sexta-feira, 25 de agosto de 2017

A Palestra de Calderaro - Parte 1

Livro: Escutando Sentimentos
Capítulo 20
Parte 1



"Acumulai tesouros no céu, onde nem a ferrugem, nem os vermes os come; - porquanto, onde está o vosso tesouro aí está também o vosso coração."

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 25 - Item 6


A tarde dava suas últimas manifestações a caminho do crepúsculo. Chegava o instante das reuniões terapêuticas em grupo. Sob supervisão de psicólogos da alma, pequenas equipes de vinte integrantes em estágios avançados de preparo eram orientadas visando a avaliar sua recém-finda reencarnação e projetar responsabilidades maiores para o futuro. Dona Maria Modesto Cravo responde por um dos muitos "grupos de reencontro" - como são conhecidos entre nós - na condição de supervisora. Naquela tarde, o benfeitor Calderaro visitava o Hospital Esperança e fora convidado para versar sobre um tema essencial ao preparo de todos, já que dispunha de vinte preciosos minutos.

Pontualmente às dezessete horas, a supervisora dava início ao tentame. Após a oração, ela assim apresentou o explanador:


- Amigos, esse é Calderaro, que nos abençoará com sua palavra sobre o tema de nossas reflexões atuais: "O Poder das Intenções no Crescimento Espiritual". Nosso companheiro é devotado aos serviços socorristas nas zonas abissais da erraticidade. Ouçamos sua sábia palavra, que será breve face a outros compromissos que o aguardam. Calderaro - falou Dona Modesta dirigindo-se ao benfeitor - os nossos companheiros aqui presentes foram todos espíritas quando encarnados. Portanto, sinta-se em casa.

Com simplicidade, colocou-se de pé ante o círculo dos presentes e os saudou:

- Companheiros, paz conosco. Serei objetivo em face da exiguidade de meu tempo. Como me solicitou Dona Modesta, abordarei o tema considerando que vocês se preparam para intensos labores de assistência aos grêmios espíritas na Terra.

Nos grupos doutrinários, com raras exceções, são expedidas orientações que versam sobre o que não se deve fazer, o que se deve evitar. São focadas com certo exagero as doenças e fala-se pouco na cura, sem explicações satisfatórias sobre como conquistá-la.


Decerto, os preceitos e orientações espirituais básicos são necessários; constituem o cerne das finalidades de uma agremiação espírita-cristã. Entretanto, a alma humana, legatária de particularidades, pede mais e quer saber o que fazer para ser feliz. Necessita de respostas diferenciadas.

Os preceitos morais nem sempre motivam cumplicidade e comprometimento, porque são enfatizados em clima de autodesvalorização. Quase sempre são expostos como "regras gerais" e sob uma ótica coletiva. Indicativas de aperfeiçoamento - sem dúvida, necessárias - ganham conotação repressora, tais como: "cuidado com a vaidade!", "somos todos personalistas!", "já falimos muito nos vícios!", "o orgulho é a nossa doença!", "os espíritas são todos melindrosos!", "sozinhos não temos força contra as ilusões!", "precisamos de muita tarefa para buscar a paz!", "somente no Espiritismo temos todas as respostas!", entre várias outras. Por conta desse enfoque, recomendações que deveriam ser prezadas como úteis e valorosas ao crescimento terminam constituindo uma plataforma religiosa exterior calcada na velha didática: "o espírita pode isso e não pode aquilo", "o espírita é isso e não o que pensa que é".

Larga soma dos projetos de orientação espiritual da atualidade carece de um item imprescindível: prestigiar a singularidade. Permitir a manifestação do imaginário humano e de sua diversidade. Somente a partir de então, estabelecer laços entre a experiência particular e as bases gerais da doutrina. Que caminho melhor para isso haverá que interrogar?


Fazer perguntas e não ocupar-se em respostas exatas ou certezas imediatistas. Contudo, mesmo quando atingirmos o patamar de aplicarmos uma didática rica de alteridade, alguns questionamentos, essencialmente pessoais, permanecerão na acústica da alma como "pistas" para o processo da individuação - a celebração da individualidade divina arquivada no inconsciente.


Chega um instante na caminhada do amadurecimento espiritual em que somos convocados ao "chamado particular de ascensão". Depois de um tempo de esforços e disciplina, nasce o fruto interior do acrisolamento da personalidade excelsa que estamos talhando. Seremos levados a indagar: que queremos da nossa reencarnação? Estarei manifestando minha singularidade ou seguindo convenções e julgamentos? Estou ouvindo meus sentimentos ou adotando preceitos que me foram passados? Qual o meu propósito na Obra da Criação? Que missão devo desempenhar perante a vida? Quais são minhas reais intenções perante a existência? O que quero realizar para meu processo de elevação espiritual?

Quem não sabe o que quer não toma decisões afinadas com seu íntimo.

Conhecer nossas intenções, ter consciência de sua natureza, é fundamental para nossa paz interior.

Quanto mais consciência de suas reais intenções, mais a criatura:


* Visualiza seu futuro.

* Sustenta seus ideais.

* Melhora a relação consigo.

* Alcança o clima da serenidade e dilata sua responsabilidade.

* Sintoniza-se com seu planejamento reencarnatório.

É nesse aspecto subjetivo da vida íntima que reside o "mapa" para o destino. O que desejo realizar? Que aspirações motivam minha vida? Onde quero chegar? O que espero alcançar em mim?

Confiar em si sem auto-suficiência; amar sua existência como se é, buscando o aprimoramento gradativo; dar-se o direito de escolher e fazer opções sobre seus planos de crescimento espiritual; livrar a mente dos chavões doutrinários que não correspondem com nossos legítimos sentimentos; avaliar se os desejos alheios se afinam com os nossos projetos de aperfeiçoamento. Essas são algumas indicativas para conhecermos e manifestarmos nossas intenções, livrando-nos do medo de planejar ideais particulares que nos façam pessoas mais felizes e conscientes de nossas responsabilidades ante as necessidades de nossa raça.


Na condição de "orientadores" da Doutrina Espírita, encarnados e desencarnados, haveremos de nutrir respeito incondicional pela individualidade humana. O bom líder à luz da mensagem cristã será aquele que melhor promover condições, tanto quanto possíveis, para que o ser humano consiga encontrar sua singularidade e ser feliz. Em nossa comunidade doutrinária, observamos rotineiramente a surpresa de uns e a rejeição de outros quando alguém faz escolhas que não são as que achamos que deveriam ser feitas, ou ainda quando alguém tem atitudes que julgamos não serem adequadas ao "seu nível".

Qual de nós conhece as intenções da ação alheia? Qual de nós perguntou a quem quer que seja a preferência de determinada criatura? A ninguém é vedado o direito de ter opiniões sobre o outro, entretanto julgar... Julgamos quando encaixamos as pessoas em nossos modelos de perfeição.


Aqui mesmo, no Hospital Esperança, acolhemos muitos corações iluminados pelo Espiritismo que ruminam o pensamento em torno da seguinte frase: "fiz o que não queria e deixei de fazer o que precisava". Desconheciam ou deixaram de acreditar em suas intenções. Muitos desses companheiros se seguissem a "voz interior", poderiam ter feito melhor proveito de suas reencarnações. Desencarnam com sentimento de frustração sem se darem conta de sua origem.

Prega-se insistentemente o amor ao próximo em nossos meios. Louvado seja! Todavia, a proposta educativa do Cristo inclui o amor a si, o auto-amor. Generaliza-se uma confusão entre celebrar a individualidade e o individualismo. O primeiro é o processo da individuação, a educação das potencialidades do self. O segundo é a conduta egocêntrica de destaque e prestígio. Que os nossos grupos se lancem sem temores ao exercício da atitude de amor a si mesmo. Estamos no tempo dos sentimentos, das descobertas da alma.

De onde vim? Para onde vou? Que faço na Terra? Que quero da vida? Que os centros espíritas tomem como meta neste século dos sentimentos o compromisso de auxiliar os seres humanos a investigarem suas reais propostas existenciais ajudando-os a viver em paz. Ainda mesmo, e principalmente, se os seus destinos forem alhures às nossas expectativas.

Para conhecer bem esse reinado das intenções, façamos um mergulho interior e meditemos sem receios ou julgamentos nas questões que formulamos acima.


Quando Jesus pronunciou o "não julgueis" é porque nenhum de nós pode, em são juízo, medir a intenção alheia. Muitas vezes os atos e sentimentos que manifestamos não se encontram em sintonia com as intenções. Nasce então o conflito, a frustração íntima em relação ao que estamos realizando e como nos expressamos para o mundo.

As intenções nobres sustentam os mais legítimos sentimentos de progresso e elevação, embora, permitamos, frequentemente, que os vilões emocionais da culpa e do medo nos afastem de seguir as "inspirações instintivas" a ecoar no imo de nosso ser, chamando-nos para o destino glorioso e singular.

Nossas colocações, certamente, podem lhes causar insegurança. É natural! Fomos treinados para temer ou negar o que sentimos, no entanto, não haverá paz na alma que não se lançar a essa tarefa educativa de percorrer a "solidão necessária" e responder a si: Quem sou? O que quero?

É razoável, perante nossas abordagens, pensar no torpor causado pelas ilusões quando se assevera ser necessário seguir as intenções. Durante longo tempo, estamos equivocados nesse setor... O Guia Espiritual Lázaro diz: "O aguilhão da consciência, guardião da probidade interior, o adverte e sustenta; mas, muitas vezes, mostra-se impotente diante dos sofismas da paixão." (1)


O texto continua na postagem intitulada "A Palestra de Calderaro - Parte 2."


1. O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 17 - item 7

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