quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Identidade Cósmica

Escutando Sentimentos - Capítulo 6


"E aqui está o segundo que é semelhante ao primeiro: Amarás o teu próximo, como a ti mesmo."

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 15 - Item 4

Chamamos de atitude amorosa o tratamento benevolente com nosso íntimo através da criação de um relacionamento pacífico com as imperfeições. Desenvolver habilidades benevolentes para consigo é a base da vida saudável e o ponto de partida para o crescimento em harmonia.

Amar a si mesmo é o cerne da proposta educativa do Ser na fieira das reencarnações. O aprendizado do auto-amor tem como requisito essencial a descoberta de nossa "identidade cósmica", ou seja, a realidade do que somos na Obra Incomensurável do Pai, nossa singularidade. A singularidade é a "Marca de Deus" que define nossa história real no trajeto da evolução. É como o Pai nos "conclama" ser na Sua Criação.

Importante frisar que a singularidade é o conjunto de caracteres morais e espirituais peculiares à criatura única que somos. Nela se incluem também as mazelas cujos princípios foram colocados no homem para o bem, conforme acentuam os Sábios e Orientadores da codificação (1).

Quando rejeitamos alguns aspectos dessa "identidade exclusiva", nasce o conflito, que é a tormenta interior da alma convocada a transformar para melhor sua condição individual. O Doutor Carl Gustav Jung definiu esse movimento da vida mental como sendo individuação, isto é, viver em busca da individualidade, do Si Mesmo. Não se trata de viver o individualismo, o personalismo, mas aprender a ser, permitindo a expressão de suas características divinas latentes e de sua sombra sem as máscaras sociais. Individuação vem do latim individuus cujo sentido é "indiviso", "inteiro".

O progresso pessoal de cada um de nós é a arte de saber integrar os "fragmentos" da vida íntima, harmonizando-os para que reflitam as leis naturais de cooperação, trabalho e liberdade.

Somente vibrando na frequência do amor, esse movimento educativo da alma plenifica-se sem a angústia e o martírio - patrocinadores de longas e dolorosas crises nesse caminhar evolutivo. A convivência compassiva com nossa sombra só será possível com aceitação de nossa "identidade cósmica". Aceitar os nossos sentimentos, desejos, ações, impulsos e pensamentos. Aceitar é entrar em contato sem reprimir. Criar uma conexão sem julgamento e condenação. Aceitação não significa acomodação ou adesão passiva, mas entender, investigar e redirecionar esse patrimônio sem rigidez e desamor. É cuidar bem de si mesmo com ternura e respeito ao patrimônio adquirido, incluindo os maus pendores. Aceitação é a maneira carinhosa de tratar nossa intimidade, sem rivalidade.

Aceitar-se é confundido com passividade, irresponsabilidade. O conceito é exatamente o inverso, pois quando eu aceito as coisas como são, resgato minha força e poder transformador.

Se nós não nos aceitamos, magoamos a nós mesmos, por isso o auto-amor é também autoperdão. Perdoar é ter uma atitude de compaixão que nos distancie dos julgamentos e críticas severas e inflexíveis.

O remédio será aprender a amar a vida que temos, o que somos, o que detemos e viver um dia após o outro, cultivando na intimidade a certeza de que o percurso que fizemos deve ser visto como o melhor e mais proveitoso às necessidades que carregamos. É a nossa "marca personalizada" na Obra da Criação pela qual devemos responder com siso moral.

Certamente as Leis Divinas, a todo instante, conspiram para que afinemos essa singularidade com a "Freqüência de Deus", sempre elevando-nos e progredindo. A proposta do auto-amor, impele-nos, sobretudo, a conhecer nosso ritmo evolutivo, nossa capacidade pessoal de ajustarmo-nos a essa melodia universal.

Ninguém consegue ultrapassar seus limites pessoais de uma para outra hora. A palavra limite quer dizer o "ponto máximo". Em termos espirituais, só daremos conta daquilo que podemos. Nem mais nem menos. O martírio representa alguém querendo dar além do que consegue, idealizando caminhos, cobrando de si o impossível. Uma postura de inaceitação de sua condição íntima, gerando insatisfações e desequilíbrios.

Quando não amamos a nós mesmos, vivemos à mercê da influência dos palpites e reprimendas. A aprovação alheia é mais importante que a aprovação interior. Nessa situação escasseiam estima e confiança a si próprio, que impossibilitam a expressão da condição particular. Assim sentimo-nos prisioneiros adotando máscaras com as quais procuramos evitar a rejeição social, fazendo-nos infelizes e revoltados.

Ninguém pode definir para nós "o quanto ou o como deveríamos". Podemos ouvir opiniões e conselhos, corretivos e advertências, porém, o exercício do auto-amor nos ensinará a tirar de cada situação aquilo que, de fato, nos será útil ao crescimento. Cada pessoa ou situação de nossas vidas é como o cinzel que auxiliará a esculpir a obra incomparável da ascensão particular. Mas recordemos: apenas um cinzel! Apenas instrumentos! Pois a tarefa intransferível de talhar é com cada um de nós, escultores da individuação.

Quem se ama, imuniza-se contra as mágoas, guarda serenidade perante acusações, desapega-se da exterioridade como condição para o bem-estar, foca as soluções e valores, cultiva indulgência com o semelhante, tem prazer de viver e colabora espontaneamente com o bem de todos e de tudo.

Por longo tempo ainda exercitaremos esse amor a nós mesmos, alfabetizando nossas habilidades emocionais para um relacionamento intrapessoal fraterno, equilibrado. A primeira condição para nos engajarmos na Lei do Amor é essa caridade conosco, o encontro do self divino, sem o qual ficaremos desnorteados no labirinto das experiências diárias, à mercê de pessoas e fatos, adiando o Instante Celeste de sintonizar nossos passos com a paz interior que todos, afanosamente, estamos perseguindo.

1. O Livro dos Espíritos - Questão 907.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Estufas Psíquicas da Depressão

Escutando Sentimentos - Capítulo 5


"Apenas, Deus, em sua misericórdia infinita, vos pôs no fundo do coração uma sentinela vigilante, que se chama consciência. Escutai-a, que somente bons conselhos ela vos dará. As vezes, conseguis entorpecê-la, opondo-lhe o espírito do mal. Ela, então, se cala." 
Um Espírito protetor (Lião, 1860).

O Evangelho Segundo o Espiritismo - capítulo 13 - Item 1

Depressão é uma intimação das Leis da Vida convocando a alma a mudanças inadiáveis. É a "doença-prisão" que caça a liberdade da criatura rebelde, viciada em ter seus caprichos atendidos. Vício sedimentado em milênios de orgulho e rebeldia por não aceitar as frustrações do ato de viver. Em tese, depressão é a reação da alma que não aceitou sua realidade pessoal como ela é, estabelecendo um desajuste interior que a incapacita para viver plenamente.

Desde as crises ocasionais da depressão reativa até os quadros mais severos que avançam aos sombrios labirintos da psicose, encontramos no cerne da enfermidade o Espírito, recusando os alvitres da vida. Através das reações demonstra sua insatisfação em concordar com a Vontade Divina, acerca de Seus Desígnios, em flagrante desajuste. Rebela-se ante a morte e a perda, a mudança e o desgosto, a decepção e os desafios do caminho, criando um litígio com Deus, lançando a si mesmo nos leitos amargos da inconformação e da revolta, do ódio e da insanidade, da apatia e do sofrimento moral.

Neste momento de transição em que os avanços científicos a classificam dentro de limites e códigos, é necessário ampliar a lente das investigações para analisá-la como estado interior de inadequação com a vida, que limita o Espírito para plenificar-se, existir, ser em plenitude. Seu traço psíquico predominante é a diminuição ou ausência de prazer em quaisquer níveis que se manifeste. Portanto, dilatando as classificações dos respeitáveis códigos humanos, vamos conceituá-la como sendo o sofrimento moral capaz de reduzir ou retirar a alegria de viver.

Sob enfoque espiritual, estar deprimido é um estado de insatisfação crônica, não necessariamente incapacitante. As mais graves psicoses nasceram através de "filetes de loucura controlada" que roubam do ser humano a alegria de continuar sua marcha, de cultivar sonhos e lutas pelos ideais de sobrevivência básica. Nessa ótica, tomemos alguns exemplos para ilustrar nosso enfoque de depressão à luz do Espírito imortal em condutas rotineiras:

·        O desânimo no cumprimento do dever.

·        A insegurança obsessiva.

·        A ansiedade inexplicável.

·        A solidão em grupo.

·        A impotência perante o convite das escolhas.

·        A angústia da melhora.

·        A aterrorizante sensação de abandono.

·        Sentir-se inútil.

·        Baixa tolerância às frustrações.

·        O desencanto com os amigos.

·        Medo da vulnerabilidade.

·        A descrença no ato de viver.

·        O hábito sistemático da queixa improdutiva.

·       A revolta com normas coletivas para o bem de todos.

·        A indisposição de conviver com os diferentes.

·        A relação de insatisfação com o corpo.

·        O apego aos fatos passados.

·        O sentimento de menos-valia perante o mundo.

·    O descaso com os conflitos, a negação dos sentimentos.

·        A inveja do sucesso alheio.

·        A desistência de ser feliz.

·        A decisão de não perdoar.

·        A inconformação perante as perdas.

·        Fixação obstinada nos pontos de vista.

·        O desamor aos que nos prejudicam.

·      O cultivo do personalismo - a exacerbada importância pessoal.

·        O gerenciamento ineficaz da culpa.

·        As aflições-fantasma com o futuro.

·        A tormenta de ser rejeitado.

·        As agruras perante as críticas.

·        Rigidez nas atitudes e nos objetivos.

·        Conduta perfeccionista.

·        Sinergia com o pessimismo.

·        Impulso para desistir dos compromissos.

·        Pulsão para controlar a vida.

·        Irritabilidade sem causas conhecidas.


Todas essas ações ou sentimentos são sinais de depressão na alma, porque criam ou refletem um desajuste da criatura com a existência, levando-a, paulatinamente, a roubar de si mesma a energia da vida. São rejeições à Sábia e Justa Vontade Divina - excelsa expressão do bem em nosso favor nas ocorrências de cada dia.

Bilhões e bilhões de homens, na vida física e extrafísica, estão deprimidos ou constroem "estufas psíquicas" para futuras depressões reconhecidas pela ótica clínica. Arrastam-se entre a animalidade e o mundo racional. Lutam para se livrar da pesada crisálida magnética dos instintos e assumir sua gloriosa condição de filhos de Deus e cocriadores na Obra Paternal. Vivem, mas não sabem existir. Perambulam, quase sempre, na alegria de possuir e raramente alcançam o prazer de ser. Ora escravos das lembranças do passado, ora atormentados pelo medo do futuro. Jornadeiam sob os grilhões do ego recusando os apelos do self.

Esse conceito maleável da doença explica o lamentável estado de inquietude interior que assola a humanidade. É a "algazarra do ego" criando mecanismos para continuar seu reinado de ilusões, obstruindo os clarões de serenidade e saúde imanentes do self - a vontade lúcida do Espírito em busca da liberdade.

Devido aos programas coletivos de saneamento psíquico da Terra orientados pelo Mais Alto, vivemos um momento histórico. Nunca foram alcançados índices tão significativos de resgate e socorro nos atoleiros morais da erraticidade. Consequentemente, eleva-se o número de corações que regressam ao corpo carnal sob custódia do remorso. Esse estado psíquico responde pelo crescimento dos episódios depressivos. Seria trágico esse fenômeno social se deixássemos de considerá-lo como indício de mudança nos refolhos da alma. Conquanto não signifique libertação e paz, coloca a criatura a caminho dos primeiros lampejos de consciência lúcida.

O planeta em todas as latitudes experimentará uma longa noite de dores psicológicas, em cujo bojo despontará um homem novo e melhorado em busca dos Tesouros Sublimes, ainda desconhecidos em sua intimidade.

Ao formularmos esse foco para a depressão, nossa intenção é estimular a medicina preventiva centrada no Espírito imortal e na educação. É assustador o índice de deprimidos segundo a sintomatologia oficial, no entanto, infinitamente maior é o número daqueles que cultivam, em regime de cultura mental, os embriões de futuros episódios psiquiátricos depressivos.

A solução vem da própria mente. A terapêutica está no imo da criatura. Aprender a ouvir os ditames da consciência: eis o que pouco fazem quando se encontram sob sansão da depressão. Esse é o estado denominado "consciência tranquila", ou seja, quando o self supera as tormentas da culpa e do medo, da ansiedade e do instinto de posse. Aprendendo a arte de ouvir esse guia infalível, a criatura caminha para o sossego íntimo, a serenidade, a plenitude, a alegria.

A saúde decorre de uma relação sinérgica com o self. Dele partem as forças capazes de estabelecer o clima da alegria de ser. Do self procede a energia da vida, o tônus que permite a criatura ampliar seu raio de interação com a natureza - outra fonte de vida -, expressão celeste de Deus no universo. A depressão é ausência dessa energia de base, dessa força de vitalidade e saúde, ensejando a defasagem, o esgotamento. A ausência de contato com o amor - Lei universal de vida e saúde integral - responde pelos reflexos da "morte interior".

Nos apelos da consciência encontraremos o receituário para a liberdade e a paz, o equilíbrio e o progresso.

A ingestão dessa medicação amarga será uma batalha sem tréguas, porque aderir aos ditames conscienciais significa, antes de tudo, deixar de desejar o que se quer para fazer o que se deve. Nessa escola de novas aprendizagens, a alma fará cursos intensivos de novos costumes emoções através do aprendizado de olhar para si.

A ausência de uma percepção muito nítida das nossas reais necessidades interiores leva-nos à busca do prazer estereotipado, aquele que a maioria procura para preencher o "vazio", e não para viver criativamente em paz. Depois vem a culpa e outras manifestações de dor. O prazer real é somente aquele que nos equilibra e preenche sem sofrimentos posteriores.

Somente estando identificados com os "recados do self", construiremos uma vida criativa, adequada ao caminho individual. Jung chamou esse processo de individuação. Descobrir nossa singularidade, saber vivê-la sem afronta ao meio e colocá-la a serviço do bem, essas as etapas do crescimento sistêmico, integrado com o próximo, a vida e a natureza. Individuação só será possível acolhendo a sombra do inconsciente através dos "braços do ego", entregando-a à "inteligência espiritual" do selfpara transformá-la em luz e erguimento conforme as aspirações do Espírito.

Depressão - condição mental da alma que começa a resgatar o encontro com a verdade sobre si mesma depois de milênios nos labirintos da ilusão.

"A felicidade terrestre é relativa à posição de cada um. O que basta para a felicidade de um, constitui a desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de felicidade comum a todos os homens?"

"Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à vida moral, a consciência tranquila e a fé no futuro" (1).

Consciência tranquila e prazer de viver, a maior conquista das pessoas livres e felizes.

1. O Livro dos Espíritos - questão 922.