segunda-feira, 3 de maio de 2021

Comportamentos Hipócritas

Livro: LAÇOS DE AFETO
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

SEGUNDA PARTE
Caminhos do Amor na Convivência

Capítulo 5

“Garantimos que a uma sociedade espírita, cujos trabalhos se mostrassem organizados nesse sentido, munida ela dos materiais necessários a executá-los, não sobraria tempo bastante para consagrar às comunicações diretas dos Espíritos. Daí o chamarmos para esse ponto a atenção dos grupos realmente sérios, dos que mais cuidam de instruir-se, do que de achar um passatempo. (Veja-se o número 207, no capítulo ”Da formação dos médiuns.)”

O Livro dos Médiuns - Capítulo 29 - Item 347

Feliz advertência do Codificador para as frentes de serviços doutrinários hodiernos.

Verifica-se um excessivo interesse em “receber almas” pelas vias da mediunidade, constata-se um interesse exagerado pelo que fazem e dizem os Espíritos, despende-se enorme esforço para socorrer “os necessitados e sofredores” do além. Entretanto, o que temos organizado em favor dos “Espíritos na carne”, aqueles que, alguns deles, receberam o socorro espiritual e agora precisam da ajuda dos centros espíritas em plena reencarnação? Ou aqueloutros que um dia estarão fora da carne e que, se agora não forem bem socorridos nas suas necessidades, perambularão na erraticidade em dores pungentes? Enfim, que tempo temos disposto e com que nível de seriedade para atender as demandas do encarnado de nossa convivência?

Na natureza encontramos o mimetismo como sendo um instinto natural de defesa de alguns animais e vegetais. Os animais e pequenos insetos, usando da propriedade da camuflagem, metamorfoseiam-se confundindo com a natureza na preservação de suas vidas contra os ataques no ecossistema.

O homem, embora detentor da inteligência e com outros objetivos, também mimetiza seu comportamento através da hipocrisia, apresentando-se com várias personalidades, conforme o seu interesse, nos ambientes de sua convivência.

A hipocrisia é um dos mais atrasados comportamentos da jornada evolutiva na Terra. Comportamento adquirido em milenares vivências, é o resultado inevitável da desarmonia existente entre o pensar, o sentir e o agir.

Herança doentia do egoísmo, ela pode se expressar sob três facetas mais comuns:

- Reações extemporâneas, instintivas e naturais, nas áreas específicas do aprendizado do ser nas quais ainda não detém maior soma de domínio e controle. São estados neuróticos superáveis.

- Ações deliberadas para compensação e atendimento de gratificações.

- Atitudes psicopáticas de dissimulação de “identidades psicológicas”, devido a patologias psíquicas ou estados limítrofes a essas.

Dessas facetas assinaladas, destacamos a primeira como sendo a mais apropriada ao nosso objetivo de estudo, reflexão e debate nos grupamentos que assumiram a proposta da restauração espiritual.

O mimetismo do comportamento faz parte da rotina de nossas agremiações, integrando nossas atitudes no cunho das atividades doutrinárias.

Não estamos nos referindo à hipocrisia intencional, mas aquela que ocorre em função de assumirmos o compromisso das mudanças interiores, e que nos leva ao sentimento de falsidade, de mentira, apesar dos esforços por melhorar. Nesse caso as condutas incoerentes com a ética Espírita-cristã são fruto de conflitos íntimos, sobre os quais não logramos ainda um maior grau de controle e elaboração mental, somados aos velhos reflexos condicionados da hipocrisia deliberada, vivida em outros tempos nas veredas do aprendizado terreno...

É um fato sutil e que envolve a grande maioria dos novos adeptos, e também aqueles que não se superaram no tempo resolvendo seus conflitos.

O verdadeiro espírita é concitado à mudança dos hábitos pelas seguras indicativas dos textos evangélico-doutrinários. Entretanto, a assimilação incoerente e dogmática dessas orientações fá-lo projetar-se a uma repentina e falsa reestruturação comportamental, para a qual não foi previamente preparado pelas valorosas orientações que poderiam ser ministradas pelos dirigentes da Casa em que presta seus serviços, através de ocasiões especiais ou do acompanhamento fraterno e dialógico.

Lançando-se a esforços hercúleos e sofridos, direcionados para focos errôneos, acaba por se desgastar na manutenção de um rígido e cerceador programa de vigilância e violentação de si mesmo. Não atingindo os patamares desejados no campo vivencial, passa então a dissimular seus conflitos e frustrações para não perder a convivência na Casa Espírita, porque se se revelar, “o que os demais vão pensar”?

Para agravar tal episódio, infelizmente ainda encontram insensíveis diretores, atendentes ou “amigos” do grupamento a imputar-lhe severos julgamentos face ao rol de suas lutas, asseverando tratar-se de obsessões de largo porte ou de invigilância declarada, colocações essas expedidas em tom de “hilariante ar de superioridade” que leva ainda mais o companheiro, em lutas consigo próprio, a uma maior autodesvalorização e sentimento de culpa.

É quando surgem os comportamentos hipócritas que minam as forças dos que guardam sinceridade nas intenções de melhorar, causando aflição e ansiedade em função dos circuitos mentais viciosos de autocobrança. As maiores fragilidades morais do Espírito são as mais atingidas, deixando um rastro de frustração e sentimento íntimo de deslealdade.

A ausência da devida atenção a esses quadros morais dos trabalhadores favorece um prolongamento dessa experiência, tornando-a exaustiva, enquanto esses dramas da vida íntima poderiam ser minimizados se obtivessem um espaço apropriado para atendimento no centro espírita.

A ação hipócrita incomoda; no entanto, a maioria expressiva dos recém ingressos na organização doutrinária não sabe o que fazer nesses momentos. Seu estado mental com o tempo pode perder as resistências e desaguar em desequilíbrios psíquicos ou no estabelecimento de comportamentos exóticos de defesa.

Eis um assunto para nossos debates. Como ajudar esses trabalhadores? O centro espírita tem arregimentado um programa para ensinar a transformação íntima? Tem havido clima nos grupos para que os tarefeiros possam dialogar construtivamente sobre seus conflitos? Ou temos nos iludido, transferindo responsabilidades pessoais para as ações obsessivas de desencarnados?

Muitos corações, não suportando o peso dos continuados embates íntimos, optam por abandonar tudo em fuga silenciosa, porém, desesperada...

Encontramos aqui em nosso plano quem não soube administrar seus conflitos e tombou na “morte escolhida”, depois de fazer do seu campo mental um vulcão efervescente de dúvidas, frustrações e desamor a si mesmo.

Nesse sentido anotamos o prejuízo causado pelos estereótipos comportamentais adotados em muitos núcleos, eleitos por seus dirigentes como sendo “marcas” de verdadeiros espíritas, gerando isso um nível mais acentuado de ansiedade em quem vive sinceramente na busca de seu autoaperfeiçoamento, quando espera-se de todos nós o acolhimento afetuoso e indulgente, especialmente nos momentos de mais fragilidade dos novéis discípulos, estimulando-os, no clima da amizade, a sempre recomeçarem quantas vezes se fizerem necessárias.

Não lograremos êxito sempre. Vezes sem conta ainda sentiremos de uma forma, pensaremos de outra e agiremos antagonicamente a ambas.

A harmonia entre sentir, pensar e agir é o estado de plenitude para o qual todos nos destinamos. Até lá, vez que outra, ainda teremos comportamentos hipócritas não intencionais, que pelo incômodo causado servirão de fonte preciosa de autoconhecimento para os que guardam a lealdade consciencial.

Errar em clima de lealdade é lição imperecível.

Lutemos com tenacidade para que o quanto antes alcancemos a autenticidade na conduta, a fim de não termos que pagar o ônus de carregar as pesadas máscaras da superficialidade e da mentira.

Desde que não cultivemos a “hipocrisia calculada”, caminhemos para frente guardando a certeza de que nossa harmonização com a verdade custará instantes de insatisfação e autodesvalorização que não devem nos abater.

Acima de tudo, o mais importante é trabalhar e confiar ao tempo a solução de nossas experiências, porque, mesmo depois de vencida a etapa mais dolorosa, ainda teremos que lutar com aspectos muitíssimo sutis de sua presença em nossos atos.

Buscando estudar nossas reações, descobriremos nossas “personas” e as sublimaremos em regime de perseverança e convivência pacífica conosco mesmo.

A maturidade haurida na superação dos conflitos trazer-nos-á paz, resistência e integridade de comportamento.

Para não desanimarmos, reflitamos no versículo citado, no qual até Pedro, a rocha do Cristianismo nascente, sucumbiu em involuntária hipocrisia dizendo: “não sou”. (1)

1. (...) Não és tu também dos discípulos deste homem? Disse ele: Não sou. João, 18:17