terça-feira, 30 de março de 2021

Relações Socioafetivas

Livro: LAÇOS DE AFETO
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

SEGUNDA PARTE
Caminhos do Amor na Convivência

Capítulo 2

“Já vimos de quanta importância é a uniformidade de sentimentos, para a obtenção de bons resultados.”

O Livro dos Médiuns - capítulo 29 - Item 335

As relações humanas estão intensamente marcadas pelos papéis sociais assumidos com finalidade de delimitar direitos e funções. Semelhante representatividade nos relacionamentos enseja o estabelecimento de “espaços”, disciplinando a ação humana ao melhor alcance de resultados na sociedade.

Por outro lado, em razão dos abusos morais, os papéis institucionalizados têm sido, muitas vezes, usados como chancela para acobertar erros clamorosos sob a conivência da aceitação social.

A família é um exemplo inconteste disso. Durante séculos delineou-se na sua estrutura antropológica as máscaras do pai-provedor, da mãe-reprodutora, do filho-herdeiro, estimulando em múltiplos núcleos domésticos a ganância e inconsequência no homem, a submissão e subserviência na mulher e a preguiça e a luxúria nos filhos.

O institucionalismo revela a presença de intrincados processos éticos nos grupamentos. Tomemos para análise a história das religiões na qual encontramos tais ocorrências em larga escala. O estabelecimento de uma relação entre o eu e o Divino foi construída sobre os alicerces frágeis do dogmatismo recheado de adoração exterior, criando a opressão do desamor na convivência social em nome da “filiação Divina”.

Os rótulos passaram a ser mais significativos que as expressões de afeto, insuflando a discriminação do sectarismo contra os que não absorviam os mesmos conceitos, sacramentados pelo poder de oficialização das forças religiosas dominantes. Nesse passo, a hierarquia e a soberba intelectual cristalizaram as diferenças entre o sagrado e o profano, instituindo padrões de exclusão e punição, deflagrando lamentáveis episódios nas sociedades terrenas dos últimos milênios.

Essa experiência enraizou-se no psiquismo humano que, ainda hoje, a despeito dos avanços culturais e tecnológicos, fazem do homem cibernético um “fantoche do religiosismo atávico” com altas doses de fé cega.

Somente com o advento das teorias sociais e psicológicas no início do século 20, o homem começou a desvendar com mais segurança e sensatez os elos entre ele e seu grupo e dele para consigo mesmo, permitindo assumir uma nova postura ante as interações sociais. Tal fato vem obrigando a religião a rever seu tradicional paradigma de relações com o Divino, deslocando-o para a tríade “eu, o próximo e Deus”, em contraposição ao modelo “eu e Deus”.

A identidade com Deus, com as Leis Naturais, tem como condição expressa esse processo de identificação do homem com seu próximo, através de um “construtivismo relacional” no qual irá, pouco a pouco, desenvolvendo as potencialidades Celestes no seu mundo íntimo e ensejando que seu meio, igualmente, possa fazer o mesmo.

Nesse cômputo histórico, verificamos que o Espiritismo há mais de um século preconiza, na Lei de Sociedade e na Lei de Amor, Justiça e Caridade, as bases para um processo social de pleno reconhecimento do próximo como sendo o “outro” diferente do eu, portador de inexauríveis recursos para promoção pessoal ante os apelos do aprendizado na escola da convivência, convergindo suas relações para uma harmonia com as Leis Divinas, redefinindo a adoração para o campo interior, no crescimento das potências ínsitas no ser e adotando a religião cósmica do Amor como “o caminho, a verdade e a vida”.

Durante longas eras da evolução asilamos “modelos mentais” embalados por crenças dogmáticas, mitos, convenções, que, hodiernamente, pesam sobre as interpretações doutrinárias na convivência de nosso movimento social espírita. Nesse ínterim, o institucionalismo como traço determinante no psiquismo tem se ampliado em alguns de nossos ambientes de simplicidade, estabelecendo relações sociais superficiais, distanciando as criaturas das relações plenificadoras. Tais relações institucionalizadas priorizam e privilegiam o domínio e o controle, ensejando a disputa em detrimento da amizade e do respeito. Dessa forma, mais uma vez, apesar da lucidez dos conhecimentos que somos depositários, submetemo-nos a papéis representativos, rótulos e cargos bem ao gosto do nosso milenar personalismo, em profundas crises de “artificialismo afetivo”.

Oportuno, portanto, que alinhavemos alguns dos possíveis reflexos da ausência de relações afetuosas nos grupos, a título de estudarmos, posteriormente, quais seriam as medidas preventivas ou remediadoras a serem encetadas, como segue:

- Maior possibilidade de criação e manutenção das máscaras emocionais que escondem uma pseudo-harmonia.

- Campo para condutas estereotipadas provenientes de interpretações destituídas de bom senso.

- Ausência de ambiente para o debate crítico e avaliação sincera.

- Ambiente favorável para a hipocrisia e o puritanismo.

- Adubo para melindres.

- Ensejo para a adoção de “gurus” nos dois planos da vida gerando a idolatria.

- Larga porta para a desmotivação com o trabalho em razão de uma convivência, na maioria das vezes, desgastante e sem o enriquecimento das trocas.

- Desvalorização das habilidades cooperativas.

- Ambiente psiquicamente desagradável devido às opressões guardadas em silêncio.

- Ausência do diálogo como instrumento construtor de amizade sólida.

- Clima de desconfiança.

Trabalhemos e invistamos o quanto possível na melhoria das condições das relações socioafetivas entre nós, que desfrutamos das bênçãos do Espiritismo, superando papéis e utilizando-os somente como fator disciplinador e organizador de nossos grupos de Amor. Estejamos acima dos direitos com os quais facilmente podemos nos iludir e fixemos a mente e o coração nos deveres infindáveis que os rótulos nos impõem.

A presença de pessoas afetuosas em nossas vidas nunca é esquecida, cria “marcas”, deixa lembranças para o futuro e é forte dose de estímulo ao idealismo superior no presente. Sobretudo, essas pessoas deixam saudades... E saudade é o sentimento de quem sente falta de alguém. Amigos verdadeiros deixam saudades...

A criação de relações afetivas enseja melhores condições para que a crítica, a competição, a dúvida e o diálogo se transformem em instrumentos construtores da paz e do equilíbrio grupal.

A criação de laços mais gratificantes e motivantes como a confiança, a simpatia, a amizade, a alegria, que geram o bem-estar para a convivência, são algumas das vantagens do afeto cristão nos relacionamentos. Alinhemos assim alguns outros reflexos dessas relações humanitárias:

- Enfoque centrado nos valores uns dos outros.

- Carinhosa indulgência com os limites e imperfeições no conjunto.

- Melhores chances de converter os conflitos em lições.

- Valorização e compartilhamento das ideias e movimentações no bem de uns pelos outros.

Allan Kardec na sua nobreza de caráter e grandeza de coração não era apenas um homem de finura e verniz social. A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas tinha-lhe como o “bom humor em pessoa”, pródigo de simpatia e afeto. Ele fazia-se verdadeira tocha de carinho e ternura a iluminar os relacionamentos entre todos, e sua presença era reverenciada como a de um pai zeloso e amigo que preenchia o vazio do coração de quantos fruíam sua companhia. Jamais impressionou-se com os papéis de sua missão e fazia sempre questão da cortesia acima de modos típicos e consagrados do povo francês àquele tempo.

Ele mesmo, com muita felicidade, talvez pressentindo os destinos sombrios que poderiam tomar o movimento social em torno do Espiritismo, declarou: “A bandeira que desfraldamos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário” (1), deixando entender que não bastaria o vínculo com a lição do Mestre sem a humanização dessas diretrizes na plenitude dos relacionamentos, o que seria repetir erros do religiosismo enquanto representatividade social, em desarmonia com a Verdade.

Finalizando, relembremos a saga sacrificial do Viajante do Cristo, Paulo de Tarso, que em eloquente estado de integração no amor, deixa-nos vitoriosa recomendação em favor de nossas vidas espíritas-cristãs: “Eu de muito boa vontade, me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado". (2)

1. O Livro dos Médiuns — Capítulo 29 — Item 350
 2. II Cor 12:15

terça-feira, 23 de março de 2021

Humanização na Seara Espírita

Livro: LAÇOS DE AFETO
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

SEGUNDA PARTE
Caminhos do Amor na Convivência

Capítulo 1

“A bandeira que desfraldamos bem alto é a do
Espiritismo cristão e humanitário (...)”

O Livro dos Médiuns — Capítulo 29, Item 350

Expositores inspirados, que sensibilizam mentes e corações, derrapam, impacientes e raivosos, em pequenos incidentes de imprudência no trânsito das vias públicas, cinco minutos depois de deixar a tribuna espírita.

Sorrisos, abraços festivos, alegria e afeto efusivos dos encontros doutrinários arrefecem-se, inesperada e incompreensivelmente, alguns poucos minutos depois, quando ficamos a sós com as mesmas pessoas antes entusiasmadas.

Lidadores valorosos embrenham-se no cipoal de suas “folhas de vivências” doutrinárias, alienando-se do contato salutar e espontâneo, aguardando dos outros o aceno de idolatria ou de cordialidade que todos lhe devem, segundo sua interpretação, ante o pedestal de experiências, enquanto, tal colaborador, muita vez, não encontra motivação para emitir um essencial “bom dia” ao deparar-se nos ambientes sociais com alguém de seu grupamento.

Pais distribuem alimentos e carinho aos sofredores sociais em magnífica pose de caridosos, no entanto, meia hora depois, no lar, são impotentes para beijar os seus próprios filhos com ternura. Tais atitudes que integram o cotidiano de muitos de nós, os espiritistas, merece uma avaliação oportuna.

Almas mais sensíveis, perante esse episódio de repentina transformação da postura afetiva, não conseguindo entender suas causas, atribuem à hipocrisia, incoerência e deseducação esse fenômeno comportamental.

Observa-se claramente, nos exemplos acima discriminados, uma lamentável defasagem entre a presença do obreiro espírita nos seus ambientes de espiritualização e suas lutas diuturnas além fronteiras do centro espírita.

Qual será a razão dessa alteração afetiva indesejável? Que tem faltado ao aprendiz espírita para transportar ao seu convívio social esses momentos de enlevo emocional desfrutados junto aos grêmios cristãos? Não estaríamos, ante tais circunstâncias, vivenciando um “afeto artificial” ou um “pseudoafeto” dentro dos ambientes doutrinários? O que nos leva a essas mudanças súbitas de estado emocional?

As leiras de relacionamento espírita ensejam melhores expressões do afeto em razão da ausência de fatores sociais coercitivos que distanciam os homens. Seu caráter voluntário e não proibitivo suscita a boa-vontade e a espontaneidade, levando as criaturas a sentirem-se bem aceitas na sua colaboração, criando um clima para relações agradáveis e benfazejas.

Todavia, essa não é a realidade da sociedade escravizada por relações de conveniência, nas quais o interesse pessoal e grupal definem seus códigos de comunicação, sua linguagem e sua práxis. Assim, fica o aprendiz espírita com largo e intransferível desafio íntimo de saber como transportar, para semelhantes quadros de suas experiências, as “boas novas” que vem fruindo no contato com as tarefas doutrinárias.

Quando elegemos a humanização na seara espírita não avocamos somente a proposição de sermos mais afetivos. Tratamos sim de uma releitura sobre o foco dos objetivos assinalados para desempenho junto aos grêmios espíritas cristãos.

Hoje destaca-se o centro espírita como escola de Espiritismo, quando o futuro acena para que ele se promova à condição de escola do Espírito.

Tais terminologias podem aparentemente significar a mesma coisa, no entanto, existe uma ontologia, uma razão de ser em tais perspectivas que define posturas e propostas bem diversas. Como escola de Espiritismo, em muitos casos, os conteúdos doutrinários são mais valorizados que o homem, enquanto o foco na escola do Espírito converge as finalidades da agremiação para o “ser”, ou seja, sobre a complexidade existencial da criatura, suas necessidades, seus valores, suas habilidades.

Precisamos promover a casa espírita de mera escola de estudos sistematizados e planejados para um centro de convivência e treinamento para desenvolvimento dos traços morais da regeneração.

Ensinar Espiritismo sem auxiliar o Espírito a tornar-se um ser integral pode apenas significar transmissão de conteúdos, informação, conhecimento. Para isso, os ambientes de Amor e estudo espíritas haverão de transformar-se pelo jejum da indiferença e pela oração do afeto vivido. A pedagogia do afeto na educação do Espírito tem regime de urgência. Ampliemos o raio de influência do Espiritismo em nós, dilatando suas concepções para além do cérebro, atingindo o sagrado templo do coração. Espiritismo na inteligência é informação; Espiritismo no sentimento é transformação.

Quando falamos em humanização, referimo-nos à contextualização, que é oferecer aos profitentes espíritas os instrumentos para que possam fazer dessa informação espírita a sua transformação espiritual. Conhecimento no cérebro quando é contextualizado tem o nome de saber. E saber, em outras palavras, quer dizer aprender as respostas e os caminhos para desenvolver seus potenciais humanos na edificação da felicidade própria e daqueles que nos rodeiam. O saber é o conhecimento intelectivo que foi absorvido pelo coração.

Contextualizar, portanto, é humanizar a seara. Para contextualizar oferecendo condições aos nossos irmãos de obterem sua paz e suas “respostas Divinas”, precisamos rever esse foco da missão do centro espírita, evitando que se torne um lugar de “bancos frios” nos quais assentem “alunos” com largos cabedais intelectuais sobre a novel doutrina, mas com franca inabilidade para se amarem e transportarem esse Amor ao mundo social em que estagiam.

Contextualizar é descobrir horizontes, respostas, caminhos. É construir o saber espírita através do autoconhecimento, descerrando para si mesmo os enigmas da existência.

Podemos questionar qual utilidade terá para nós o aprofundamento nas encantadoras temáticas espíritas se, muitas vezes, em nada ou quase nada tais temáticas estão auxiliando-nos a sermos homens e mulheres de bem, escondendo a vida afetiva onde pulsamos com a nossa mais profunda realidade!

Preparados desde o berço para o sucesso material, raras vezes recebemos “aulas” sobre o Amor. Fomos treinados socialmente para esconder os sentimentos, camuflar as emoções. A educação afetiva, portanto, é o grande desafio no capítulo da transformação interior do “ser”. Ocorre, em verdade, que os seres humanos não estão preparados para serem “humanos”.

O século 21 será o tempo das habilidades pessoais, dilatando os valores humanos em contraposição ao século 20, que foi o período das habilidades técnicas e mecanicistas. Sigamos os rumos apresentados pela UNESCO (1), que estabeleceu os quatro pilares da educação para o século 21 em aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a conhecer, e empreendamos uma nova era para nossas casas de amor definindo-as como lar espiritual para formação da família universal.

Uma nova e promissora vereda desponta-se na vida daqueles que fruem o ambiente do centro espírita. Na casa de Jesus e Kardec o Amor é lição primeira, e as relações abrem-se para o afeto. Não estando regulado por rígidas hierarquias, nem sob a tutela do frio institucionalismo, a casa espírita apresenta-se como escola social das relações sinceras e duradouras, verdadeiro núcleo de treinamento da convivência regenerativa. Nossa grande meta é o desenvolvimento da afabilidade e doçura nos corações, empreendendo uma campanha promissora por novas vivências nas agremiações espíritas, ricas de humanismo, nas quais acima de quaisquer fatores coloque-se sempre o homem em primeiro plano.

O amor, enquanto sentimento sublime, não carece aprendizado, está ínsito e abundante na alma humana. O mesmo não ocorre com a atitude amorosa, que torna imprescindível o estudo e o hábito. Saber externar esse sentimento dignificante na convivência exige equilíbrio, autoconhecimento, esforço reeducativo das tendências, desejo de melhorar-se e um ambiente que estimule a busca de semelhantes conquistas. E qual ambiente oferece tanto quanto os centros doutrinários? Qual grupamento instiga tanto a melhoria pessoal e íntima quanto as agremiações dirigidas sob as diretrizes de Jesus e Kardec?

Obviamente, quando proclamamos a necessidade de uma campanha por humanização nas leiras de serviço espírita-cristão é, tão somente, no sentido de um maior denodo em investimentos e iniciativas que ofereçam a seus profitentes melhores condições de entendimento e convivência em favor de uma fixação definitiva do caráter humanitário, já latente nos núcleos de tarefa.

Falta-nos empenhar com maior ostensividade e consciência no trabalho de arregimentação de relacionamentos de maior profundidade afetiva pela saúde de nosso conviver.

As organizações e suas tarefas não têm vida própria. Elas são aquilo que dela fazem seus integrantes. Razão pela qual a permuta relacional é a essência das instituições nas quais fazem parte todos os valores e limites do ser humano. Não é assim razoável desconsiderar ou mesmo tratar com indiferença a vida emocional desse intercâmbio, a fim de não alimentarmos ainda mais a ação mecânica e destituída de afeto e estímulo, consumindo os ideais superiores de muitos corações que ingressam nas fileiras de labor, sem permitir que o “encanto do Amor” e a alegria da amizade faça parte desse concerto de espiritualidade e crescimento pessoal.

Empenhemo-nos em estabelecer estudos, cursos, técnicas, jogos educativos e reciclagens contínuas junto aos grupos que dirigimos, objetivando mais humanização e menos institucionalização.

Igualmente, no campo individual, cada qual reconheça que humanizar é dar de si e não apenas aguardar as atenções alheias, guardando elevadas expectativas para com os outros.

Enquanto dirigentes, invistamos na melhoria das condições da vida interpessoal do grupo, elaborando programas saudáveis de convívio familiar e dilatemos os conhecimentos dos tarefeiros sobre a vida de relações, tratando temáticas específicas e adequadas às necessidades e demandas apresentadas na rotina das atividades.

Enquanto partícipes das sociedades doutrinárias, busquemos construir esse espaço de renovação para cada um de nós, oferecendo nossa cordialidade, ternura, atenção e carinho para os companheiros, enriquecendo os relacionamentos afins e dilatando as possibilidades de crescimento junto aos menos afins.

Um programa permanente, do individual ao coletivo, trará frutos auspiciosos tornando motivante a convivência. Esse é o piso elementar para que as responsabilidades assumidas no trabalho obtenham um melhor resultado e desempenho das capacidades e talentos individuais, reforçando o centro espírita à condição de ambiente cristão, mas acrescido da garantia insubstituível que faz do Cristianismo algo essencialmente celeste e universal: seu caráter humanitário, único capaz de promover o progresso dos homens em razão de preparar seu profitente para ser uma “carta viva” da paz e do amor, em plena sociedade de homens atormentados.

1. Relatório Jacques Delors

terça-feira, 16 de março de 2021

Kardec e a Unificação

Livro: LAÇOS DE AFETO
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

PRIMEIRA PARTE
A Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito

Capítulo 10

O ano de 1860 foi uma etapa de vitórias para os primórdios do movimento espírita nascente. Allan Kardec empreende um extraordinário circuito de viagens encetando um promissor labor de difusão e união entre os espíritas.

Para nossa meditação vale ressaltar, no denodo do Codificador, alguns fatos marcantes que deixaram verdadeiros lances de unificação espontânea na história do Espiritismo, sob os auspícios da fraternidade.

Após viagem cansativa é recebido em Broteaux, Lyon, por um casal simples e amorável e, naquele instante magnânimo de aperto de mãos, sela-se entre o Sr. Rivail - aristocrata de Yverdon - e aquele operário humilde um clima de concórdia e respeitabilidade que jamais se apagou na retina mental de ambos. Ali consagrou-se, no regime do mais puro amor, o primeiro encontro de dirigentes espíritas que consolidou laços de estima e duradoura fraternidade - alma das ideias espíritas.

Kardec, dignificado pelo trabalho na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, era credor de incondicional admiração entre todos os que lhe ciceroneavam os caminhos. Sua palavra confortadora era um misto de esclarecimento e alerta que extasiava as plateias com insofismável encanto, deixando os ouvintes com desejo incontido de lhe escutar ad eternum...

Após alguns anos desse episódio, vamos pinçar um novo quadro da extraordinária vida missionária do apóstolo na era nova. Em cena bucólica, narrada por Léon Denis na viagem Espírita de 1867, o mestre impressiona pela sua pureza e inocência, quando fora visto em cima de pequena mobília colhendo frutas e atirando-as à Madame Boudet (1). Nesse gesto singular, assinalamos essa epopeia de descontração para construir a imagem que deve compor os atos dos homens sérios e investidos de severos deveres espirituais, a fim de não perderem o contato com a sensibilidade dos atos de afeto e pureza com quem lhes priva a intimidade nos seus parcos minutos de folga, comprovando que as vivências íntimas, repletas de abundante sentimento, refletirão, igualmente, nos compromissos doutrinários, estabelecendo os pilares de uma união e interação consistentes e permanentes em favor da causa espírita nas relações humanas.

Essa proposta de uma unificação relacional concretizada em encontros efusivos de amor, que suprem quaisquer parâmetros de formalidade e rigor, é, sem dúvida, o alvo que precisamos perseguir nos dias atuais.

Se o Codificador, a pretexto de compor um sistema centralizador, deliberasse fazer da Sociedade Espírita Parisiense um pedestal de domínio e enclausuramento, com certeza os grupos com os quais correspondia não o aguardariam com a mesma expectativa que povoara seus dias de muita esperança nos colóquios e eventos realizados no Espiritismo nascente. No entanto, sua consciência de missão serviu-lhe de escudo e motivação, e ele foi, indubitavelmente, o primeiro esforço de unificação do Cristianismo renascente, reativando as viagens Paulinas dos tempos primeiros do Cristianismo, nas quais o Apóstolo dos Gentios serviu além muros de Jerusalém, fincando vigorosos núcleos de evangelismo.

Hoje somos convidados a implantar e resgatar esse aperto de mãos que “destrona” máscaras e faz entre os homens espíritas um elo de Espírito a Espírito, instaurando o esplendor da era do ecumenismo do afeto, cuja base é a fraternidade sentida e vivida, mesmo quando haja o entrechoque necessário e construtivo das ideias, garantindo que, sob a égide do respeito com as diferenças uns dos outros, nossas relações palmilharão cada vez mais pelas veredas dos melhores sentimentos de aliança, soma, coesão e irmandade.

O grande ideal que a todos deve nos irmanar é o testemunho de amar apesar de nossas diferenças!

De mãos dadas, mesmo que por caminhos divergentes no entendimento, prossigamos a laborar por dias melhores em favor da progressividade das ideias espíritas nas nossas Casas Doutrinárias, em favor da formação da era de paz plena com a fraternidade aplicada.

As mãos são símbolo vigoroso de união e trabalho, humanização e solidariedade. A esse respeito, assim se manifestou o senhor Allan Kardec:

“Homens da mais alta posição honram-me com sua visita, porém, nunca, por causa deles, um proletário ficou na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe se assenta ao lado do operário. Se se sentir humilhado, dir-lhe-ei simplesmente que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, eu os vi, muitas vezes, apertarem-se as mãos, fraternalmente, e, então, um pensamento me ocorria: “Espiritismo, eis um dos teus milagres; este é o prenúncio de muitos outros prodígios! (2)

1. Madame Boudet - Esposa de Allan Kardec
2. Viagem Espírita de 1862 - discurso 1

sábado, 6 de março de 2021

Centro Espírita e Afeto

Livro: LAÇOS DE AFETO
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

PRIMEIRA PARTE
A Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito

Capítulo 9

“Findando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal, bem difícil parece extirpá-lo inteiramente do coração humano. Chegar-se-á a consegui-lo?”

“À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que o entretêm e excitam. Isso depende da educação.”

O Livro dos Espíritos - Questão 914

O afeto, entendido como nutrição espiritual insubstituível e essencial, sempre será preventivo e profilático em todas as fases da vida. Entretanto, para o amadurecimento integral do ser, inicia-se uma etapa de vivência em que a vida exigirá maior soma de doação em contraposição às contínuas expectativas de ser amado.

O centro espírita, nesse ínterim, pode oportunizar a valorosa e preenchedora experiência do Amor auxiliando o homem na reeducação de suas tendências, no conhecimento de si, no exercício da solidariedade material e relacional e na supressão do personalismo, que permitirá o potencial afetivo dirigido a realizações nobres e gratificantes.

Caridade! O melhor exercício para a sensibilidade.

Atividades cooperativas e solidárias realizadas em ambiente de bem-estar moral e espiritual serão fortes estímulos à força “pulsional” do coração, muitas vezes aprisionada pelas traumáticas lições socioafetivas da presente existência, nas quais o autoritarismo e o medo foram os instrumentos pedagógicos limitantes, provocando relações artificiais sob a constrição das “tiranias do coração”, em larga escala adquiridas na infância.

Na casa espírita devemos encontrar esse espaço para “ser”, já que a sociedade, em função do “ter”, vem bloqueando os valores pessoais e as potências da alma. Será que já imaginamos o centro espírita como uma “praça” de convivência ou um núcleo formador da família espiritual pelos vínculos do coração?

Precisamos dar encanto ao ambiente espírita, reinventar sua proficiência.

Reflitamos na fala do Espírito Verdade acima. “Preciso é reformar as instituições que entretêm o egoísmo”.

Grupos sadios não devem ser conduzidos como um ‘todo uniforme”, passivamente e regidos por diretrizes somente aprovadas pelos seus líderes, guardando semelhança com as envelhecidas estruturas religiosas.

A pedagogia do afeto é abertura para a riqueza dos sentidos individuais sem o personalismo dos desejos superiores, dos sonhos de crescimento moral, através dos quais o processo educativo será mais efetivo. A própria construção do saber espírita está fortemente vinculada às idiossincrasias, à diversidade interpretativa, com as quais enxergamos novos ângulos e exploramos com mais profundidade as temáticas de estudo.

Precisamos assumir para nós as responsabilidades da hora, e declarar com transparência e respeito quais são as emergências em nossas realizações espirituais.

É incoerente a realidade atual que envolve a casa doutrinária! Tanta profundidade filosófica em favor das carências humanas, verdadeiro celeiro de recursos para o “ser” integral e, no entanto, com uma estrutura deficiente no que tange a dar suporte e assessoria a seus componentes, quando o assunto é a vida interior e os esforços na luta autoeducativa.

Enquanto isso o trabalhador sofre dores psicológicas e emocionais sem revelar, ou sem essa chance de as revelar. Face a essa carência de respostas e horizontes, quando não se alcança o mínimo para prosseguir, penetra no desestímulo e o abandono dos ideais.

Além disso, frequentemente, busca-se enquadrar as dificuldades humanas nos domínios da obsessão e de anteriores existências, alimentando imaginações férteis em mentes menos maduras, gerando um fanatismo sutil e incentivador de atavismos, negando o presente e deslocando a realidade para o passado e a vida espiritual.

Para agravar ainda mais, em núcleos diversos, instala-se um sistema de vigília da conduta alheia premiando as cobranças e atiçando os melindres em quase completo descaso com as limitações e fragilidades alheias. Impera o egoísmo.

O resultado final de tudo isso é a perda dos frutos do Espiritismo no autoconhecimento, no fracasso dos relacionamentos nos grupos de atividade, a repressão da sombra interior e o quase estacionamento no crescimento pessoal.

 Não vivamos de lamentações e labutemos para mudar esse panorama existente em expressiva parcela de nossa seara.

Como o centro espírita pode ajudar no fortalecimento de laços de amor entre seus integrantes? Como pode auxiliar na dilatação da sensibilidade?

Vejamos alguns pontos que desenvolveremos no transcorrer de Laços de Afeto que constituem indicadores de qualidade das equipes doutrinárias:

- Motivar o espírito de equipe.

- Valorizar a capacidade cooperativa de qualquer pessoa.

- Promover através da delegação, criando o policentrismo sistêmico.

- Investir na capacitação do trabalhador como pessoa e ser social.

- Ensejar realizações específicas para a revitalização do afeto no grupo.

Valorosa será a contribuição da casa doutrinária que facilitar a seus participantes a reflexão, a instrução e os relacionamentos responsáveis, auxiliando o homem atordoado e infeliz da atualidade a assumir um compromisso consciente com a melhora de si mesmo através da reeducação dos sentimentos. A proposta da transformação íntima encontra nesse quesito do coração o seu ponto essencial para as mudanças de profundidade, já que o motivo causador da atual condição espiritual desse homem atordoado deve-se, acima de tudo, aos desvios afetivos de outrora, que sedimentaram reações emocionais destoantes com o sentimento de Amor autêntico, fonte de saúde e vitalidade para “ser”.