sábado, 4 de março de 2017

Estudando a Arrogância 2

Escutando Sentimentos - Capítulo 9


"Não procureis, pois, na Terra, os primeiros lugares, nem vos colocar acima dos outros, se não quiserdes ser obrigados a descer. Buscai, ao contrário, o lugar mais humilde e mais modesto, porquanto Deus saberá dar-vos um mais elevado no Céu, se o merecerdes."

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 7 - Item 6

"E chegou a Cafarnaum e, entrando em casa, perguntou-lhes: Que estáveis vós discutindo pelo caminho? Mas eles calaram-se; porque pelo caminho tinham disputado entre si qual era o maior." (1)

Esse cenário da época do Cristo ainda se repete entre nós até hoje. De forma velada, sutil, sob indução do reflexo da arrogância e suas consequentes máscaras, ainda disputamos a maioridade em relação a quem partilha conosco o trabalho do bem.

O reflexo mais saliente do ato de arrogar é a disputa pela apropriação da Verdade. Nossa necessidade compulsiva de estarmos sempre com a razão demonstra a ação egoísta pela posse da Verdade, isto é, daquilo que chancelamos como sendo a Verdade.

De posse dessa sensação orgulhosa de possuir o "certo" em nosso ponto de vista, há milênios adotamos condutas que nos causam a agradável ilusão de possuirmos autoridade suficiente para julgar com precisão a vida alheia.

É com base nesse estado orgulhoso de ser que sustentamos o velho processo psíquico de autofascinação com o qual nutrimos exacerbada convicção nas opiniões pessoais, especialmente em se tratando das intenções e atitudes do próximo.

Na raiz desse mecanismo psicológico encontra-se a neurótica necessidade de sentirmos superiores uns em relação aos outros, a disputa.

O orgulho é o sentimento de superioridade pessoal e a arrogância é a expressão doentia desse traço moral.

Iluminados pela Doutrina Espírita, não desejamos mais o mal de outrem. Enobrecidos pelas boas intenções, já nos qualificamos para operar algo de útil em favor do bem alheio, contudo, os reflexos mentais do orgulho ainda não nos permitem vencer o sentimento de importância pessoal. Reconhecer pelo coração o valor alheio na Obra do Cristo ainda constitui um enorme desafio educativo para nossas almas.

A mais destruidora atitude na convivência humana é a nossa arrogância de acreditar convictamente no julgamento que fazemos acerca de nosso próximo. Mesmo imbuídos de intenções solidárias, somos néscios em matéria de limites nas relações humanas. Quase sempre somos assaltados por velhos ímpetos arquivados na bagagem da vida afetiva que nos inclinam a atitudes de invasão e desrespeito para com o semelhante.

"Assim não deve ser entre vós; ao contrário, aquele que quiser tornar-se o maior, seja vosso servo;"

O que faz uma pessoa importante é a sua capacidade de servir, realizar. O impulso para ser útil, edificar, superar limites, alcançar novos patamares de conquistas. É o mesmo princípio originário da arrogância. Entretanto, invertendo a ordem, desenvolvemos a destrutiva acomodação em ser servido.

"Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também." (2).

Jesus é o grande exemplo de servidor. Para Ele, lavar os pés dos discípulos não era diminuir, mas avançar. Ele, naquele episódio, demonstra possuir consciência lúcida de Sua real condição íntima, portanto, não Se sentiu menor com o ato de servir.

Nossa grande dificuldade reside em desconhecer nosso real "tamanho evolutivo". Não sabemos quem somos e partimos para adotar referências para fora de nós. Por isso não disputamos quem é o maior conosco e sim o próximo. E para que essa disputa seja "legítima", criamos o hábito de julgar através da apropriação da verdade. Diminuindo o outro, sentimo-nos maiores.

Humildade é saber quem se é. Nem mais, nem menos. É o estado da mente que se despe das comparações para fora e passa a comparar-se consigo própria, mensurando a realidade de si mesma.

Quem se compara com o outro cria a tormenta e não descobriu sua singularidade, seu valor pessoal. Não se ama e, por isso mesmo, necessita compulsivamente estabelecer disputas, incendiando-se de inveja e colecionando rótulos inspirados em irretorquíveis certezas pessoais.

Quando nos abrimos para legitimar a humildade em nossas vidas, adotamo-nos como somos, aceitamos nossas imperfeições. Aprendendo a gostar de nós, eliminamos a ansiedade de competir para denegrir ou excluir.

Quando nos amamos, a ânsia de progredir transforma-se em fornalha crepitante de entusiasmo, distanciando-nos da atitude patológica de prestígio ou reconhecimento. Somente no clima do auto-amor elencamos condições essenciais para analisar as tarefas doutrinárias como campo de oportunidade e aprendizado, crescimento e libertação. Sem auto-amor e respeito aos semelhantes, vamos repetir a velha cena do Evangelho para saber quem é o maior.

"Não procureis, pois, na Terra, os primeiros lugares, nem vos colocar acima dos outros, se não quiserdes ser obrigados a descer. Buscai, ao contrário, o lugar mais humilde e mais modesto, porquanto Deus saberá dar-vos um mais elevado no céu, se o merecerdes."

Porque essa compulsão por ser o primeiro em uma obra que não nos pertence?

Na Obra de nosso Mestre há tarefas e lugares para todos. "(...) Deus saberá dar-vos um mais elevado no céu, se o merecerdes."

Tarefas maiores, à luz da mensagem do Cristo, não significam prerrogativas para adoção de privilégios ou garantia de autoridade. A expressividade da responsabilidade na Obra do Cristo obedece a dois fatores: necessidade de remissão perante a consciência e merecimento adquirido pela preparação. Em ambas as situações predomina uma só receita para o aproveitamento da oportunidade: esforço, sacrifício, renúncia e humildade.

Sobre os ombros daqueles que realçam e brilham no movimento doutrinário pesam severos compromissos interiores perante suas consciências.Compromissos que, certamente, não daríamos conta por agora. Portanto, repensemos nosso foco sobre quantos estejam assoberbados com tarefas de realce, analisando seus caminhos como espinhosa senda corretiva, repleta de desafios e inquietantes angústias da alma.

Quem se impressiona com o brilho de suas ações se surpreenderia ao conhecer a intensidade dos incômodos e cobranças íntimas que lhos absorvem a consciência ante a grandeza de suas realizações. Ninguém imagina a natureza das tormentas que experimentam os corações sinceros para aprenderem a lidar com o assédio das multidões, atribuindo-lhes virtudes ou qualidades que eles sabem ainda não possuírem. Quanta angústia verte entre o aplauso de fora e as lutas a vencer na sua intimidade.

Não existem pessoas mais ou menos valiosas no serviço de implantação do bem na Terra. Existem resultados mais abrangentes e expressivos que outros, no entanto, não conferem privilégios ou são sinônimos de sossego interior aos seus autores. Existem inúmeros trabalhadores da Doutrina que exercem excelente atuação com invejável rendimento e sentem-se de alma oprimida. Realizam a preço de sacrifícios hercúleos. Outros tantos, com menor expressividade na sua produtividade espiritual, alcançam níveis incomuns de alegria e bem-estar com a vida. Ainda existem aqueles que muito realizam e experimentam uma sensação de grandeza e importância pessoal.

A obra é importante. Nossa participação, por mais significativa, é como destaca Constantino, Espírito Protetor: "Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última hora." (3)

Uma das mais graves angústias dos espíritas internados no Hospital Esperança é revolta que nutrem contra si mesmos quando conscientizam não serem tão essenciais e importantes quanto supunham no plano físico. Vários se entorpeceram com os efeitos sutis e envernizados da arrogância, acreditando-se indispensáveis, missionários e credores de vantagens em razão das realizações espirituais. Acalentaram expectativas fantasiosas com o desencarne e tombaram na enfermidade do personalismo. Quase sempre, constituem pesado ônus na rotina do Hospital, pois, mesmo aqui, ainda continuam suas disputas inglórias e exigências descabidas com base em suas supostas credenciais de elevação moral, obrigando-nos, algumas vezes, a tomar medidas austeras para tratar-lhes a insolência viciada...

Por mais nobre que seja a tarefa a nós entregue na seara, recordemos: os méritos devem ser transferidos para a causa do nosso Mestre. Lutamos todos pela causa do amor, a humanidade redimida.

Deveremos periodicamente nos perguntar: que tenho feito dos bens celestes a mim confiados? Cargos, mediunidade, recursos financeiros, influência pelo verbo, a arte de escrever, o talento de administrar, a força física, a saúde, a inteligência, enfim todos os bens com os quais podemos enriquecer nossa caminhada de espiritualização. Estarei os utilizando para o crescimento pessoal e de outros? Consigo perceber minha melhora no uso desses recursos?

A diluição dos efeitos da arrogância em nós depende dessa atitude honesta em lidar com os sentimentos que orbitam na esfera desse reflexo cristalizado no campo mental.

Essa honestidade emocional inicia-se com as perguntas: Por que estou sentindo o que estou sentindo? Qual o nome desse sentimento? Qual a mensagem meu coração está me indicando? Estarei disputando com alguém nas atividades? O que penso sobre meu semelhante será realmente a verdade? Por qual razão alguém me causa o sentimento de inveja? Por que me sinto diminuído perante uma determinada criatura?

A outra faceta da arrogância é a baixa auto-estima. O desgaste das forças íntimas ao longo desse trajeto de ilusões na supervalorização de si trouxe como efeito o vazio existencial. Após o esbanjamento da Herança Sagrada, o Filho Pródigo da passagem evangélica assevera: "Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros." (4)

O sentimento de indignidade é o reverso da arrogância. O complexo de inferioridade é a resultante dos desvios clamorosos nesta longa caminhada evolutiva.

Por essa razão aprender o auto-amor é fundamental.

"A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação." (5)

Que nossos apontamentos sobre a arrogância sejam apenas o estímulo inicial para a continuidade dos estudos em torno do tema. A complexidade desse sentimento em nossas vidas merece uma investigação mais detalhada que fugiria à nossa tarefa desta hora.

Como mensagem inspiradora para o nosso futuro ante a batalha ingente a ser travada contra nosso egoísmo destruidor, recolhamos nossas meditações na fala do Espírito Verdade:

"Os homens, quando se houverem despojado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum, auxiliando-se reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. Então, o forte será o amparo e não o opressor do fraco e não mais serão vistos homens a quem falte o indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse o reinado do bem, que os Espíritos estão incumbidos de preparar." (6).

1. Marcos 9:33 e 34
2. João, 13:14 e 15
3. O Evangelho Segundo o Espiritismo - capítulo 20 - item 2
4. Lucas 15:19
5. O Livro dos Espíritos - questão 917
6. O Livro dos Espíritos - questão 916

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