quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Sexualidade e Hipnose Coletiva

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 7


"O dever primordial da vida de toda criatura humana, o primeiro ato que deve assinalar a sua volta à vida ativa de cada dia, é a prece. Quase todos vós orais, mas quão poucos são os que sabem orar!"

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 27 – Item 22

"Intenso desejo acompanha a humanidade em todos os tempos: ser feliz. Entretanto, um incômodo sentimento de impotência aprisiona o homem na realização desse projeto, ou seja, a ignorância sobre como trabalhar por sua felicidade. Como vencer esse abismo que se abre entre a necessidade de paz interior e as grandes lutas que se apresentam a cada dia, afastando-o cada vez mais desse ideal?

Desorientada pelo cansaço de não encontrar respostas lúcidas e satisfatórias para sua meta de júbilo e harmonia, a maioria das criaturas rendem-se às propostas humanas de prazer como sendo a alternativa que mais fácil e rapidamente lhe permite obter alguma gratificação, ainda que passageira.

Forma-se assim, pelo mecanismo mental da reflexão automática, um processo coletivo de hipnose sob o jugo da ilusão e da mentira consentidas, escravizando bilhões de almas no atoleiro dos vícios comportamentais de variados matizes.

Reflexão automática é o hábito de consumir pensamentos, estabelecendo uma rotina mental, sem utilização da consciência crítica, um processo que funciona por estimulação condicionada, sem a participação ativa da vontade e da inteligência, interligando todas as mentes em todas as esferas de vida. Indução, sugestão e assimilação são operações psíquicas que respondem por esse quadro que, em sã análise, constitui uma grave questão social. Fenômenos telepáticos e mediúnicos formam a radiografia básica desse ecossistema psíquico. Patologias mentais e orgânicas, obsessões e auto-obsessões surgem nesse cenário compondo a psicosfera de bairros e cidades, estados e países, continentes e mundos.

Composta de aproximadamente 30 bilhões de almas, a população geral da Terra tem hoje um contingente de pouco mais de 1/6 de sua totalidade no corpo carnal. Considere-se que nessa extensa e vigorosa teia de ondas, mesmo esses 5/6 de criaturas fora da matéria têm como centro de interesse o planeta das provas e expiações terrenas, influindo, sobremaneira, na economia psíquica da humanidade em perfeito regime de troca, determinando, mais do que se imagina, os rumos coletivos e individuais na dignidade ou na leviandade de propósitos, na paz ou no conflito armado.

Convém-nos, nesse contexto, em favor da reeducação de nossos potenciais, refletir com seriedade sobre um dos mais delicados temas da atualidade: a sexualidade.

Naturalmente, a mentira destruiu esse campo sagrado das conquistas humanas com lastimável epidemia de imitação decorrente da massificação. A palavra mentira vem do latim e, entre seus vários significados, extraímos esse: inventar, imaginar. Sob expressiva influência da mídia eletrônica, o sexo em desalinho moral obteve requintes de inferioridade e desvalor por meio de tolas invenções do relaxamento moral. Depois da televisão, a internet, propiciou ainda mais estímulos para a devassidão em domicilio, preenchendo o vazio dos solitários de imagens degradantes de perversidade pela pornografia sem valores éticos.

Os costumes no lar, já que boa parcela dos educadores perdeu a noção de limite, avançam para uma derrocada nos hábitos a pretexto de modernização. Diante da beleza corporal, os pais, ao invés de ensinarem responsabilidade e pudor, quase sempre excitam a sensualidade precoce e a banalização, porque se encontram também escravos de referências de conduta, conquanto o desejo de não verem os filhos desorientados. Amargam elevada soma de conflitos pessoais não solucionados que interferem na sua tarefa educacional com a prole.

Nesse clima social, os delitos do afeto e do sexo continuam fazendo vítimas e gerando dor. Telepatias deprimentes e vinculações mediúnicas exploradoras formam o ambiente astral de várias localidades, expelindo energias entorpecedoras e hipnóticas, abalando o raciocínio e instigando os instintos animalescos, aos quais a maioria de nós ainda se encontra jungida.

O desafio ético de usar o sexo com responsabilidade continua sendo superado por poucos que se dispõem ao sacrifício de vencer a si mesmos, dentro de uma proposta de profundidade nos terrenos da alma.

A força das estimulações exteriores compromete os propósitos sinceros mesmo daqueles que acalentam os ideais renovadores, exigindo do candidato à autotransformação um esforço hercúleo para atingir suas nobres metas.

A força sexual é comparável a uma represa gigantesca que, para ter seu potencial utilizado para o progresso, carece de uma usina controladora, a fim de drenar a água em proporções adequadas, evitando inundações e desastres de toda espécie nos domínios do seu curso. Se a energia criadora não for disciplinada pelas comportas da contenção, da fidelidade e do amor fraternal, dificilmente tal força da alma será dirigida para fins de crescimento e libertação.

Nesses dias tormentosos, o sexo ganha o apoio da mídia na criação de ilusões de espectros sombrios sob a análise ético-comportamental. A mentira do "amor sexual" condicionado à felicidade é uma hipnose coletiva na humanidade, gerando um lamentável desvio da saúde e alimentando as miragens da posse nas relações, fazendo com que os relacionamentos, carentes de segurança e da fonte viva da alegria, possam se chafurdar em provas dolorosas no campo do ciúme e da inveja, da dependência e do desrespeito, da infidelidade e da crueldade – algumas das vielas de fuga pelas quais percorrem os encontros e desencontros entre casais e famílias.

Diante isso, um turbilhão energético provido de vida e movimento permeia por toda a psicosfera do orbe. Qual se fosse uma serpente sedutora criada pelas emanações primitivas, resulta das atitudes perante a sexualidade entre todas as comunidades. Semelhante a um enxame epidérmico e contagiante, essas aglomerações fluídicas são absorvidas e alimentadas em regime de troca pelas esferas vivas do grande ecossistema da psicosfera terrena.

A defesa da vida interior requer mais que contenção de impulsos. Muito além disso, faz-se urgente aprender o exercício do bem gerando novos reflexos pela consolidação de interesses elevados no reino do espírito. Decerto a disciplina dos instintos será necessária, mas somente o desenvolvimento de valores morais sólidos promover-nos-á a outros estágios de crescimento nas questões da sexualidade. A esse respeito compete-nos ponderar a postura que adotamos ante a maior fonte de apelos da energia erótica, o corpo físico. Que sentimentos e pensamentos devem nortear o cosmo mental na relação diária com o corpo? Como adquirir uma visão enobrecida do instrumento carnal? Como olhar para o templo sagrado do corpo alheio e experimentar emoções enriquecedoras? Como impedir a rotina dos pensamentos que nos inclinam à vaidade e à lascívia ante os estímulos da estética corporal?

Zelo e cuidados necessários com o templo físico em nada podem nos prejudicar, contudo o problema surge nos sentimentos que nos permitimos perante as atrações físicas. Esmagadora parcela das almas reencarnadas adota atitudes pouco construtivas nesse tema. Além dos estímulos pujantes dos traços anatômicos, o corpo é dotado de elementos magnéticos irradiadores com intensa força de impulsão. Quando acrescido da simples intenção de atrair e chamar a atenção para si mesmo, essa impulsão assemelha-se a filamentos sutis, similares a tentáculos aprisionantes expelidos pela criatura na direção daquele ou daqueles a quem deseja causar admiração, tornando-se uma passarela de atrações que lhe custará um ônus para a saúde e o equilíbrio emocional.

Tudo se resume à lei universal da sintonia. Veremos o corpo conforme o que trazemos na intimidade. Sabemos, todavia, à luz da visão imortalista, que além do corpo carnal, a ele se encontra integrado o ser espiritual, repleto de valores e vivências que transcendem os limites sensoriais da matéria. Aprender a identificar-nos com essa essencialidade é o caminho para a reeducação das tendências eróticas. Torna-se imprescindível vivermos o "estado de oração", aprendendo a sondar o que existe para além do que os olhos podem divisar. Saint-Exupéry afirmou: "o essencial é invisível aos olhos", e quando V. Monod recomenda, na frase acima transcrita, que a prece seja o primeiro ato do dia, é porque estamos retomando o contato com o corpo após uma noite de emancipação. É o preparo para que consigamos nos elevar acima das sensações e permitir a fluência dos sentimentos nobres, antes mesmo de ingressarmos no vigoroso ímã da convivência pública. É o estado da mente alerta que vai nos ensejar "olhos de ver".

Aprender a captar a essencialidade do outro é perceber os eflúvios da sua alma, seus medos, suas dores, seus valores, suas vibrações e necessidades. É ir além do perceptível e encontrar o mundo subjetivo do próximo sentindo-o integralmente. O resultado será a sublimação de nossos sentimentos pela lei de correspondência vibracional, atraindo forças que vão conspirar em favor de nossos objetivos de ascensão.

Assim como preparamos o corpo para o despertamento, igualmente devemos nos lançar ao preparo espiritual para retomar as refregas do dia. A essa atitude chamamos de interrupção do fluxo condicionado da vida mental. É adentrar na teia de correntes etéreas para não se contaminar nem ser sugestionado pela força atrativa desse mar de vibrações pestilenciais de ambientes coletivos.

Esse estado de oração é a alma sintonizada com o melhor de todos, condição interior que requer, por enquanto, muita vigilância e oração de todos nós para ser atingida. Quem ora, recolhe auxílio para os interesses elevados. Quem ora, toma contato com o Deus interno, ativando a expansão da consciência, desatando energias de alto poder construtivo e libertador sobre todos os corpos físicos e espirituais e na psicosfera ambiente. A vida conspira com os propósitos do bem, basta que nos devotemos a eles.

Estabelecido esse estado interior de dignificação espiritual, o próximo passo é lançar-se ao esforço reeducativo na transformação dos hábitos. O tempo responderá com salutares benefícios interiores de paz, com o psiquismo livre das energias enfermiças da hipnose coletiva do despudor e da lascívia, tornando a mente acessível ao trânsito das inspirações e ideias saudáveis em clima de plenitude.

Portanto, inscrevamo-nos nesse curso diário da oração preparatória tão logo despertos do sono físico. Faça seus cuidados fisiológicos para o despertamento sensorial, após o que amplie os cuidados com o Espírito. A oração desperta forças ignoradas que serão farta fonte de manutenção do estado de paz que carecemos ante a empreitada sobre o dinâmico mundo das percepções e dos estímulos. Somente dessa forma iluminaremos nossos olhos para que tenhamos luz na visão do mundo que nos cerca, e segundo o Divino Condutor, "...se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz"(1)."

1. Mateus, 6:22.

sábado, 16 de janeiro de 2016

O Grande Aliado

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 6

“Reconciliai-vos o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, ...”

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 10 - Item 5

"Matar o homem velho", "extinguir sombras", "vencer o passado" – expressões que comumente são usadas para o processo da mudança interior. Contudo, todos sabemos, à luz dos princípios universais das Leis Naturais, que não existe morte ou extinção, e sim transformação. Jamais matamos o "homem velho", podemos, sim, conquistá-lo, renová-lo, educá-lo.

Não eliminamos nada do que fomos um dia, transformamos para melhor. Ao invés de ser contra o que fomos, precisamos aprender uma relação pacífica de aceitação sem conformismo a fim de fazer do "homem velho" um grande aliado no aperfeiçoamento.

Portanto, as expressões que melhor significado apresentam para a tarefa íntima de melhoria espiritual serão "harmonia com a sombra" e "conquistar o passado", que redundam em uma das mais belas e sublimes palavras dos dicionários humanos: educação.

Nossas imperfeições são balizas demarcatórias do que devemos evitar, um aprendizado que pode ser aproveitado para avançarmos. A postura de ser contra o passado é um processo de negação do que fomos, do qual a astúcia do orgulho aproveita pra encobrir com ilusões acerca de nossa personalidade.

O ensino do Evangelho "Reconciliai-vos o mais depressa possível com o vosso adversário enquanto estais com ele a caminho, ..." é um roteiro claro. Essa reconciliação depende da nossa disposição de encarar a realidade sobre nós mesmos, olhar para o desconhecido mundo interior, vencer as camadas de orgulho do ego, superar as defesas que criamos para esconder as sombras e partir para uma decidida e gradativa investigação sobre o mundo das reações pessoais, através da autoanálise, sem medo do que encontraremos.

Fazemos isso enquanto estamos no caminho carnal ou então as Leis Imutáveis da vida espiritual levar-nos-ão ao espelho da verdade, nos camarins da morte, no qual teremos que mirar as imagens reais daquilo que somos, despidos das ilusões da matéria. Postergar essa tarefa é desamor e invigilância. A desencarnação nos aguarda a todos na condição do mecanismo divino que nos devolve à realidade.

Reformar é formar novamente, dar nova forma. Reforma íntima nada mais é que dar nova direção aos valores que já possuímos e corrigir deficiências cujas raízes ignoramos ou não temos motivação para mudar. É dar nova direção a qualidades que foram desenvolvidas na horizontalidade evolutiva, que conduziram o homem às conquistas do mundo transitório. Agora, sob a tutela da visão imortalista, compete-nos dirigir os valores que amealhamos na verticalidade para Deus, orientando as forças morais para as vitórias eternas nos rumos da elevação espiritual pelo sentimento.

Que dizer da sementeira atacada por pragas diversas? Será incinerada a pretexto de renovação e cura?

Assim é conosco. O passado – nosso plantio – está arquivado como experiência intransferível e eterna, não há como matar o passado, porém, podemos vitalizá-lo com novos e mais ricos potenciais do Espírito na busca do encontro com o ser Divino, cravado na intimidade profunda de nós mesmos. Não há como extinguir o que aconteceu, todavia, podemos travar uma relação sadia e construtora de paz com o pretérito.

Reforma íntima não pode ser entendida como a destruição de algo velho para a construção de algo novo, dentro de padrões preestabelecidos de fora para dentro, e sim como a aquisição da consciência de si mesmo para aprender a ser, a existir, a se realizar como criatura rica de sentidos e plena de utilidade perante a vida.

Carl Gustav Jung, o pai da psicologia analítica, asseverou: "Só aquilo que somos realmente tem o poder de nos curar".

É uma questão de aprender a ser. Somos um projeto de existir criados para a felicidade, compete-nos, pois, o dever individual de executar esse projeto, e isso só é possível quando escolhemos realizar e ser em plenitude pela condução do eu imaginário em direção do eu real.

Existir, ser alguém, superar a frustração do nada é uma questão de sentimento e não de posses efêmeras ou padrões de puritanismo e vivência religiosa de fachada.

Imperfeições são nosso patrimônio. Serão transformadas, jamais exterminadas.

Interiorização é aprender a convivência pacífica e amorável com nossas mazelas. É aprender a conviver consigo mesmo por meio de incursões educativas no mundo íntimo, treinando o autoamor, aprendendo a gostar de si mesmo para amar tudo o que existe em torno de nossos passos.

Enquanto usarmos de crueldade com nosso passado de erros, não o conquistaremos em definitivo. A adoção de comportamentos radicais de violentação desenvolve o superficialismo dos estereótipos e a angústia da melhora – estados interiores improdutivos para a aquisição da consciência no autoconhecimento e no autotriunfo.

Interiorização é conquistar nossa sombra, elevando-a à condição de luz do bem para a qual fomos criados.

Portanto, esse "adversário interior" deve se tornar nosso grande aliado, sendo amavelmente doutrinado para servir ao luminoso ideal do homem lúcido e integral para o qual, inevitavelmente, todos caminhamos."

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Sábia Providência

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 5


“Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial”.

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 5 - Item 11

"A natureza nos leva ao esquecimento do passado exatamente para aprendermos a descobrir em nosso mundo interior as razões profundas de nossos procedimentos, através da análise dos pendores e impulsos, interesses e atrações que formam o conjunto de nossas reações denominadas tendências.

A natureza nos presenteia com o mecanismo natural do esquecimento para que tenhamos a mínima chance e condição de elaborarmos essa autorreflexão, descobrir as motivações que sustentam nossos vícios milenares e conseguir a formação de reflexos afetivos novos.

Com a presença das recordações claras sobre os acontecimentos pretéritos, a mente estacionaria na vergonha e no remorso, no rancor e na mágoa, sem um campo propício para o recomeço, estabelecendo torvelinhos de desequilíbrio, como os dramas que são narrados por via psicográfica na literatura espírita.

Agenor Pereira, devotado seareiro espírita, encontrava-se desalentando com seus progressos na melhoria espiritual. Ansiava por ser alguém mais nobre e não cultivar sentimentos ruins ou se permitir impulsos que onerassem sua consciência. Fazia comparações com outros confrades e sentia-se o pior de todos diante das vitórias ou do estado de alegria que demonstravam perante a vida. Pensava ser o mais hipócrita dos espíritas. Angustiava-se com a ideia de ter tanto conhecimento e fazer tão pouco.

Desanimado consigo mesmo, após um momento de crise pediu ajuda aos bondosos guias espirituais. Ao anoitecer, fizera uma prece de desabafo apresentando ao Pai o seu cansaço com a reforma interior. Ao sair do corpo físico, foi levado por seu amigo espiritual a uma caverna escura e fétida na qual se arrastavam diversos sofredores no lamaçal psíquico do vício. Agenor teve um súbito desfalecimento e foi então, por sua vez, conduzido ao Hospital Esperança. Após recuperar-se, foi-lhe concedida a oportunidade de consultar uma ficha resumida que dava notas a suas vivências reencarnatórias, o que passou a ler nos seguintes termos:

“Agenor Pereira, agora reencarnado, peregrinou nas últimas seis existências por lamentáveis falências no terreno do sexo e de infidelidade afetiva. Somando-se o tempo, entre encarnações e desencarnações, esse período já conta seiscentos anos de viciações, desvarios e desenlaces prematuros. Foi retirado da caverna das viciações e amparado por equipes socorristas no Hospital Esperança. Sua tendência prejudicou mulheres honradas, corrompeu autoridades para aprisionar maridos traídos, deixou crianças abandonadas em razão da destruição de suas famílias. Sua insanidade provocou ódio e repulsa, crimes e infelicidade. Em face aos elos que os unem nos tempos, Eurípedes Barsanulfo avalizou-lhe o regresso ao corpo físico com a condição de ser a última existência com certas concessões para o crescimento em clima provacional-educativo. Sua grande meta existencial nessa última chance será vencer suas tendências aventureiras e imaturas. Conhecerá a Doutrina Espírita, receberá uma companheira confidente e terá as regalias de um lar em paz. Sua única e essencial vitória será o controle de suas impulsões maléficas, a fim de que seja, em posteriores existências, recambiado ao cenário dos crimes cometidos na reedificação das almas que prejudicou”.

Na medida em que Agenor lia a ficha, imagens vivas lhe saltavam do campo mental como se estivesse assistindo a cenas daquilo que fez. Terminada a leitura, um imenso sentimento de paz invadiu-lhe a alma e pôde perceber, com clareza, que seu anseio de reforma, inspirado em “modelos de perfeição espírita”, na verdade, estava lhe prejudicando o esforço. Estava desejando a santificação, eis seu erro. Regressaria ao corpo mais feliz consigo e, embora não fosse desistir de ser alguém melhor, retiraria contra si mesmo o hábito enfermiço das cobranças injustificáveis e ferrenhas que lhe conduziam ao desânimo e à desolação. Pararia com as comparações recheadas de baixa autoestima e buscaria operar uma reavaliação totalmente sua, singular, única. Antes de retornar, consultou seus instrutores sobre os motivos pelos quais havia sido levado àquela caverna fétida. Foi então esclarecido:

“Agenor, você foi retirado daquele lugar, antes do retorno ao corpo, depois de mais de quarenta anos de dor. Ali se encontra também a maioria das pessoas que prejudicou, presas pelo ódio e pelas más recordações do passado. Certamente, eles dariam tudo para ter um cérebro a fim de esquecer o que lhes sucedeu, por um minuto que fosse”.

Diante disso, Agenor ruborizou-se e regressou imediatamente ao corpo. Pensava no quanto a misericórdia o havia beneficiado, logo a ele que se fazia o pivô de um processo de atrocidades!

Ao despertar na vida corporal, trazia na alma um novo alento. Não guardava lembranças precisas, mas sabia-se muito amparado. Valorizava agora seu esforço e desejava abandonar de vez os padrões, dando o melhor de si. Amava com mais louvor o lar. Guardava na alma a impressão de que uma missão o aguardava para o futuro e concentraria esforço em manter-se íntegro em seus ideais. Suas sensações e seus sentimentos são sintetizados na fala sábia do codificador: “Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si mesmo, e é nisso que deve concentrar toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará"(1).

Que a historieta de nosso Agenor sirva de estímulo a todos nós em transformação. Se não conseguimos ainda eliminar certos ímpetos inferiores, mas evitamos as atitudes que deles poderiam nascer, guardemos na alma a certeza de que estamos no caminho do crescimento, arando o terreno para uma farta semeadura no futuro. Esperar colher sem plantar é ilusão. Não nos libertaremos dos grilhões do pretérito somente apenas na base de contenção e disciplina, contudo, esse pode ser um primeiro e muito precioso passo para muitos corações.

Muitos aprendizes inspirados nas propostas espíritas equivocam-se ostensivamente. Querem perfeição a baixo custo e entregam-se a reformas de metade. Insatisfeitos com os poucos resultados de seus esforços, atiram-se a autoavaliações impiedosas e descabidas. Terminam em desistência, por meio de fugas bem elaboradas pelas sombras dinâmicas e dotadas de inteligência que residem em sua subconsciência.

Sábia providência: o esquecimento do passado. “...outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas”. Com a consciência temos o rumo correto para aplicarmos o esforço educativo, com as tendências instintivas temos as boias sinalizadoras para que saibamos nos conduzir dentro desse rumo. Em uma temos o futuro, em outra temos o passado cooperando para não desviarmos novamente do que nos espera.

Uma pálida noção do que fez Agenor em outras vidas, nessa situação especifica, lhe fez muito bem. No entanto, imaginemos se ele, ao regressar ao corpo, trouxesse a recordação de que sua mãe teria sido uma dessas mulheres traídas, como se sentiria? Que seus filhos fossem algumas daquelas crianças abandonadas pelas famílias por ele destruídas, como reagiria? Ou, então, que viesse a saber que aqueles maridos traídos estavam agora ao seu lado, dividindo as tarefas doutrinárias em fortes crises de ciúme e ressentimento?

Se lembrássemos das vivências que esculpiram no campo mental as tendências atuais, ficaríamos certamente na costumeira atitude defensiva, responsabilizando pessoas e situações pelas decisões e comportamentos que adotamos. Com isso, fugiríamos, mais uma vez, de averiguar com coragem nossa parcela de compromisso nos insucessos de cada passo e de recriar nossas reações perante os condicionamentos. Não sabendo a origem exata das nossas tendências, ficamos entregues a nós mesmos sem poder culpar ninguém nem nada. Temos em nós o resultado de nossas obras, eis a lei.

Quando atribuímos ao passado algo que não conhecemos ou conseguimos compreender sobre nossas reações e escolhas, estamos nos furtando da investigação, nem sempre agradável, que deveríamos proceder para encontrar as razões de tais sentimentos na vida presente. O que sentimos hoje, tenha raízes no pretérito distante ou não, é do hoje e deve ser tratado como algo que guarda uma matriz na vida presente, que precisa de reeducação e disciplina. Assim nos pronunciamos porque muitos conhecedores da reencarnação, a pretexto de distanciarem-se da responsabilidade pessoal, emprestam à teoria das vidas passadas uma explicação para certos impulsos da vida presente, desejosos de criar um álibi para desonerá-los das consequências de seus atos atuais. É o medo de terem que olhar e assumir para si mesmos que, venha do passado ou não, ainda sentem o que não gostariam de sentir e querem o que gostariam de não querer. Além disso, com essa postura, deixamos a nós mesmos uma mensagem subliminar do tipo: nada podemos fazer pela identificação desse impulso, gerando acomodação e a possibilidade de novamente falhar.

Toda vivência interior ocorre porque o nosso momento de conhecê-la é agora, do contrário não a experimentaríamos. Para isso não se torna necessário uma regressão às vidas anteriores na busca de recordações claras. Se pensarmos bem, vivemos imersos em constante regressão natural controlada pela Sábia Providência. Via de regra, estamos aprisionados ainda ao palco das lutas que criamos ou fruindo dos benefícios das escassas qualidades que desenvolvemos.

Viver o momento é viver a realidade. Por necessidades de controlar tudo, caminhamos para a frente ou para trás em lamentável falta de confiança na vida e em seus Sábios Regimentos.

A pensadora Louise L. Hay diz que o passado é passado e não pode ser modificado. Todavia, podemos alterar nossos pensamentos em relação ao passado(2). Essa a finalidade do esquecimento: alterar o que sentimos e pensamos sob a intensa coação dos instintos e tendências que ainda nos inclinam a retroceder e parar no tempo evolutivo."

1. O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 5 - item 11.
2. Você Pode Curar a sua Vida - Louise L. Hay - p. 24 - Editora Best Seller, 44ª edição.