sábado, 17 de abril de 2021

Recepção, Atendimento e Integração

Livro: LAÇOS DE AFETO

Autora Espiritual: Ermance Dufaux

SEGUNDA PARTE
Caminhos do Amor na Convivência

Capítulo 4

“Uma Sociedade, onde aqueles sentimentos se achassem partilhados por todos, onde os seus componentes se reunissem com o propósito de se instruírem pelos ensinos dos Espíritos e não na expectativa de presenciarem coisas mais ou menos interessantes, ou para fazer cada um que a sua opinião prevaleça, seria não só viável, mas também indissolúvel. A dificuldade, ainda grande, de reunir crescido número de elementos homogêneos deste ponto de vista, nos leva a dizer que, no interesse dos estudos e por bem da causa mesma, as reuniões espíritas devem tender antes à multiplicação de pequenos grupos, do que à constituição de grandes aglomerações.”

O Livro dos Médiuns - Capítulo 29 - Item 334

Grupos harmonizados entre si têm o coração aberto aos que chegam, e tornam-se “convites vivos” para que outros participem dos ágapes de sua instituição, já constituindo essa postura afetiva um benefício expressivo no atendimento às dores alheias.

Nesses dias de definição e reajustes, a família, que deveria cumprir seu papel de núcleo educacional das virtudes superiores, perdeu seu norte pela fragilidade moral de seus membros, ficando assim a criança e o jovem, mais tarde o próprio adulto, à mercê dos fatores circunstanciais da vida para asilarem-lhe em clima educativo e formar laços de afeto estimuladores.

Nessa hora da existência surge o centro espírita qual “salva-vidas” no tempestuoso mar das provações, apresentando uma proposta preenchedora de paz e estímulo a novos caminhos. A alma então começa procurar a si mesma. Travando o contato doloroso com sua intimidade, dilacerada, pobre, doente. Por isso, as instituições espíritas, na pessoa de seus dirigentes e trabalhadores, devem se dar conta da responsabilidade que é receber e encaminhar os corações que lhe batem à porta, famintos de luz e apoio.

Em verdade, em muitos casos, as agremiações espíritas têm “cumprido” o papel de lar e família de grande parte de seus frequentadores. A dor que apresentam como “cartão de visita” nas noites de reunião é apenas o resultado de um processo de anos de solidão, desamparo, falta de orientação e carência de afeto familiar e social, adoecendo, por fim, a vida afetiva do ser.

Abracemos cada “pedinte” como nosso filho ou irmão, e ofereçamo-lhe a oportunidade de integrar a nossa família espírita, fazendo parte da nossa família espiritual, refestelando-se conosco dos banquetes de luz e Amor que o Espiritismo nos propicia, fortalecendo-o para regressar mais animado e esperançoso em dias melhores junto aos seus.

Passemo-lo o nosso bem-estar, contando as histórias felizes que inclinaram-nos às diretrizes espíritas.

Os líderes espíritas, porque possuem aguçado senso crítico, quase sempre, destacam a precariedade em que se encontram muitos serviços doutrinários, e apontam mudanças necessárias, o que é muito justo. Não podemos deixar, por nossa vez, de atestar o valor que têm as atividades doutrinárias, mesmo nessas condições, em se considerando que, para a grande maioria dos que as integram, elas são fonte inexaurível de paz, amparo, orientação e disciplina, tendo em vista a escassez de recursos morais-espirituais de seus lares ou de outros ambientes de suas vivências atuais.

Recepciona-os, valorizando.

Atende-os, orientando.

Integra-os, promovendo.

Valorização, orientação e promoção constituem um programa educacional de amplas possibilidades, e quando conseguimos vencer tais etapas sob o amplexo do afeto fraternal, ensejamos aos novos trabalhadores a coragem para o recomeço, para o “batismo” de um novo homem, para “reencarnar na encarnação” retomando seu planejamento original antes de seu regresso ao corpo carnal, resgatando seus sonhos...

O passo inicial para a composição de grupos fraternais ocorre naquele momento da recepção amiga e terna. Ali deixamos a primeira impressão de nossa família, de nosso grupamento. Nesse instante, estamos confortando a dor do peito oprimido e a um só tempo cativando o desabrochar do futuro trabalhador. Os elos da confiança se estabelecem e, daí para a amizade, basta somente um gesto de ternura.

Receber bem no centro espírita é nossa obrigação como espíritas, faz parte da moral cristã de abraçar a todos como irmãos e amigos, e, sobretudo, é o dever de qualquer instituição que se digna a prestar serviços junto a sociedade.

Valorizar o atendido é exprimir afeto e confiança, o que valerá por mil palavras. Além do que, essa postura vai auxiliá-lo na autoconfiança em vencer suas mazelas que o levaram ao centro espírita.

Acolhido como ser pensante e com potencialidades a serem desenvolvidas, terá mais disposição para a sua própria transformação. Será então muito confortador e motivante saber que, mesmo suas experiências de vida mal sucedidas, seu conhecimento, suas parcas possibilidades, não lhe tornam indigno de contribuir e cooperar. Essa foi a plataforma educativa do Mestre Jesus, a pedagogia da esperança ante corações esfacelados pela volúpia do egoísmo e da derrocada moral.

Espontaneidade com moderação, preparo interior pela oração para espargir magnetismo salutar, conhecimento das necessidades alheias, disposição íntima de ser útil e servir, finura de trato, o sorriso afetuoso, são algumas das diretrizes dos recepcionistas fraternos.

O atendimento em nome do Amor será ministrado de conformidade com a necessidade. Evitar padronizações e chavões, procurar colocar o coração receptivo em estado de empatia, olhar as expressões verbais e físicas, procurar gravar as palavras que expressem os sentimentos da criatura para lhe conhecer os domínios do afeto, ajudar sem ilusões e imediatismos, ser claro no que a instituição poderá oferecer, estabelecer parcerias com organizações que possam atender outras necessidades do atendido, oferecer-lhe a luz dos conhecimentos espíritas no seu drama, eis alguns dos requisitos do atendimento fraternal.

Dessa forma a integração com os serviços será o natural reflexo do nível de melhora e envolvimento com os componentes da Casa. Quanto mais vínculos sólidos efetivarem-se nessa caminhada, desde o instante da chegada ao da melhora, mais interesse haverá do recém-atendido em manifestar desejo de cooperar, de realizar algo para auxiliar outros que como ele, agora, necessitam do amparo.

Recebendo com Amor, falamos do Evangelho.

Atendendo com carinho, divulgamos o Espiritismo.

Integrando com respeito, oferecemos à vida a chance de perpetuar o ciclo, multiplicando as fontes de doação.

O Codificador é de uma felicidade ímpar ao alertar para a necessidade de circunspecção na admissão de elementos novos na organização doutrinária, menos pelos receios de problemas e mais pelas necessidades do recém-chegado. Cremos que o trecho de Allan Kardec instrui-nos acerca da cautela em acolher bem, pois sabemos todos que parte das lutas enfrentadas pela instituição espírita, nos terrenos da convivência, advém da incapacidade de absorção consciente e responsável dos que passam a integrar seus quadros de serviço, sem receberem o preparo e a orientação precisa sobre a nova senda de experiências a que se engajaram.

Quanto melhor a acolhida, melhor será a integração, mais plena de consciência individual quanto aos novéis deveres assumidos, trazendo por consequência frutos mais valorosos e alegrias para todos.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Amor e Alteridade

Livro: LAÇOS DE AFETO
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

SEGUNDA PARTE
Caminhos do Amor na Convivência

Capítulo 3

“As reuniões Espíritas oferecem grandíssimas vantagens, por permitirem que os que nelas tomam parte se esclareçam, mediante a permuta das ideias, pelas questões e observações que se façam, das quais todos aproveitam. Mas, para que produzam todos os frutos desejáveis, requerem condições especiais, que vamos examinar, porquanto erraria quem as comparasse às reuniões ordinárias.”

O Livro dos Médiuns - Capítulo 29 - Item 324

O episódio cristão da traição de Judas encerra infindáveis leituras e lições às nossas considerações.

Jesus sabia que o fato ocorreria, mas nem por isso tomou uma atitude excludente. Mesmo sabendo da diferente postura do apóstolo, manteve-se firme nos ideais de amá-lo incondicionalmente na sua peculiar diferença.

Isso é alteridade: o estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes, a capacidade de conviver bem com a diferença da qual o “outro” é portador.

A ética da alteridade consiste basicamente em saber lidar com o “outro”, entendido aqui não apenas como o próximo ou outra pessoa, mas, além disso, como o diferente, o oposto, o distinto, o incomum ao mundo dos nossos sentidos pessoais, o desigual, que na sua realidade deve ser respeitado como é e como está, sem indiferença ou descaso, repulsa ou exclusão, em razão de suas particularidades. 

Alteridade, portanto, torna-se aprendizado urgente para o futuro de nosso Movimento Social Espírita, considerando o lamentável processo de exclusão que vem ocorrendo na surdina das fileiras de serviço cristão e espírita, em função de uma homogeneidade utópica.

Conviver com os contrários e aprender a amá-los na sua diversidade constitui desafio ético aos grupamentos espiritistas no campo da alteridade, mesmo porque o mastro da nova revelação cristã preconiza a fraternidade como postura de base para relações pacíficas e mantenedoras do idealismo superior, em direção às clareiras de necessidades do homem do terceiro milênio.

A inclusão, em nome do Amor, é ação moral para nossa convivência, sem o que não faremos a dolorosa e imprescindível cirurgia de extirpação da egolatria, tão comum a todos nós — almas com pequenas aquisições nos valores essenciais da espiritualização.

Diferenças não são defeitos ou álibis para que decretemos o sectarismo e a indiferença, somente porque não compreendemos o papel dos diferentes na  engrenagem da vida, executando uma “missão específica” que, quase sempre, só conseguiremos entender quando, decididamente, vencermos as etapas do processo de construção da alteridade.

Sem deixar de considerar as inúmeras variações que resultam das peculiaridades individuais, apresentemos algumas dessas etapas na caracterização do processo alteritário, tais como:

CONHECER A DIFERENÇA — é a fase de acolhimento do “outro”, despindo-se de preconceitos e “estereótipos éticos” pré-formulados, guardando abertura de afeto ao diferente e à sua diferença.

COMPREENDER A DIFERENÇA — criação de avaliações parciais, não definitivas, que favoreçam a análise desse “outro”, buscando entender-lhe as razões, estudar-lhe os motivos até penetrarmos na essência de seu “ser”, compreendendo-o pela apreensão do “sentido” que ele tem para Deus, seu papel cooperativo no universo.

APRENDER COM A DIFERENÇA — é uma fase que une e permite acessibilidade mútua, receptividade aos sentidos do “outro”; propicia uma relação de aprendizado e o elastecimento de noções sobre como a diversidade do outro pode nos ensinar algo, buscando, se possível, aprender a amá-lo na sua  particularidade.

Fácil concluir, portanto, que alteridade pode estar presente nos atos de solidariedade, empatia e respeito nas relações em sociedade, sem que, necessariamente, o Amor legítimo esteja na base de tais atitudes. Por outro lado o Amor é sempre rico de alteridade e não existe sem ela.

A faina doutrinária conduz-nos a contínuos relacionamentos com companheiros de entendimentos diversos e, inclusive, oponentes como ocorre na vida social, embora não devam as reuniões espíritas tornarem-se assembleias ordinárias, aderindo a relações de insana competição ou de cruel indiferença.

O processo de alteridade será valioso nas interações entre companheiros de ideal e ocasionará, parafraseando o Codificador, “grandíssimas vantagens”.

Investir no entendimento de semelhante questão auxiliar-nos-á a estabelecer uma autossondagem frente aos testemunhos da vida relacional, investigando em nós mesmos, a partir dos atritos e desencontros com o “outro”, as causas reais dos sentimentos que se assomaram no caleidoscópio do mundo emocional, efetuando uma viagem segura a um “outro diferente”, ainda não dominado e também desconhecido que reside em nossa intimidade.

Esse “outro diferente” é o “eu Divino” que resgataremos no aprendizado do autoamor, possibilitando-nos, a partir dessa conquista, excursionarmos ao mundo alheio, sem tisnar com as sombras do primarismo moral os elos de Amor que devemos entreter com todos e com tudo, em favor do soerguimento de um mundo melhor e com mais paz, uns perante os outros.

Não olvidemos, portanto, laborar por mais sólida preparação ética em nossos conjuntos doutrinários, tratando das temáticas que versem sobre a edificação de relacionamentos consistentes, com alteridade, estudando o significado de compreender e aceitar, reflexionando com demora no que seja saber criticar e discordar sem inimizade, sem oposição sistemática e dissidência declarada, sabendo discordar sem amar menos, apesar de pensar diversamente.

Mesmo que nos agastemos inicialmente pela ausência do hábito de conviver harmoniosamente com conflitos e tribulações da vida interpessoal, anelemos por novos comportamentos repletos de Amor e alteridade, aprendendo a maleabilidade, o altruísmo, a assertividade, o domínio emocional e os imperativos de vigilância sobre os impulsos menos bons, que serão promissoras sendas na conquista da ética da alteridade.

Evidentemente, não fazemos apologia ao convívio no círculo estreito de desafetos, em climas adversos; privilegiemos os afins como quesito fundamental ao bom andamento dos compromissos assumidos, aprendendo que afinidades são “lembretes” de Deus, a fim de não esquecermos o desejo de amar, e estímulos para a alegria da amizade.

Contudo, não desconsideremos que o aprendizado do Amor autêntico, a sedimentação da conduta amorosa é arregimentada na “fusão” relacional com os menos afins, os que não nos atraem, com os quais superaremos, paulatinamente, pesada fortaleza de entraves emocionais, libertando-nos para voos mais amplos pelos céus universais pulsantes de Amor Divino, na vitória sobre o egoísmo que ainda nos aprisiona.

* * * *

Amigo dirigente,

A responsabilidade que te cabe junto aos ofícios doutrinários é de inestimável valor.

Difundir esperança, promoção humana, delegação de responsabilidades e estímulo para viver são alguns dos inúmeros deveres a ti confiados, quando assumes os postos da direção espírita.

Pensa e medita em teus desafios.

Estás no cargo que te “onerará” com graves ocorrências na medida das tuas necessidades de aprendizado.

Não fujas da ocasião e faze o melhor que puderes.

Nos terrenos do afeto com aqueles que te rodeiam, vigia tuas manifestações de carinho e atenção avaliando os efeitos de tuas ações, continuadamente.

Alteridade para ti será o desafio de aceitares cada pessoa em tua experiência evolutiva, auxiliando-a a crescer e se libertar.

Se guardares contigo os preconceitos e estereótipos, ainda que manifestes afeto e reconhecimento aos que te rodeiam, certamente obliterarás o ciclo espontâneo das relações que devem vigorar em teus ambientes de esforço. As pessoas à tua volta nem sempre saberão traduzir a linguagem universal dos sentimentos que as envolvem, perceberão, porém, o “hiato”, a reserva com que são tratadas...

Afeto para ser Divino precisa ser espontâneo, autêntico, natural.

Se guardas dificuldades em entender esse ou aquele companheiro, se não admites determinadas expressões comportamentais que diferenciam de tua formação doutrinária, se não compreendes determinadas ideias que a ti parecem desconexas da proposta espírita, tenha muito discernimento para que não te aprisiones aos grilhões do personalismo que subtrai-te a alteridade, a capacidade de entendimento com o outro.

Os dirigentes espíritas conscientes na atualidade precisarão de muita alteridade para cumprir sua missão a contento.

Razão pela qual, mais que nunca, aprendas o que seja promover e delegar, a fim de permitires aos que te cruzam as vivências encontrarem o quanto antes, com o preparo elementar, os caminhos adequados de crescimento que nem sempre serão ao teu lado.

Liberta-te da ideia de uniformidade e ajuda cada qual a descobrir o seu caminho para Deus, sem jamais esquecer que cada criatura tem o seu Roteiro Divino.