terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Espíritas Não Praticantes?

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 9

"Nem todos os que me dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus;"

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 18 - Item 6

Que conceito, afinal, devemos ter sobre ser espírita? Será coerente e proveitoso admitirmos, nos roteiros educativos da Doutrina Espírita, a figura tradicional do "religioso não praticante"? Será que devemos oficializar essa expressão a fim de prestigiar aqueles que ainda não se julgam espíritas? Essas são mais algumas indagações a cogitar na formação de uma ideia mais lúcida sobre a natureza da proposta educativa do Espiritismo para a humanidade.

Ouvem-se, com certa frequência nos ambientes doutrinários, algumas frases que expressam dúbias interpretações sobre o que seja ser espírita. Companheiros que ainda não se sentem devidamente ajustados aos parâmetros propostos pelos roteiros da codificação dizem: "Ainda não sou espírita, estou tentando!", outros, desejosos em amealhar algum crédito de aceitação nos grupos, dizem: "Quem sou eu para ser espírita?!", "Quem sabe um dia serei!".

Com todo respeito a quaisquer formas de nos manifestar sobre o assunto, não podemos deixar de alertar que somente uma incoerência de conceitos pode ensejar ideias dessa natureza, agravadas pela possibilidade de estarmos prestigiando o indesejável perfil do ativista não praticante, aquele que adere à filosofia mas não assume em si mesmo os compromissos que ela propõe.

Ser espírita é algo muito dinâmico e pluridimensional. Tentar enquadrar esse conceito em padrões rígidos é repetir velhos procedimentos das práticas exteriores da religiosidade milenar. Nossas vivências nesse setor levaram-nos a adotar, como critério de validade, alguns parâmetros muito vagos e dogmáticos para aferir quem seria verdadeiramente seguidor do bem e da mensagem do Cristo. Parâmetros com os quais procuramos fugir das responsabilidades criando artifícios para a consciência, gerando facilidades de toda espécie por meio de rituais e cerimônias que entronizaram o menor esforço nos caminhos da espiritualização humana.

Ser espírita é ser melhor hoje do que ontem, e buscar amanhã ser melhor do que hoje; é errar menos e acertar mais; é se esforçar no domínio das más inclinações e transformar-se moralmente, conforme destaca Kardec. Nessa ótica, temos que admitir uma classificação muitíssimo maleável para considerar quem é e quem não é espírita.

Façamos, assim, algumas reflexões puramente didáticas sobre esse tema, sem nenhuma pretensão de concluí-lo, mas com intenção cristalina de problematizar nossos debates fraternos. Tomemos por base o tema da transformação íntima, o qual deve sempre ser a referência prioritária na melhor assimilação do que propõe a finalidade do Espiritismo.

Na primeira etapa, a criatura chega à casa espírita. Na segunda, o conhecimento doutrinário penetra os meandros da inteligência, e na terceira, a mais significativa, o Espiritismo brota de dentro dela para espraiar-se no meio onde atua, gerando crescimento e progresso. São três etapas naturais que obedecem ao espírito de sequência, da qual ninguém escapa. Fases para as quais jamais poderemos definir critérios de tempo e expectativa para alguém, a não ser para nós próprios. Fases que geram responsabilidades a cada instante de contato com as Verdades imortais, mas que são determinadas, única e exclusivamente, pela consciência individual, não sendo prudente estabelecer o que se espera desse ou daquele coração, porque cada qual enfrentará lutas muito diversificadas nos campos da vida interior.

O critério moral, portanto, deve preponderar sobre qualquer noção que essa ou aquela pessoa utilize para se considerar espírita. Nessa ótica encontramos o espírita da ação, aquele batalhador, tarefeiro, doador de bênçãos, estudioso, que se movimenta em torno das práticas. Temos, também, o espírita da reação, o que reage de modo renovado aos testes da vida em razão de estar se aplicando afanosamente à melhoria de si mesmo. Sem desejar criar rótulos e limitação indesejáveis, digamos que o primeiro está conectado com o movimento espírita, e o segundo com a mensagem espírita. O movimento é a ação dos homens na comunidade, enquanto a mensagem é a essência daquilo que podemos trazer para a intimidade com base nessa movimentação. O ideal é que, através da escola da ação no bem, consolide-se o aprendizado das reações harmonizadas na formação da personalidade ajustada com a Lei Natural do amor.

O espírita não é reconhecido somente nos instantes em que encanta a multidão com a sua fala, ou quando arrecada gêneros para a campanha do quilo, por sua lavra inspirada na divulgação, ou mesmo pela tarefa de direção. Essas são ações espíritas salutares e preparatórias para o desenvolvimento de valores na alma, mas o serviço transformador do campo íntimo, que qualifica o perfil moral do autêntico espírita, é medido por seu modo de reagir às circunstâncias da existência, pelo qual testemunha a intensidade dos esforços renovadores de progresso e crescimento a que tem se ajustado. Pelas reações mensuramos se estamos ou não assimilando no mundo íntimo as lições preciosas da espiritualização. A ação avalia nossas disposições periféricas de melhoria, todavia, somente as reações são o resultado das mudanças profundas, e apenas em situações adversas ou na convivência com os contrários temos como aquilatar em que níveis se encontram.

Melhor seria que não aderíssemos à ideia incoerente do "espírita não praticante", para não estimularmos as fantasias do menor esforço, que ainda é uma forte tendência de nossas vivências espirituais. A definição de um posicionamento transparente nessa questão será uma forma de estimular nossa caminhada, razão pela qual devemos ser claros e livres de subterfúgios ao declarar nossa posição perante os imperativos da vivência espírita. A costumeira expressão: "estou tentando ser espírita", na maioria das ocasiões, é mecanismo psicológico de fuga da responsabilidade; é a criatura que sabe que não está fazendo tanto quanto deveria, conforme seus ditames conscienciais, justificando-se perante si mesmo e os outros.

Libertemo-nos das capas e máscaras e cultivemos nas agremiações kardecistas o mais límpido diálogo sobre nossas necessidades e qualidades nas lutas pelo aperfeiçoamento.

Formaremos, assim, uma corrente de autenticidade e luz que se reverterá em vigorosa fonte de estímulo e consolo às angústias do crescimento espiritual.

Deixemos de lado essa necessidade insensata de definirmos conceitos estreitos e padrões engessados que não nos auxiliam a ser melhores que somos. Aceitemos nossas imperfeições e devotemo-nos com sinceridade e equilíbrio ao processo renovador. Estejamos convictos de um ponto em matéria de melhoria espiritual: só faremos e seremos aquilo que conseguirmos, nem mais, nem menos. O importante é que sejamos o que somos, sem essa necessidade injustificável de ficar criando rótulos para nosso estilo ou forma de ser.

Certamente, em razão disso, o baluarte dos Gentios asseverou em sua primeira carta aos Coríntios, capítulo 15, versículos 9 e 10: "...não sou digno de ser chamado apóstolo, ...mas pela graça de Deus, já sou o que sou...".

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