segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A Rota dos Filhos Pródigos

Escutando Sentimentos - Introdução

Por CALDERARO (1)

"Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés. As provas rudes, ouvi-me bem, são quase sempre indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando aceitas com o pensamento em Deus".
Santo Agostinho, Paris, 1862.

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 14 - Item 9

Os terapeutas e voluntários dispostos a servirem ao próximo na tarefa de amor e recuperação espiritual não podem dispensar uma análise cuidadosa da passagem evangélica do Filho Pródigo, constante no Evangelho de Lucas, capítulo quinze, versículos onze a trinta e dois. Essa mensagem evangélica é a história da peregrinação humana ao longo dos evos. A história de nosso caminhar pela conquista da humanização.

Consideremos o egoísmo como a doença original do Ser. Ninguém escapou de experimentá-lo na espiral do crescimento. Até certa etapa, foi impulso para frente. Depois, quando a racionalidade permitiu a capacidade de escolher, tornou-se a matriz nosológica das dores humanas, transformando-se no hábito doentio de atender aos caprichos pessoais.

A "centralidade" do homem no ego estruturou a arrogância - sentimento de exagerada importância pessoal. Perdemos o contato com a fonte inexaurível da vida - o "self Divino" - e passamos a peregrinar sob a escravidão do "eu". O resultado mais infeliz desse caminhar "apartado de Deus" foi uma terrível sensação de abandono e inferioridade. O ato de arrogar constituiu, pois, a proteção instintiva da alma contra a sensação de menos-valia. Esse foi seu primeiro passo no processo evolutivo em direção à ilusão, ou seja, a criação de uma imagem idealizada - um mecanismo de defesa para não desistir -, que fixou a vida mental em noções delirantes sobre si mesma. Assim nasceram no tempo as "matrizes psíquicas" das mais graves patologias mentais.

Essa auto-imagem é o "delírio-primitivo", um recurso que, paulatinamente, a consciência foi "obrigada" a construir no conjunto das percepções de si mesma para se defender da sensação de indignidade perante a vida.

Nessa ótica podemos pensar em psicopatologias como uma recusa em ser humano, uma desobediência por não querer assumir o que se é na caminhada do progresso. Tornar-se humano significa assumir sua pequenez no todo universal, ter consciência da cruel sensação de "desconexão" com o Criador e do que realmente representamos no contexto do bailado cósmico. Mas também significa assumir-se como "Filho de Deus", um Filho Pródigo de heranças excelsas que precisa descobri-las por si próprio e adquirir o título de "Herdeiro em Sua Obra". Isso exige trabalho, dinamismo, ação e responsabilidade.

Portanto, a velha questão filosófica da realidade é mais velha que se imagina. Fragmentação psíquica não se restringe apenas ao resultado de desajustes ou traumas. Existe um desajuste original, um "gatilho milenar" dos processos psíquicos do Espírito, agravados pelas sistemáticas recusas em admitir a realidade íntima no peregrinar das reencarnações.

Esse mecanismo defensivo primitivo foi trazido para a Terra por almas desobedientes que o consolidaram em outros orbes. As noções de abandono e castigo trazidas com os deportados incitaram os habitantes singelos da Terra a imitarem as atitudes de rebeldia, orgulho, revolta e desvalor. Analisar o adoecimento psíquico sem essa anamnese ontológico-espiritual é desconsiderar a causa profunda das enfermidades sob a perspectiva sistêmica da evolução.

Algumas patologias constitucionais, endógenas, encontram explicações ricas na compreensão das histórias longínquas da deportação. Isso não é uma hipótese tão distante quanto se imagina, porque os efeitos dessa história milenar são ativos e determinantes na atualidade em bilhões de criaturas atormentadas e enfermas. O "desajuste primário", a dificuldade em aceitar a realidade terrena, é fator patogênico de bilhões de almas reencarnadas e de mais um conjunto de bilhões de outras fora do corpo, formando uma "teia vibratória psicótica" no cinturão da psicosfera terrena. A energia emanada da sensação coletiva de inferioridade é uma força epidêmica que puxa o homem para trás e dificulta o avanço dos que anseiam pela ascensão.

O "tamponamento mental" na transmigração intermundos foi parcial. Os "símios psíquicos", quando fora do corpo pelo sono físico, tinham noções claras do sucedido, acendendo o destrutivo pavio da inconformação ao regressarem à carne, dilatando a sensação de prisão, ódio e rebeldia. O ato de rebelar-se passou a ser uma constante nas comunidades que se formaram. Estamos falando de um tempo aproximado de trinta a quarenta mil anos passados.

Surgem, nesse contexto emocional e psicológico, entre dez a vinte mil anos atrás, as primeiras manifestações de perfeccionismo - o anseio neurótico de resgate do perfeito dentro da concepção dos "anjos decaídos". Um litígio que essas almas deportadas assumiram com Deus para provarem a grandeza que supunham possuir.

Quando foi dinamizado o processo distônico? Na Terra? Fora dela? Ou teríamos também a hipótese de uma loucura aprendida? Que casos de patologias se enquadrariam no perfil psíquico dos que habitavam a Terra antes da vinda dos deportados? Que componentes nas doenças severas nos permitem analisá-las como rebeldia imitada ou rebeldia processual? Que natureza de obsessão envolve as patologias severas? Até onde e como a vivência do Espírito errante influencia nesse contexto?

Lançando o olhar para tão longe nas rotas de crescimento humano, fica mais permissível compreender a estreiteza dos conceitos de muitas correntes das ciências psíquicas, que esboçam uma valorosa cartografia da mente, porém, rudimentar, incompleta. Sem o estudo dos ascendentes espirituais, jamais teremos uma análise judiciosa das psicopatologias. Mormente dos casos raros e desafiantes que têm surgido na transição do planeta, cujo Código Internacional de Doenças é insuficiente para classificar.

Igualmente, é imperioso considerar a relação entre psicopatologia e erraticidade. Existem ignorados lances de dor e "morte psicológica" que são deflagrados em aglomerações subcrostais ou regiões abissais da Terra onde transita uma semicivilização de almas. Autênticos "símios psíquicos".

Em tempo algum, como atualmente, no orbe terreno, tivemos mais que 1/5 (um quinto) de sua população geral em processo de reencarnação. Reencarnar não é tão fácil quanto possa parecer. É oportunidade rara e "disputada". Cada história individual requer inúmeros quesitos para ser disponibilizada. Laços afetivos, urgência das necessidades sociais, natureza dos compromissos com os seres das regiões da maldade. Os pontos de análise que pesam para a possibilidade de um Espírito reencarnar são muito variados. Há corações que nesse trajeto de deportação, ou seja, nos últimos quarenta mil anos, estiveram no corpo menos de vinte vezes. O que significa afirmar que reencarnam aproximadamente de dois em dois mil anos. Outros não reencarnam há mais de dez mil anos.

Portanto, como analisar doenças mentais graves sem considerar que estagiamos na "vida dos Espíritos", pelo menos, dois terços do tempo da evolução, incluindo a emancipação pelos desdobramentos noturnos?! Como ignorar a decisiva influência das experiências da erraticidade? Enquanto os homens, à luz do Espiritismo, analisam a raiz de suas lutas íntimas, lançando o olhar para as vidas passadas, urge uma reflexão sobre a influência das experiências do Espírito errante.

Inúmeras almas já "renascem adoecidas", isto é, com os componentes psíquicos enfermiços em efervescência. Perdem o prazer de viver ou nunca o experimentam em decorrência da força dos laços que ainda mantêm com essas "regiões infernais" da erraticidade.

Assevera O Livro dos Espíritos na questão 975: "Para o Espírito errante, já não há véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade."

"Na erraticidade, o Espírito descortina, de um lado, todas as suas existências passadas; de outro, o futuro que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor que chega ao cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer, a fim de chegar ao fim da sua jornada."

Os profissionais da saúde mental e mesmo quantos sofrem o amargor do adoecimento psíquico necessitam aprofundar a sonda do conhecimento nessas desafiantes questões. Somente através de "laboratórios de amor" nos serviços de intercâmbios socorristas, realizados distantes de preconceitos e convenções, poderá o médico ou o pesquisador espírita deflagrar um leque imenso de observações e informações para auxiliar a humanidade cansada e oprimida.

Além dos reflexos que conduzem em si mesmos, os doentes mentais cujos quadros exibem componentes dessa natureza ainda sofrem de simbioses intrigantes e desconhecidas até mesmo pelos mais experientes doutrinadores.

A história da evolução da alma na humanidade é assunto de valor na erradicação dos mais variados problemas sociais. Já não basta mais uma análise perfunctória das lutas humanas. Imperioso que os corações mais comprometidos com a arte de amar, estando ou não sob a luz da ciência, lancem-se ao mister da "pesquisa fraterna" e da "investigação educativa", em atividades que transponham os limites institucionais do exercício mediúnico ou de terapias experimentais, no intuito de rasgarem véus.

Uma indagação do codificador na questão 973 de O Livro dos Espíritos merece análise na conclusão de nossos raciocínio:

"Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus se vêem sujeitos?"

"Não há descrição possível das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o que as sofre teria dificuldade em vos dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem remissão."

É por conta desse sentimento de condenação, incrustado no psiquismo desde tempos imemoriais, que a criatura, em tese, não consegue ou desconhece o prazer de viver, a saúde.

Possivelmente, a esmagadora maioria da população terrena, por essa razão, esteja situada psicologicamente na passagem do Filho Pródigo exatamente no versículo dezenove que diz:

"Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros".

A rota evolutiva dos Filhos Pródigos - que somos todos nós - é um percurso de esbanjamento psíquico através da atitude arrogante. Tal ação não poderia ser correspondida com outra sensação senão de vazio interior, cansaço de si e desvalimento, que são os elementos emocionais estruturadores da depressão - doença da alma ou estado afetivo de penúria e insatisfação. A terminologia contemporânea que melhor define esse "caos sentimental" é a baixa auto-estima, quadro psicológico que nos enseja ampliar ostensivamente os limites conceituais dos episódios depressivos, sob enfoque do Espírito imortal.

Nesta hora grave pela qual passa a Terra, um destrutivo sentimento de indignidade aninha-se na vida psicológica dos homens. Raríssimos corações escapam dos efeitos de semelhante tragédia espiritual, causadora de feridas diversas. Uma dolorosa sensação de inadequação e desvalor pessoal assoma o campo das emoções com efeitos lastimáveis. Abandono, carência, solidão, sensação de fracasso e diversos tormentos da mente agrupam-se na construção de complexos psíquicos de desamor e adversidade consigo próprio.

Salienta Santo Agostinho: Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés.

Imprescindível atestar que nossa trajetória eivada de quedas e erros não retirou de nenhum de nós a excelsa condição de Filhos de Deus. A Celeste Bondade do Mais Alto, mesmo ciente de nossas mazelas, conferiu-nos a bênção da reencarnação com enobrecedores propósitos de aquisição da Luz. É a Lei do Amor, mola propulsora do progresso e das conquistas evolutivas.

A Misericórdia, todavia, não é conivente. Espera-nos no cadinho educativo do serviço paciente do burilamento íntimo. Contra os anelos de ascensão, encontramos em nossa intimidade os frutos amargos da semeadura inconsequente. São forças vivas e renitentes a vencer.

Sem dúvida, a ignorância cultural é causa de misérias sociais incontáveis, entretanto, a ignorância moral, aquela que mata ideais e aprisiona o homem em si mesmo, é a maior fonte de padecimentos da humanidade terrena.

O amor a si mesmo ainda é uma lição a aprender. Uma longa e paciente lição!

Quantas reencarnações neste momento têm por objetivo precípuo restabelecer o desejo de viver e recuperar a alegria de sentir-se em paz! Como operar semelhante transformação sem a aplicação da caridade consigo mesmo?

Criados para o amor, nosso destino glorioso é a integração com a energia da vida e com a liberdade em seu sentido de plenitude e paz interior. Ninguém ficará fora desse Fatalismo Divino.

Distantes do amor a si, ficaremos à mercê das provações sem recursos para sustentar na vida interior os valores latentes que nos conduzirão à missão individual estabelecida pelo Pai em nosso favor.

O auto-amor é base para uma vida em sintonia com a mensagem do Evangelho do Cristo. Sua proposta, aliás, é que nos amemos tanto quanto ao nosso próximo.

Descobrir nosso valor pessoal na Obra da Criação é assumirmo-nos como somos. Sois Deuses (2), eis a mensagem de inclusão e o convite para uma participação mais consciente e responsável no destino de cada um de nós.

Inspirada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Ermance Dufaux garimpa pérolas de raro valor com as quais, abnegadamente, oferece-nos esta preciosa joia literária para a alma. Suas reflexões constituem o antídoto para a velha doença da qual buscamos nos desvencilhar: o egoísmo e suas múltiplas manifestações doentias.

Felicita-nos avalizá-la, sob a égide do Espírito Verdade, para que destine aos homens na Terra uma mensagem de paz interior no resgate da nossa condição excelsa de Filhos Pródigos e Homens de Bem.


Calderaro, Hospital Esperança, Março de 2005. (3)


1. Calderaro é o iluminado instrutor de André Luiz na obra "No Mundo Maior", psicografia de Francisco Cândido Xavier - edição FEB.
2. João, 10:34.
3. Nota do médium: O prefácio de Calderaro foi escrito no Hospital Esperança e transcrito pela autora espiritual Ermance Dufaux através da psicografia. O Hospital Esperança é uma obra de amor erguida por Eurípedes Barsanulfo na erraticidade.

domingo, 16 de outubro de 2016

Escutando a Alma

Escutando Sentimentos - Prefácio


"Ouça quem tem ouvidos de ouvir."

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 17 - Item 5

Os apontamentos aqui organizados constituem indicativas às preces angustiadas de milhões de almas que anseiam a felicidade sem saber como e o que fazer para alcançá-la.

Inúmeras dessas rogativas partem de corações queridos iluminados com o conhecimento espírita. Aflitos uns, desanimados outros, apesar do clarão do saber doutrinário, sentem-se frustrados ao examinarem sua vida interior. Tarefas e orientação, prece e  esforço, segundo suas súplicas, não têm sido suficientes. Continuam, dia após dia, carregando o martírio mental sem soluções ou alternativas de sossego e paz interior.

Adentramos o período da maioridade. O Espiritismo é uma semente viçosa e promissora cultivada com sacrifício e renúncia por lavradores heroicos. Contudo, de que servirá as sementes se não forem lançadas no terreno fértil? É sob o Sol escaldante deste momento de transição que nos compete lavrar o chão e dominar o arado para o plantio de um novo tempo na própria intimidade.

O período de maioridade das idéias espíritas será alcançado com a instauração das atitudes de amor em nossas relações. Para isso, torna-se indispensável aprofundar a sonda da investigação mental no reino subjetivo dos sentimentos.

Quando conseguirmos melhor desenvoltura para mapear nossa vida moral com intenções nobres, renovaremos a conduta manifestando serenidade e autocontrole. O caminho é universal. É o mesmo para todos: o bem e o amor. A forma de caminhar, porém, é essencialmente individual, particular.

A mensagem espírita, em muitas ocasiões, é difundida como ameaça e recebida como tormenta por muitos adeptos. Ressalta excessivamente as feridas, estipulam rigidez de conduta e excessos normativos. Urge dar um '"novo sentido" à mensagem consoladora. A Doutrina Espírita é a Boa Nova dos tempos modernos. Sua mais nobre característica consoladora somente será comprovada quando seus postulados estiverem a serviço da libertação de consciências, através da responsabilidade e do amor.

Nas preces angustiadas de muitos adeptos, ouvimos as indagações: "O que me falta fazer para ser feliz?", "Onde estou falhando?", "Será uma obsessão que me persegue?', "Por que me encontro assim?", "Não deveria estar melhor?", "Como harmonizar padrões doutrinários com sentimentos pessoais?." E as questões multiplicam ao infinito traduzindo apelos comoventes e dúvidas sinceras.

A pedido de Doutor Bezerra de Menezes - amorável tutor das dores humanas - destinamos ao mundo físico este volume singelo. Aqui anotamos alguns ensinos inesquecíveis que marcaram a visita de uma semana do instrutor Calderaro ao Hospital Esperança, cuja missão foi a realização de serviços complexos nas mais profundas plagas de sofrimento da erraticidade.

Nossos núcleos de amor cristão e espírita alicerçaram bases seguras para informação doutrinária no século XX. Compete-nos agora semear o afeto, as propostas renovadoras do coração, o desenvolvimento das habilidades emocionais. O século XXI é o século do sentimento.

Trabalhar pelo desenvolvimento dos potenciais e das virtudes humanas, esse o objetivo sagrado da mensagem imortalista do Espiritismo no século XXI. Educar para ser, educar para conviver bem consigo, educar para ser feliz, eis os pilares da harmonia interior e da felicidade à luz do Espírito imortal neste século do coração.

A informação consola e instrui. A transformação liberta e moraliza.

A informação impulsiona. A transformação descobre.

Os informados pensam. Os transformados criam.

A teoria impulsiona a busca de novos valores. A reeducação dos sentimentos enseja a paz interior.

As diretrizes doutrinárias estimulam convenções que servem de limites disciplinadores. A renovação da sensibilidade conduz-nos ao encontro da singularidade que permite a plenitude íntima.

Inteligência - o instrumento evolutivo para as conquistas de fora.

Sentimento - conquista evolutiva para aquisições íntimas.

Na acústica da alma existem mensagens sobre o Plano do Criador para nosso destino. Aprender a ouvi-las é exercitar, diariamente, a plena atenção aos ditames libertadores dos sentimentos. Interferências internas e externas subtraem-nos, constantemente, a apreensão desses "recados do coração".

Escutar os sentimentos não significa adotá-los prontamente, mas aceitá-los em nossa intimidade e criar uma relação amigável com todos eles. Aceitá-los sem reprimir ou se envergonhar. Essa atitude é o primeiro passo para um diálogo educativo com nosso mundo íntimo. Somente assim teremos uma conexão com nossa real identidade psicológica, possibilitando a rica aventura do autodescobrimento no rumo da singularidade - a identidade cósmica do Espírito.

Escutar os sentimentos é cuidar de si, amar a si mesmo. É uma mudança de atitude consigo. O ato de existir ocorre no sentimento. Quem pensa corretamente sobrevive; quem sente nobremente existe. O pensamento é a janela para a realidade; o sentimento é o ponto de encontro com a Verdade. É pela nossa forma de sentir a vida que nos tornamos singulares, únicos e celebramos a individualidade. Quando entramos em sintonia com nossa exclusividade e manifestamos o que somos, a felicidade acontece em nossas vidas.

O sentimento é a maior conquista evolutiva do Espírito. Aprendendo a escutá-lo, estaremos entendendo melhor a nossa alma. Não existe um só sentimento que não tenha importância no processo do crescimento pessoal. Quando digo a mim mesmo "não posso sentir isto", simplesmente estou desprezando a oportunidade de auto investigação, de saber qual é ou quais são as mensagens profundas da vida mental.

O exercício do auto-amor está em aprender a ouvir a "voz do coração", pois nele residem os ditames para nossa paz e harmonia.

Os sentimentos são guias infalíveis da alma na sua busca de ascensão e liberdade. O auto-amor consiste na arte de aprender a escutá-los, estudar a linguagem do coração.

Pela linguagem dos sentimentos, entendemos o "apoio" do universo a nosso favor. Mas como seguir nossos sentimentos com tantas ilusões? Eis a ingente tarefa de nossos grêmios de amor espírita-cristão: educar para ouvir os nossos sentimentos. Radiografar nosso coração. Desenvolver estudos sistematizados de si mesmo.

Temos nos esforçado tanto quanto possível para aplicar as orientações da doutrina com nosso próximo. Mas... E nós? Como cuidar de nós próprios? A proposta libertadora de Jesus estabelece: "amai ao próximo", e acrescenta:"como a ti mesmo".

Os impulsos do self não atendidos, com o tempo, transformam-se em tristeza, angústia, desânimo, mau-humor, depressão, irritação, melindre e insatisfação crônica.

Além dos fatores de ordem evolutiva, encontramos gravames sociais para a questão da baixa auto-estima.

As gerações nascidas na segunda metade do século XX atingem o alvorecer do século XXI com "feridas psicológicas" profundas resultantes de uma sociedade repressiva, cujas relações de amor, com raras e heroicas exceções, foram vividas de modo condicional através de exigências. Para ser amada, a criança teve que atender a estereótipos de conduta.Um amor compensatório. Um rigor que afasta o ser humano de sua individualidade soterrando sua vocação, seus instintos, suas habilidades e até mesmo imperfeições. O pior efeito dessa repressão social é a distância que se criou dos sentimentos.

Essa geração pós-guerra vive na atualidade o conflito decorrente de céleres mudanças na educação e na ciência, que constrange ao gigantesco desafio de responder à intrigante questão: quem sou eu?

Paciência, atenção, perdão, tolerância, não julgamento, caridade e tantos outros ensinos do Evangelho que procuramos na relação com o próximo, devem ser aplicados, igualmente, a nós mesmos. Então surge a pergunta: Como?

Distante de nós a pretensão de responder. Nossa proposta consiste em oferecer alguns subsídios para pensarmos juntos sobre essa questão. Moveu-nos apenas o sentimento de ser útil, compartilhar vivências que suscitem o debate, a reflexão conjunta, a meditação e o estudo em nossos grupos de amor espírita e cristão. Grupos dispostos a compreender a linguagem emocional sob a ótica da imortalidade.

Temos no Hospital Esperança os grupos de reencontro, que são atividades de psicologia da alma com fins terapêuticos e educacionais - verdadeiras oficinas do sentimento. No plano físico, atividades similares poderão constituir uma autêntica pedagogia de contextualização para a mensagem de amor contida no Evangelho e na codificação Kardequiana.

Nestas páginas oferecemos alguns enfoques elementares para a composição de grupos de estudos à luz da mensagem renovadora do Espiritismo, cujo objetivo seja discutir o ingente desafio de aprender a amar a nós mesmos tanto quanto merecemos, promovendo o desenvolvimento pessoal à luz da imortalidade. Grupos de reencontro que se estruturem como encantadoras oficinas do coração.

Nossos textos nada possuem de conclusivos. Ao contrário, são sugestões singelas com intuito de serem debatidos, pesquisados e contestados, visando ampliação do entendimento e uma reformulação de conceitos sobre a arte de sentir e viver. Exaramos algumas idéias que nos auxiliam a pensar em nosso bem sem sermos egoístas, conquistarmos autonomia sem vaidade, galgarmos os degraus do auto-amor sem arrogância.

Fique claro: auto-amor não é treinar o pensamento para beneficiar a si, mas educar o sentimento para "escutar" Deus em nós. Descobrir nosso valor pessoal na Obra da Criação.

Tecemos nossas considerações inspiradas em O Evangelho Segundo O Espiritismo. As palavras imorredouras da Boa Nova constituem o cânone mais completo de psicologia da felicidade para os habitantes do planeta Terra.

Façamos o mergulho interior na fala do Mestre:"Ouça quem tem ouvidos de ouvir."

Em outra ocasião (...) voltou-se para a multidão, e disse: quem tocou nas minhas vestes? (1). Escutando e auscultando o coração feminino que lhe procurou rico de sensibilidade e afeto.

Escutemos a alma e suas manifestações no coração! Celebremos a experiência de amarmo-nos tanto quanto merecemos!

O eminente Doutor Carl Gustav Jung asseverou: "Nenhuma circunstância exterior substitui a experiência interna. E é só à luz dos acontecimentos internos que entendo a mim mesmo. São eles que constituem a singularidade de minha vida" (2).

Escutemos os sentimentos e nossa vida terá mais encanto, alegria e paz.

Nutrida pelas melhores esperanças de cooperar e servir, destino aos leitores e amigos de ideal um abraço afetuoso.

Ermance Dufaux - setembro de 2006


1. Mateus 9:29.
2. C. G. Jung, "Entrevistas e Encontros", Editora Cultrix.

SELF*
"É o arquétipo da totalidade, isto é, tendência existente no inconsciente de todo ser humano à busca do máximo de si mesmo e ao encontro com Deus. É o centro organizador da psiquê. É o centro do aparelho psíquico, englobando o consciente e o inconsciente. Como arquétipo, se apresenta nos sonhos, mitos e contos de fadas como uma personalidade superior, como um rei, um salvador ou um redentor. É uma dimensão da qual o ego evolui e se constitui. O Self é o arquétipo central da ordem, da organização. São numerosos os símbolos oníricos do Self, a maioria deles aparecendo como figura central no sonho". 

(trecho extraído da obra "Mito Pessoal e Destino Humano" do escritor espírita e psicólogo Adenáuer Novaes)

SOMBRA*
"É a parte da personalidade que é por nós negada ou desconhecida, cujos conteúdos são incompatíveis com a conduta consciente". 

(trecho extraído da obra "Psicologia e Espiritualidade" do escritor espírita e psicólogo Adenáuer Novaes).

* Nota do Médium: Conceitos Junguianos usados pela autora espiritual na obra.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Escutando Sentimentos - Sinopse


ESCUTANDO SENTIMENTOS 
A ATITUDE DE AMAR-NOS COMO MERECEMOS

ERMANCE DUFAUX



"Utilizando conceitos da psicologia Junguiana, do Evangelho e da Doutrina Espírita, Ermance constrói textos que nos ensinam o auto-amor. A autora assevera que nós espíritas temos dado passos importantes no amor ao próximo, mas nem sempre sabemos como cuidar de nós mesmos, tratando-nos com culpas, medos e outros sentimentos que não colaboram para nossa felicidade."