quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Solidariedade aos Tarefeiros Espíritas

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 34

"Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?"
"Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas."

O Livro dos Espíritos - Questão 886

Precisamos rever nossos atos solidários para com o trabalhador espírita. Necessitamos repensar planos de serviço e priorizar o trabalhador para que o trabalho frutifique com mais abundância e utilidade geral.

Nossa referência não diz respeito, tão somente, a capacitá-lo para as responsabilidades doutrinárias, e sim em instrumentalizá-lo de condições emocionais para a vida. O endosso de nossa tese encontramo-lo na profunda solidão e amargura que têm carpido muitos servidores, que a despeito de estarem "prontos" para a tarefa, não se encontram preparados para viverem em paz.

O ponto de análise está na sutilidade da relação entre estar pronto para ajudar e estar pronto a se ajudar.

Convencionou-se em nossas fileiras doutrinárias o amor ao próximo como sadio programa de vida e equilíbrio. Uma ideia correta, mas não completa.

A plataforma de amor dentro da ética universal, exarada pelo guia e modelo da humanidade, inclui também o amor a Deus e a si.

Quem se ama descobre os caminhos da autêntica liberdade.

Faz-se luz e amor a outros, contudo, todo espírita sincero deve indagar de si mesmo, frequentemente, se está adquirindo sua própria luz como conquista inalienável.

O decantado encontro consigo mesmo, muita vez, é penoso, sacrificial.

O mau entendimento dessa questão moral tem ocasionado uma campanha intensa pelos exercícios de caridade organizada e distraído o espírito de resgatar-se a si próprio.

Ama-se muito o próximo, sem aprender a amar-se.

Sem generalizações, e muito menos desvalorizando as iniciativas assistenciais de nosso movimento, quase sempre essas tarefas constituem campos de treinamento do hábito de amar e da sensibilização do afeto para com o outro, sem apontar caminhos para como estabelecer o autoencontro, o amor a si.

Os centros espíritas devem se empenhar na tarefa de ensinar a debater temáticas sobre a realidade íntima do ser, desdobrando-se em iniciativas preparatórias para que os servidores possam auferir mais amplas possibilidades em favor do próximo, mas, igualmente, de si mesmos.

A análise do Espírito Verdade sobre a caridade não deixa dúvidas. Benevolência, indulgência e perdão são movimentos íntimos da alma, caminhos da caridade para com o outro, mas acima de tudo é luz que se acende no coração e com a qual devemos iluminar o próprio destino.

Por isso, convém reunirmos os grupos doutrinários em eventos de debate e lançar a intrigante questão:

Por que expressiva parcela dos trabalhadores espíritas está gerando tanta luz para os outros e não a consegue reter em si mesmos?


quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Espiritismo Por Dentro

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 33

"A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura, que lhe são as formas de manifestar-­se. Entretanto, nem sempre há que fiar nas aparências. A educação e a frequentação do mundo podem dar ao homem o verniz dessas qualidades. Quantos há cuja fingida bonomia não passa de máscara para o exterior, de uma roupagem cujo talhe primoroso dissimula as deformidades interiores! O mundo está cheio dessas criaturas que têm nos lábios o sorriso e no coração o veneno; que são brandas, desde que nada as agaste, mas que mordem à menor contrariedade; cuja língua, de ouro quando falam pela frente, se muda em dardo peçonhento, quando estão por detrás." Lázaro (Paris, 1861)

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 9 - Item 6

O casal Andrade e seus filhos eram integrantes ativos da organização doutrinária que patrocinava um grande evento espírita naquela pequena cidade. O explanador da ocasião havia sido recebido naquele lar com muita gentileza por parte de seus anfitriões. Durante o almoço, o marido esmerava-se em gestos e posturas de cordialidade buscando atender convenientemente o visitante, no entanto, sua esposa mantinha-se taciturna, com um olhar de revolta.

O orador, porque era médium de faculdades educadas, aguçou suas antenas psíquicas na verificação do que passava com Dona Anastácia, captando intensa dor e tristeza nos sentimentos da sua anfitriã.

O evento realizou-se durante a tarde e parte da noite. No retorno ao lar, novamente a cena instalava-se à hora do repasto noturno, sendo que desta feita a esposa conturbada sai aos prantos da mesa, em crise inesperada. O palestrante, preocupado com o ocorrido, indaga ao esposo se algo poderia fazer e recebe queixas e deboches insensíveis do marido. Resolve então por solicitar um diálogo com Anastácia e ela, sem pestanejar, desabafou dizendo: "eu gostaria que meu marido tratasse-me com um centésimo da finura com a qual ele tem tratado o senhor como nosso visitante!"

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"Espiritismo de aparências". "Espiritismo de superfície".

A assimilação das propostas éticas da doutrina seguem uma sequência natural e paulatina de maturidade. Primeiro atinge as ideias, posteriormente penetra os sentimentos e, por fim, renova as atitudes. Evidentemente, não será possível estipular uma separação perceptível entre essas etapas, porque elas se complementam e interagem sem que haja uma nitidez sobre seus efeitos.

Na pequena historieta acima nota-se que o esposo de Dona Anastácia apresentava uma fachada para os que são de fora do lar, mas na intimidade era um homem rude com sua companheira. Durante um estágio do processo de renovação espiritual, essa conduta, inevitavelmente, fará parte do contexto do aperfeiçoamento. O incômodo decorrente dessa situação levará o aprendiz da espiritualização a buscar uma coerência entre suas forças interiores na aquisição de sua própria paz. Todavia, se o aprendiz não se devotar o suficiente poderá permanecer demasiadamente no "Espiritismo de adorno"...

Pensamento, sentimento e ação são vivências que a princípio se contrapõem nessa escala do crescimento moral. Pensa-se algo, sente-se diversamente e age-se em dissonância com ambos. Uma desarmonia existe entre as três potências da alma. O esclarecimento espírita atinge o campo do pensar permitindo que a reflexão conduza o homem a novas formas de entendimento e avaliação de sua existência, no entanto, a transformação do sentir e os cuidados com as atitudes são os verdadeiros indicadores de que essa informação intelectiva está sofrendo uma metamorfose na intimidade, através do acionamento da vontade e do esforço na mudança de hábitos e reações perante os fatos da vida.

Espíritas que se aplicam na reforma interior não são identificados por suas ações no campo das aparências, que podem não passar de verniz ou máscara para dissimular suas imperfeições e impressionar com qualidades que não adquiriu, mas são reconhecidos por suas reações aos testes de cada hora onde estiver. A forma de reagir a uma ofensa, a uma perda, a uma traição aferem a qualidade das mudanças que realmente temos operado no sentimento e se temos o Espiritismo de aparências ou por dentro. Como diz Lázaro: "(...) são brandas, desde que não as agaste, mas que mordem a menor contrariedade," isso é uma reação.

As poses religiosas sempre fizeram parte das atitudes humanas no intuito de convencer o outro daquilo que não convencemos a nós próprios. Essa atitude é reflexo do orgulho em querer parecer o que ainda não somos para fruir das sensações de que estamos sendo admirados e prezados pelos outros. Além de orgulho, também é escassez de auto-estima, é a mendicância da consideração alheia apresentando "falsos dotes" para chamar a tenção e conquistar o apreço. Genuflexões, voz mansa, abraços calorosos, sorrisos de alegria são bons modos que podem, algumas vezes, esconder propósitos falsos ou interesses escusos de prestígio.

Essa "santidade de superfície" pode ser considerada natural nos primeiros tempos do contato com as Revelações Novas na vida da criatura até que ela se ajuste a uma conduta que melhor expresse a sua realidade. Mas para aqueles que passam os anos detendo-se nesses "chavões de puritanismo", podem estar sofrendo de "negação psicológica", ou seja, a manutenção de algum mecanismo de defesa que impeça de analisar-se com sinceridade e construir a auto-aceitação. O orgulho, como doença da alma, é habilidoso o bastante para gerar uma "capa de ofuscamento" das nossas imperfeições e criar uma "miragem encantadora", com virtudes que ainda não desenvolvemos, nas quais ele nos faz acreditar. Até certo ponto é uma forma natural de se proteger da angústia e da aflição provocadas pelo autoconhecimento que produz o esclarecimento espírita, angústia decorrente do contato com a nossa inferioridade. É muito doloroso reconhecer nossa verdadeira condição espiritual...

Aprender a ser nós mesmos, aprender a conviver pacificamente com nossos conflitos, aprender a dividir as nossas angústias com alguém na busca de caminhos, aprender a lidar com autenticidade, essas são algumas das lições do Espiritismo por dentro.

Ardilosos adversários espirituais da nossa causa têm explorado habilmente a fragilidade do "psiquismo místico" de várias criaturas que aderiram aos princípios renovadores da imortalidade. Não conseguindo desanimá-las da frequência às atividades, optam então por incentivaras celeumas e atenções de amigos queridos com assuntos de exterioridade, insuflando sofismas de toda espécie que formam crenças e crentes em assuntos de menor importância para nossas fileiras, dilatando o grupo daqueles que se tornam oponentes em discussões estéreis que perturbam o clima vibratório dos ambientes. Além disso, é dessas discussões estéreis e precipitadas que costumam surgir as teses que fortalecem o institucionalismo nas práticas e conceitos doutrinários, através do rigorismo que enaltece a pureza por fora, mas que não cogita da pureza por dentro, nos recessos do coração.

Na lista dos temas preferidos estão as fórmulas de desenvolvimento das práticas doutrinárias, distraindo-se com opiniões personalistas e que pouco acrescem ao bem das realizações das quais fazem parte. Enquanto se discute sobre questões de fora, esquece-se das questões íntimas, que são mais difíceis de serem tratadas e pensadas quando em um grupo de trabalho. Usa-se ou não luzes coloridas, come-se ou não a carne, bebe-se ou não os alcoólicos, dá-se ou não o passe com olhos fechados, coloca-se ou não uma placa com o nome do centro na via pública, lê-se ou não a obra de tal autor não considerado espírita, coloca-se ou não as garrafas destampadas para fluidificar a água, permite-se ou não a incorporação mediúnica, ora-se ou não de olhos abertos. A lista não para, é interminável.

Outras vezes, a sutil interferência obsessiva opera-se na velha tradição ético-religiosa de estipular padrões de conduta na forma: "espírita faz isso e não pode fazer aquilo". Assuntos, todos eles, que podem até ser interessantes discutir, mas que têm provocado um movimento de inutilidade e obsessão em razão da forma infantil como são tratados, dando-lhes exagerada importância e priorizando o exterior em detrimento da essência - um reflexo natural dos mecanismos de defesa, com os quais grande maioria dos homens encarnados lidam na atualidade.

Seria mais interessante, embora penoso, discutir o que faremos para perdoar um inimigo, como vencer um hábito sexual, como vencer impulsos menos dignos para com alguém, como ser uma criatura agradável onde vivemos, porque nos defendemos com uma determinada forma de agir, qual a razão de nos irritarmos perante um fato específico, qual a origem de certas fantasias que nos acompanham compulsivamente, porque determinada tarefa é trabalhosa para nós, onde as causas da preguiça para estudar, como se sentir motivado para a leitura edificante, o que podemos fazer para ajudar alguém que todos querem excluir, qual a causa dos pensamentos de vingança que costumam surgir na nossa tela mental, quais os traumas da infância que ainda nos influenciam na adultidade, o motivo da atração ou rejeição por uma pessoa em particular... São muitas perguntas e incursões das quais, costumeiramente, afastamo-nos. Nisso reside os embriões para a instauração do Espiritismo por dentro!

Deixemos claro a esse respeito que não foram os ritos de fé e nem o sacramentos nas ideais que desviaram a sublime missão da mensagem da Boa Nova, e sim o sentimentos com os quais os homens se trataram mutuamente perante o entendimento de tais caminhos, nas trilhas sombrias da fé exterior. Se os costumes e posturas humanas tivessem sido burilados no caráter nobre e na ação correta criando relações de amor, mesmo com castiçais e velas, missas e igrejismo, conduziríamos a fé aos patamares da maturidade e da elevação espiritual. Contudo, todos os paramentos e sistemas da "eclésia" constituíram graves problemas para a humanidade, porque atrás dos regimes religiosos havia acendrado orgulho sustentando a sede do homem pela supremacia da verdade, assim como hoje existem muitos espíritas repetindo essa malfadada lição...

Sem temor algum, concluímos que ritos e poses em momento algum são os problemas que pesam sobre o futuro espiritual que espera os homens espíritas, mas, acima de tudo, a luz que não souberam ou não quiseram dilatar nos reinos do coração, perante os luminosos raios da Verdade entregues gratuitamente a todos os adeptos, nos seus caminhos de cada dia.


terça-feira, 8 de setembro de 2020

Vencendo o Personalismo

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 32

Admirai, no entanto, a bondade de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento. Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés. As provas rudes, ouvi-­me bem, são quase sempre indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando aceitas com o pensamento em Deus.

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 14 - Item 9


Espíritos saindo primarismo para conquistas medianas, nossa principal qualidade é a disposição de mudança na melhoria íntima, já que nos arrependemos sinceramente do mal. Iniciamos, a exemplo do filho pródigo do Evangelho (1), a nossa viagem de volta à Casa Paterna buscando aconchego e a dulcificação do amor.

Essa volta, porém, exigir-nos-á o preço da reeducação, a começar pelo personalismo que se solidifica na intimidade como um dos pilares de nossas imperfeições.

Podemos entender o personalismo como sendo o apego com tudo que parte de nós. Esse apego é fator sinalizador de gratificação afetiva escassa conosco mesmo, insuficiência de auto-amor. Quando nos amamos verdadeiramente não há motivo para a atitude personalista, porque nos realizamos com o ato de ser sem aguardar compensação, aplauso e possessividade.

Seu traço mais comum é a paixão crônica com o eu manifestada de formas variadas, algumas delas são: irredutibilidade velada ou clara, vaidade intelectual, dificuldade de conviver pacificamente com a diversidade humana, manipulação interpretativa de conceitos, autoritarismo nas decisões, boicote na cooperação a projetos que partam de outras cabeças, agastamento ante as cobranças e correções, sistemática competição para produzir além dos outros e da capacidade pessoal, coleção de animosidades, excessiva valorização que conferimos a nós mesmos, "amor" próprio, apego às nossas obras, superlativa fixação dos valores que possuímos ou acreditamos possuir, pretensões de destaque e vício de ser elogiado.

Suas causas podem ser encontradas nas história remota da evolução, quando tivemos no instinto de conservação um importante fator de fixação e agregação de valores morais consolidando a consciência de si. A conservação como fonte de defesa e automatização da consciência de si tornou-se egoísmo, uma exageração dessa necessidade natural, na qual nos encontramos até hoje.

Na infância encontramos outras tantas razões muito bem abordadas por Sigmund Freud na questão da personalidade egocêntrica, cujo processo de amadurecimento psíquico é mal conduzido, ensejando carências afetivas profundas que irão refletir no homem adulto como insegurança e fantasias narcisistas.

Em torno de seus passos sempre se encontram a fama, o autoritarismo, a vaidade, o desejo de realce, a inveja: "súditos do império do eu".

Tendo subtraída a empatia, o personalista é alguém que não sabe dialogar, dividir, intercambiar. Não sabendo interagir com o outro, entender-lhe os motivos e necessidades, está sempre com uma "receita de viver" nos lábios, impedindo-se da mais nobre ação íntima da caridade que é o ato de compartilhar vivências com o ser alheio.

Como seu dinamismo é a centralização no "eu", a reeducação dessa tendência está em aprender a ouvir o outro. O ato de ouvir não se restringe a escutar palavras. Ouvir é o estado de plena receptividade para o outro, independentemente de quem seja.

Essa conquista será um exercício doloroso para o personalista. Exigirá desprendimento, humildade, assertividade, falar menos e meditar mais. Ouvir significa cultivar sensibilidade para com aqueles que nos rodeiam; sensibilidade que nos permita sempre um foco positivo do próximo entendendo-lhe as razões, ainda que esteja em equívoco, abrindo-se para ser-lhe útil, desarmado de pré-conceitos. Ouvir é aprender a receber críticas e admoestações até daqueles que nos parecem despreparados para fazê-las, habituando-se a indagar a real utilidade e importância das ideias pessoais. Ouvir é alteridade, respeito às singularidades de cada um. A partir daí se aprende a construir uma relação altruísta, pacífica e saudável com as diferenças e os diferentes, nas experiências de todo instante.

A vitória sobre o personalismo, portanto, está em sair de si acolhendo o outro diferente do eu com interesse altruísta e fraterno, aprendendo a "esvaziar-se do ego", sentindo o outro.

O retorno à Casa Paterna inclui o ato de desprender-se de si para ouvir o Pai. Tal lição será aprendida na escola da convivência diuturna com quantos passem pelos nossos caminhos.

Fazendo assim assumiremos definitivamente a condição de filhos pródigos em plenitude de sintonia com as riquezas de Deus, aprendendo a ouvir-Lhe os alvitres no foro da consciência, em favor da nossa felicidade.

1. Lucas 15:20