes em favor da causa espírita nas relações humanas.

Essa proposta de uma unificação relacional concretizada em encontros efusivos de amor, que suprem quaisquer parâmetros de formalidade e rigor, é, sem dúvida, o alvo que precisamos perseguir nos dias atuais.

Se o Codificador, a pretexto de compor um sistema centralizador, deliberasse fazer da Sociedade Espírita Parisiense um pedestal de domínio e enclausuramento, com certeza os grupos com os quais correspondia não o aguardariam com a mesma expectativa que povoara seus dias de muita esperança nos colóquios e eventos realizados no Espiritismo nascente. No entanto, sua consciência de missão serviu-lhe de escudo e motivação, e ele foi, indubitavelmente, o primeiro esforço de unificação do Cristianismo renascente, reativando as viagens Paulinas dos tempos primeiros do Cristianismo, nas quais o Apóstolo dos Gentios serviu além muros de Jerusalém, fincando vigorosos núcleos de evangelismo.

Hoje somos convidados a implantar e resgatar esse aperto de mãos que “destrona” máscaras e faz entre os homens espíritas um elo de Espírito a Espírito, instaurando o esplendor da era do ecumenismo do afeto, cuja base é a fraternidade sentida e vivida, mesmo quando haja o entrechoque necessário e construtivo das ideias, garantindo que, sob a égide do respeito com as diferenças uns dos outros, nossas relações palmilharão cada vez mais pelas veredas dos melhores sentimentos de aliança, soma, coesão e irmandade.

O grande ideal que a todos deve nos irmanar é o testemunho de amar apesar de nossas diferenças!

De mãos dadas, mesmo que por caminhos divergentes no entendimento, prossigamos a laborar por dias melhores em favor da progressividade das ideias espíritas nas nossas Casas Doutrinárias, em favor da formação da era de paz plena com a fraternidade aplicada.

As mãos são símbolo vigoroso de união e trabalho, humanização e solidariedade. A esse respeito, assim se manifestou o senhor Allan Kardec:

“Homens da mais alta posição honram-me com sua visita, porém, nunca, por causa deles, um proletário ficou na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe se assenta ao lado do operário. Se se sentir humilhado, dir-lhe-ei simplesmente que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, eu os vi, muitas vezes, apertarem-se as mãos, fraternalmente, e, então, um pensamento me ocorria: “Espiritismo, eis um dos teus milagres; este é o prenúncio de muitos outros prodígios! (2)

1. Madame Boudet - Esposa de Allan Kardec
2. Viagem Espírita de 1862 - discurso 1

Nenhum comentário:

Postar um comentário