terça-feira, 29 de outubro de 2019

Mereça Ser Feliz - Prefácio

Livro: Mereça Ser Feliz
Autora Espiritual: Ermance Dufaux


... "o Reino de Deus não vem com aparência exterior." Lc, 17:20

Estamos informados que todos merecemos a felicidade. Porém, nem todos possuímos na intimidade a crença de que a merecemos.

Para gozar do direito natural de ser feliz não basta simplesmente cumprir com algumas receitas de conduta, como se fossem fórmulas prontas para êxito imediato. Merecimento é um estado afetivo a ser conquistado, um sentimento sem o qual permanecemos reféns da tirania da culpa e do medo. Merecimento é a liberdade conferida pela consciência para o florescimento de elevados recursos interiores; é resultante do esforço de aperfeiçoamento espiritual, constituindo vigoroso campo de atração para o recolhimento da "boa parte" da vida; é o estado íntimo que só começaremos a sintonizar quando passarmos a ouvir a sublime melodia da consciência em substituição ao valor que damos à gritaria do ego.

As concepções humanas, quase sempre, interpretam felicidade como sorte ou "escolha divina" buscando-a através de "fórmulas mágicas" de imediatismo. Diante desse quadro, torna-se imperiosa a necessidade de redefinir seu conceito à luz da espiritualidade, estudando os caminhos para readquirirmos a condição de paz da qual deliberadamente nos afastamos em milênios de experiências no terreno das aparências insufladas pelo orgulho. Prepondera na Terra uma falsa noção de felicidade através da satisfação de carências estimuladas pelas ilusões da vida moderna, enquanto felicidade é conquista de valores inalienáveis e realização existencial. Não basta viver, temos que existir, ser. A auto-realização legítima nem sempre é aquilo que desejamos para nossas vidas. A cultura humana de ajustar anseios pessoais aos padrões coletivos da sociedade tem constituído campo de revolta e desânimo para muitas criaturas.

O oposto da felicidade não é a tristeza, é a insatisfação. A insatisfação humana ocorre porque as criaturas estão vivendo, mas não sabem existir. A tristeza é emoção, pode ser passageira; todavia a insatisfação é estado, resultado de uma enorme sequência de insucessos, más escolhas que levam o homem a sucumbir e vagar nos caminhos da "porta larga" sob os convites das futilidades mundanas.

O importante é ser, existir, plenificar-se para passarmos pela vida sem deixar que ela passe por nós, ser "proprietários do destino", merecer a liberdade. Entretanto, para nós, os calcetas das reencarnações, essa alforria tem um preço: a educação nos roteiros do amor.

À luz da sabedoria espiritual, satisfação individual decorre da plena identificação com as linhas mestras do projeto reencarnatório que antecede o retorno do Espírito ao corpo físico, cujo objetivo prioritário é colocá-lo em melhores condições ante o infalível tribunal da consciência. Portanto, ser feliz é uma questão de afinar as atitudes e sentimentos com esse "plano de espiritualização", somente possível pelo "reencontro" com a Verdade sobre nós mesmos. Esse reencontro com o "Eu Divino" é o resgate da consciência lúcida, é a conscientização, é o preço que se paga para ser feliz.

O centro espírita, nesse panorama social de deseducação para a conquista da plenitude, tem um relevante papel por ensejar um entendimento mais amplo sobre como efetuar esse reencontro conosco próprio, em regime de paz e esperança.

Especialmente os espíritas, depositários do inesgotável tesouro do Espiritismo, carecem avaliar com urgência e humildade os assuntos aqui considerados, tendo em vista o número cada vez maior de corações afins no ideal que carregam para cá, na vida extrafísica, exageradas expectativas de salvação e elevação em razão de movimentações de superfície nos compromissos junto à abençoada seara espiritista. E, para aqueles outros que realmente se comprometeram com a mudança de si mesmos, nossas análises podem lhes abrir uma visão mais ampla dos mecanismos sutis da vida íntima, favorecendo o domínio sobre "forças ignoradas" na direção da harmonia definitiva.

Um desafio urgente nos espera nas tarefas de amor às quais nos matriculamos em serviço pela felicidade alheia: descobrir como operar também a nossa felicidade pessoal para que o desânimo e as distrações do caminho não nos enganem com os apelos de deserção e cansaço - atitudes comuns em servidores valorosos, porém, invigilantes e menos abnegados.

Apesar da lógica dos conhecimentos espíritas, muitos corações idealistas e generosos, iludidos por si mesmos, optam por suporem-se grandiosos e livres do laborioso dever da renovação de suas atitudes somente porque adornam-se com títulos, que causam a sensação de "evolução realizada" tais como os médiuns, doutrinadores, palestrantes, dirigentes, escritores e tarefeiros de diversos gêneros.

O objetivo da obra Mereça ser Feliz, prosseguindo a série Harmonia Interior, é ajudar a pensar alguns caminhos para esse auto-enfrentamento. Nada mais fizemos que oferecer reflexões para incursões no desconhecido mundo de nós próprios. Enfoques diferentes para velhos temas morais no intuito de facilitar o entendimento e avaliação que, habitualmente, assinalamos distante e fora de nós. Nossos enfoques nada possuem de definitivos ou conclusivos. O debate saudável e as investigações sérias, entre todos aqueles que almejam a melhoria espiritual, poderão acrescer-lhes vastos horizontes de entendimento.

Portanto, nossa esperança repousa, tão somente, em oferecer aos amigos reencarnados uma pequenina fresta pela qual se possa vislumbrar um pouco mais sobre a realidade evolutiva eivada de necessidades das quais ainda somos portadores. Sem nos darmos conta da extensão dessa realidade, continuaremos iludidos sob a hipnose do orgulho, acreditando em virtudes que ainda não conquistamos, acalentando anseios e júbilos dos quais ainda não nos fizemos credores, vindo a tombar, após a morte, no reino da decepção e do queixume tão pertinentes àqueles que vislumbram as verdades espíritas, mas que esperam mais do que merecem na imortalidade.

Por que esperar a morte para enxergar e mudar o que se pode e deve ser burilado em plena romagem terrena? Por que esperar a vida espiritual para olhar no espelho da consciência e mirar a autêntica criatura que não se quer perceber na intimidade?

As anotações desse volume despretensioso foram inspiradas num curso de vinte dias que realizamos no Hospital Esperança (1), sob a direção de Eurípedes Barsanulfo. O amado benfeitor, utilizando-se do versículo acima, reuniu uma centena de almas que cooperam ativamente no labor da psicografia junto ao movimento espírita, concedendo-nos a alegria de compartilhar de sua venerável bagagem em admiráveis e inesquecíveis lições de vida, enfocando o orgulho como o principal obstáculo para a aquisição do contentamento eterno e da paz íntima. O benfeitor fez inspiradas análises sobre suas causas, seus efeitos e conduziu sempre nossos raciocínios e sentimentos ao imperativo da humildade como quesito primordial para a instauração do Reino de Deus no altar íntimo da consciência.

Fazemos um caminho de volta ao Pai. Somos os "Filhos Pródigos" que constroem sendas de libertação e aprimoramento, sendo exigido muito esforço e vontade nesse doloroso retorno. Entretanto nunca desistamos de ser feliz. Fomos criados para esse Alvo Divino. Acreditemos e sigamos com a certeza que pagar o preço do sacrifício pelo triunfo da paz interior é fonte de luz em qualquer tempo da vida.

Indubitavelmente, a sábia colocação de Jesus ao destacar o Reinado de Deus distante das aparências exteriores é, sobretudo, oportuna indicação inclinando-nos a deduzir que de ninguém dependemos para alcançarmos a plenitude da felicidade, a não ser de nós próprios.

Trabalhemos com afinco por merecê-la e façamos o bem pelo próximo, mas, igualmente, o façamos em nosso favor aprendendo a ser boas companhias para nós mesmos através de uma convivência pacífica e gratificante.

Lutemos pela nossa felicidade, mesmo que, por enquanto, no quadro escuro das provas, ser feliz seja apenas viver um pouco melhor hoje do que ontem.

Esperançosa em ter contribuído palidamente para vê-los felizes, desejamos aos nossos leitores e amigos votos de paz e bom proveito em nossas singelas reflexões.

Ermance Dufaux
11 de fevereiro de 2002


1. Obra de amor fundada por Eurípedes Barsanulfo na vida espiritual.

Nota do médium:
Durante o período de psicografia dessa obra, a autora espiritual citou inúmeras vezes o estudo realizado por Allan Kardec como título "O Egoísmo e o Orgulho" em "Obras Póstumas", primeira parte. Segundo Ermance Dufaux, é uma das mais completas abordagens sobre o tema em toda a literatura espírita até o presente momento. Compartilhamos esta informação no intuito de oferecer mais subsídios em torno do tema desenvolvido em Mereça ser Feliz.