segunda-feira, 30 de maio de 2016

Angústia da Melhora

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 19


"O dever é o resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma que enfrenta as angústias da luta".

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 17 - Item 7

Angústia é o sofrimento emocional originado por alguma indefinição interna que leva ao conflito, causando intensa aflição. Seus reflexos podem alcançar o corpo físico com dores no peito e alteração respiratória. A intensidade da reação emocional que a criatura terá, diante desse seu conflito, vai determinar a existência ou não de algum prejuízo para o equilíbrio psíquico e mental. Isso ainda dependerá do maior ou menor comprometimento da individualidade com o tribunal da consciência, no qual está arquivado o montante de desvarios e conquistas de suas múltiplas vivências reencarnatórias.

Seguindo quase sempre uma linha predefinida, os conflitos nascem do desajuste entre aquilo que a criatura quer, aquilo que ela deve e aquilo que ela consegue. Um descompasso entre desejo, sentimento e escolha.

O conhecimento espírita pode levar à angústia existencial diante de novos alvitres comportamentais de suas lúcidas propostas. Muitos corações convidados por suas atrativas ideias poderão experimentar, em graus diversos, a angústia da melhora – o sofrimento que reflete a luta entre o eu real e o eu ideal.

Terminantemente, quantos se entregam ao serviço de autoburilamento penetrarão as faixas do conflito. O efeito mais perceptível dessa batalha interior é o sentimento de indignidade. Por ainda não lograrmos a habilidade do autoamor, costumamos ser muito exigentes com nossas propostas de progresso moral, cultivando uma baixa tolerância com as imperfeições e os fracassos. Uma postura de inaceitação e cobranças intermináveis alimenta essa indignidade em direção ao perfeccionismo.

O resultado iminente desse quadro mental é o cansaço, a desmotivação com as atividades espiritualizantes induzindo o desejo de abandonar tudo, uma postura psicológica de impotência que leva a criatura às famosas senhas de derrotismo: "Não vou dar conta!" ou "Não tem valido a pena o esforço!", "Estou cansado de viver!". Todo esse quadro de desastrosa penúria cria a condição mental do desânimo – o mais cruel e sagaz dos adversários de nosso crescimento espiritual.

Querer ser melhor e não conseguir tanto quanto gostaríamos! Eis a mais comum das angústias durante o trajeto de aperfeiçoamento na vida.

O desânimo é o desejo de parar, contudo nosso sentimento é de querer ser alguém melhor e, para agravar, nossas atitudes, em contraste com o desejo e o sentimento, são de fuga. Desejo, sentimento e atitude em desconexão gerando um estado de pane. Os conflitos criam as tensões no mundo íntimo em razão da contraposição entre esses três fatores: o que a criatura gostaria, o que ela deve e aquilo que ela consegue.

Nesse torvelinho da vida mental, um fenômeno é responsável por intensificar a dor emocional dos candidatos ao autoaperfeiçoamento, ou seja, a ilusão. Em muitos casos, sofremos os impactos emocionais do erro ou do desconforto com nossas imperfeições porque nos acreditamo grandiosos demais, portadores de virtudes que ainda não alcançamos, confundindo o conhecimento espírita e a participação nas tarefas com incomparáveis saltos evolutivos. Ilusão, ou desconexão com a própria realidade pessoal, agrava a tormenta da angústia de melhoramento.

Decerto não deveríamos agir como agimos em muitas ocasiões, considerando o volumoso caudal de conhecimentos e vivências espirituais que enobrecem nossos passos, contudo, quase sempre, sofremos culpa e desânimo perante nossas falhas porque nos imaginamo valorosos em demasia para, ainda, permitir que certas condutas manchem os novos caminhos que escolhemos.

Muito justo que nos exortemos a melhores comportamentos diante do aprendizado espiritual que bem recentemente começamos a angariar. Todavia, muita exigência tem sido formulada aos adeptos do Espiritismo, sem nenhuma identidade com as necessidades individuais de sua singularidade. Mormente nascem de padrões construídos por modelos de conduta. Semelhante quadro pode gerar tormenta e obsessão para quem não sabe adequar sua realidade àquilo que aprende, sendo outra fonte costumeira de episódios angustiantes para a alma.

Ninguém sintetizou tão bem essa caminhada da vida interior quanto Paulo, o apóstolo dos gentios, ao mencionar: "Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço" (1). A grande batalha humana pela instauração do bem em si mesmo pode ser sintetizada nessa frase.

A saga da perfeição inclui a dolorosa luta entre aspirações e hábitos, conduzindo-­nos a atitudes desconectadas dos ideias que cultivamos no campo das intenções. É o quadro psicológico que nomeamos como sendo angústia da melhora. Todo aquele que assume a lenta e desafiante tarefa da reforma íntima, inevitavelmente, será lançado a essa vivência da alma em variados lances de intensidade. Somente acendendo a luz do autoperdão, recomeçando quantas vezes forem necessárias, na aceitação das atitudes enfermiças e impulsos infelizes, é que edificaremos estimulante campanha de promoção pessoal no aprimoramento rumo à perfeição.

Reforma também exige tempo e meditação. Por isso não devemos recear a postura de enfrentamento do mundo íntimo. Um acordo de pacificação interior deve existir entre nós e nossa velha personalidade. Em vez de cobrança e tristeza, seria mais sensato um autoexame para verificar o que poderíamos ter feito de melhor nas ocasiões de erro, no intuito de condicionar na mente algumas diretrizes para outras oportunidades, nas quais novamente seremos testados naquelas mesmas deficiências das quais não conseguimos nos desvencilhar. Proceda a uma corajosa reconstituição do mau ato e analise o que poderia ter feito ou deixado de fazer para não chegar aos resultados que o infelicitam. Da mesma forma, instrua-se sempre sobre a natureza de suas mazelas, a fim de melhor ajuizar sobre sua maneira de atuação. Se de nada valerem semelhantes apontamentos, então reflita que pior ainda será se você parar e decidir por interromper o doloroso trabalho de melhoria.

Lázaro nos adverte de forma oportuníssima sobre o dever, definindo-­o como "... uma bravura da alma que enfrenta as angústias da luta". Conquanto o valor do autoconhecimento, jamais poderemos descuidar do dever que nos chama, porque somente em seu rigoroso cumprimento encontraremos as condições essenciais para consolidar os reflexos novos. Somente com novos hábitos, que serão dinamizadores de novos raciocínios e sentimentos, romperemos a pesada carapaça das enfermidades morais, acolhendo no coração um estado de plenitude que ensejará a superação da angústia e da depressão, do desânimo e do desamor a si mesmo.

Diante disso, somente uma recomendação não deve sair do foco de nossas atenções: trabalhar, trabalhar e trabalhar, sem condições e exigências – eis o buril do dever.

Na medida em que progredimos pelas trilhas do dever e do autoconhecimento, adquirimos paz íntima e domínio mental, antídotos eficazes contra quaisquer adoecimentos da vida psíquica.

Enquanto se processam semelhantes ações de fortalecimento, podemos ainda contar com duas medidas profiláticas de dilatado poder em favor de nossa paz: a vigilância e a oração.

Verifiquemos que a função do vigilante é preventiva, é comunicar à sua volta que algo está sob cuidado e não à mercê das ocorrências. A função do vigilante não é atacar. Quem vigia, o faz para que algo não o surpreenda nem agrida. Vigilância no terreno da reforma íntima significa estar atento ao inimigo, aquele que pode nos causar prejuízos, nosso homem velho.

Vigiar o inimigo, no entanto, é diferente de abater o inimigo. A maneira mais pacífica de vigiar é conquistando-­o, e só o conquistamos demonstrando a inviabilidade da guerra, fazendo fortes o suficiente os nossos valores para que ele se sinta impotente, incapaz de ser mais forte.

Vigilância é atenção para com as movimentações inferiores da personalidade, é o estudo sereno das estratégias do homem velho, requer muita disciplina.

Por sua vez, a oração é o movimento sagrado da mente no despertamento de forças superiores. É a busca da alma que se abre para o bem e se fortalece.

Dever, vigilância e oração – balizas seguras que nos permitem talhar o homem novo, mesmo sob a escaldante temperatura das velhas angústias que nos acompanham há milênios.

1. Romanos, 7:19.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Fé nas Vitórias

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 18


"Pois em verdade vos digo, se tivésseis a fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a esta montanha: Transporta-­te daí para ali e ela se transportaria, e nada vos seria impossível." (S. Mateus, 17:20)

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 19 - Item 1

A pensadora californiana Louise L. Hay define que as crenças são ideias, pensamentos e experiências que se tornam verdade para nós (1).

As crenças que cultivamos são muito importantes no processo de crescimento espiritual.

Ter a certeza de que vamos alcançar nossas metas íntimas é tão importante quanto alcançá-­las.

A reforma íntima, assim como qualquer outro projeto na vida, exige otimismo e fé para alcançar seus objetivos. Só será concretizada mediante uma reação de confiança conosco mesmos. É a crença de que somos capazes de nos livrar dos males que nos acompanham nas milenares experiências.

Muitos idealistas orientados pelos roteiros de melhoria espiritual, mas tomados de escassa autoestima, sucumbem sob o peso dos monstros da culpa e da vergonha, estabelecendo ideias de inutilidade e desistência pela ampliação dos obstáculos interiores. Supervalorizam suas imperfeições pelo excessivo rigor consigo mesmos, instalando um circuito mental de inaceitação e desgosto, a um passo do desespero e do desânimo com os nobres ideais de transformação e melhoramento, gerando um clima de derrotismo e menos-valia de si mesmos.

De fato, a sensação de frustração acompanhará, por muito tempo, nossos esforços de progresso, em razão das opções que fizemos nos sombrios vales da ilusão e da queda. Fortes condicionamentos se exprimem como traços marcantes da personalidade, contrariando as mais sinceras intenções de aperfeiçoamento. Esse, porém, é o preço justo que temos de pagar pelo plantio do bem em nós mesmos.

Valorizemos aquilo que gostaríamos de ser, contudo, valorizemos também o que já conseguimos deixar de ser, aquilo que não nos convinha. Valorizemos a luz que há em nós, é com ela que resgataremos a condição de criaturas em comunhão com as Sábias Leis do Pai.

Costuma-se observar, na atualidade, uma neurotização da proposta de renovação interior. Muita impaciência e severidade têm acompanhado esse desafio, levando ao perfeccionismo por falta de entendimento do que seja realmente a reforma íntima. Quando digo a mim mesmo: "não posso mais falhar" será mais difícil o domínio interior. Precisamos aprender a ser gente, a ser humano, a exercer o autoperdão, a admitir falhas, ciente de que podemos recomeçar sempre e sempre, quantas vezes forem necessárias, sem que isso signifique, necessariamente, hipocrisia, fraqueza ou conivência com o mal. A proposta espírita é de aperfeiçoamento, e não de perfeição imediata... O objetivo é sermos melhores e não os melhores.

Essa neurotização da virtude gera um sistema de vida cheio de hábitos e condutas radicais e superficiais que são fronteiriços com o fanatismo. Isso nos desaproxima ainda mais da autêntica mudança, e passamos a nos preocupar mais com o que não devemos fazer, esquecendo de investir esforços e descobrir os caminhos para aquilo que devíamos estar fazendo, aquilo que queremos alcançar e ser.

Por isso a memorização e valorização das pequenas vitórias de cada dia haverão de nos trazer incentivo e discernimento na dilatação da crença na perfeição, à qual todos nos destinamos. Semelhante tarefa exigirá que utilizemos, ilimitadamente, o autoperdão na construção mental da autoaprovação, porque, se não nos aprovamos nas faltas cometidas, caminhamos para o desamor a nós mesmos atraindo o fracasso.

Não devemos fazer de nossos erros a nossa queda. Recomeço sempre.

"Quando realmente amamos, aceitamos e aprovamos a nós mesmos exatamente como somos, tudo na vida funciona", assevera Louise L. Hay (2).

Fé pequenina, asseverou o Sábio Nazareno, do tamanho de um grãozinho de mostarda; isso bastará para solidificar nossa confiança no projeto de transformação que, inexoravelmente, vamos conquistar sob a égide dos pequenos êxitos de cada etapa.

Em uma guerra perde-­se muitas batalhas, como é natural ocorrer. O que não se pode é desistir de vencê-­la; esquivemos, portanto, da vaidade de querer vencer todas as batalhas e assumamos a posição íntima do bom combatente, aquele que sabe respeitar seus limites e jamais desistir de lutar.

Vitória sobre si mesmo, esse é o nosso bom combate, conforme destaca o inolvidável Apóstolo de Tarso (3).

Nunca esqueça que mais importante que a severidade da disciplina com nossas imperfeições é a alegria que devemos cultivar com nossos pequenos triunfos e nossas tenras qualidades. Alegria é fonte de motivação e bem­-estar para todos os dias.

Nos momentos de decepção consigo mesmo busque o trabalho, a oração e prossiga confiante na sua luta pessoal, acreditando nas suas pequenas vitórias. Logo mais perceberá, espontaneamente, o valor que elas possuem para sua felicidade e quanto significam para os que o rodeiam.

1 e 2. Você Pode Curar Sua Vida - Louise L. Hay, 44ª edição, Editora Best Seller.
3. II Timóteo, 4:7.

sábado, 14 de maio de 2016

Por Que Melindramos?

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 17


"Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar."

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 9 - Item 9

Por que nos ofendemos? Por que temos tanta suscetibilidade em relação a tudo que nos cerca? Quais as razões de encolerizar-nos perante fatos desagradáveis?

Eis três perguntas para as quais devemos dirigir nossa meditação, caso queiramos entender o que se passa conosco nos desafios do progresso espiritual.

Iniciemos nossas ponderações conceituando a palavra ofensa. Existe a ofensa por razões naturais, provenientes do instinto de defesa e preservação. Por meio dessas agressões, recebemos da mente os sinais de alerta para avaliarmos com melhor exatidão a conveniência e o grau de perigo ou importância do que nos cerca. É natural nos ofendermos com palavrões que causam dor aos ouvidos sensíveis; é natural nos ofendermos ao ver dois seres humanos se agredir; é mais que justo que nos ofendamos e tenhamos raiva ao sermos assaltados em uma rua; seria muito natural nos ofendermos quando formos injustamente julgados pelas pessoas que nos conhecem. A ofensa tem sua faceta benéfica, porque não devemos aceitar tudo que acontece à nossa volta passivamente, sem uma reação que nos faça sentir lesados ou ameaçados. O objetivo desse sentimento será sempre o de nos colocar a pensar na elaboração de uma conduta ajustada à natureza das agressões que sofremos.

Contudo, larga diferença vai entre a ofensa natural e o melindre, que é a reação neurótica às ofensas. Melindre é o estado afetivo doentio de fragilidade, que dilata a proporção e a natureza das agressões que sofremos do meio. Pequenas atitudes ou delicadas situações são motivos suficientes para que o portador do melindre se agaste terrivelmente, fechando-­se em corrosivo sistema de mágoa e decepção com os fatos e as pessoas que lhe foram motivo de incômodos e contrariedade. Assim, aumenta a intensidade do fato e desgasta-­se afetivamente com imaginações febris sobre a natureza das ocorrências que o afetaram.

Sabemos que a mágoa é o peso energético nascido das ofensas transportadas conosco dia após dia, como fosse um colesterol da alma, causando-nos males no corpo e no Espírito. Sabemos, também, que a irritação é como uma dura martelada no sistema nervoso, levando-­nos ao estresse e à perda energética. Então, por que agasalhar semelhantes malefícios quando temos tanto esclarecimento?

Compreendamos algo sobre os mecanismos da ofensa e da cólera para avaliar as razões que nos inclinam para essa atitude de desamor e, fazendo assim, procuremos, igualmente, por meio do melhor entendimento, oferecer a nós mesmos o corretivo para os problemas de melindre e contrariedades do dia a dia.

Primeiramente, deixemos claro que na raiz do melindre e da ofensa está o orgulho. Vejamos o que nos diz o codificador a esse respeito: "Julgando-­se com direitos superiores, melindra-­se com o que quer que, a seu ver, constitua ofensa a seus direitos. A importância que, por orgulho, atribui à sua pessoa, naturalmente o torna egoísta" (1).

O que está por trás da grande maioria das ofensas humanas são as contrariedades, ou seja, tudo aquilo que não acontece como se gostaria que acontecesse. Contrariar, para a maioria das criaturas, significa ser contra aquilo que se espera, ser nocivo aos planos pessoais, ser prejudicial, ser desvantajoso. Nessa ótica, tudo aquilo que não ofereça alguma vantagem na nossa forma de conceber os benefícios da vida é algo inoportuno, indevido, que não deveria ter ocorrido, gerando reações no mundo íntimo, cujos reflexos poderão ser percebidos na criação de sentimentos de pessimismo, infelicidade, desapontamento, animosidade, tristeza e rancor.

Excetuando alguns casos de educação mal orientada na infância, esse vício de não ser contrariado foi adquirido pelo Espírito em suas diversas experiências reencarnatórias, nas quais teve todos os interesses pessoais atendidos a qualquer preço. É o velho hábito da satisfação plena dos desejos da personalidade que, dispondo de poder e recursos, não hesitou em colher sempre para si mesma os frutos dos bens divinos que lhe foram confiados nas anteriores experiências. Hoje, renasce em condições que limitam suas tendências de saciação egoísta, instaurando um delicadíssimo sistema de revolta silenciosa quando não consegue o atendimento de seus interesses, experimentando uma baixa tolerância a frustrações. Essa revolta é o movimento interior de repúdio da alma aos novos quadros da vida a que é lançada, nos quais é compelida, pela força das circunstancias, a aprender a obediência aos ditames da Lei Natural, nem sempre afinados com seus gostos e aspirações individuais. Esse é o preço justo que pagamos pelo costume de termos sido atendidos em tudo que queríamos no pretérito, quando deveríamos ter aproveitado as ocasiões de fartura e liberdade para sermos atendidos naquilo que fosse o melhor para todos.

Assim, a alma passa hoje por uma série de pequenas ou grandes situações na vida, ofendendo-se e irritando-se com quase todas, desde que contrariem seus interesses individualistas. Um singelo ato de esquecer um documento ou ainda o simples fato de não ser correspondido num pedido a um familiar, ou mesmo não ter sido escolhido para assumir a presidência da tarefa espírita, tudo é motivo para a irritação, o desgaste e a animosidade, podendo chegar às raias da ofensa, da mágoa e do desequilíbrio. O estado íntimo, nesse passo, reproduz a nítida sensação de que tudo e todos estão contra sua pessoa, e fatos corriqueiros podem se tornar grandes problemas, enquanto os grandes problemas podem se tornar tragédias lamentáveis...

Os prejuízos desse hábito não cessam com as contrariedades, porque não se consegue improvisar defesas para um condicionamento tão envelhecido de hora para outra. Uma faceta das mais comuns desse estado de suscetibilidade aos fatos da vida pode ser verificada na neurose de controle, que pode ser entendida como a atitude de tentar levar a vida de forma a não permitir nenhuma contrariedade, nenhuma decepção. Essa neurose pode ser considerada como uma maneira de se defender do vício de não ser contrariado.

Mas não para por aqui essa sequência de expiações na vida íntima. O esforço em controlar tudo para que as coisas aconteçam a gosto tem como principal consequência a preocupação. Preocupação é o resultado de quem quer ter domínio sobre tudo da sua existência. Surge inesperadamente ou por uma razão plausível, mas é, em muitas ocasiões, o resultado oneroso dessa necessidade de tomar conta de tudo para não acontecer o pior, o inesperado.

Classifiquemos com maleabilidade nas conceituações três espécies de dramas que vivem os contrariados:

- Contrariado crônico – é aquele que não aceitou o próprio ato de reencarnar, já trazendo impresso na aura o clima de sua insatisfação, que irá refletir em todas as suas realizações. Casos como esse tendem a transtornos de natureza mental.

- Colecionador de problemas – é aquele que traz, de outras vivências corporais, o vício da satisfação de interesses pessoais e que busca seu ajuste com os atuais quadros de limitação na reencarnação presente, desenvolvendo a preocupação com problemas reais e irreais em razão de tentar um controle sobre-­humano nos fatos naturais da existência.

- O adulto frustrado – é aquela criança que foi mal orientada, que teve quase todos os seus desejos e escolhas atendidos, criando ausência de limites e baixa resistência à frustração. Foi a criatura impedida pelos pais de se frustrar com os problemas próprios das crianças.

Em qualquer uma das situações citadas, o sentimento de ofensa será parte comum na vida dessas criaturas, podendo suscitar pequenas ocorrências de decepção rotineira ou ainda dramas dolorosos da psicopatia, conforme as tendências e os valores de cada Espírito. A psicopatologia do futuro verá na contrariedade uma grave doença mental e a etiologia de severos transtornos da alma.

O que importa a todos nós é o ingente trabalho de renovação no campo dos nossos interesses. Afeiçoar-­se com mais devoção a aceitar as vicissitudes da vida, com resignação e paciência, fazendo o melhor que pudermos a cada dia em busca da recuperação pessoal, otimismo ante os reveses, trabalho perante as perdas, confiança e boa convivência com amigos de ideal, serviço de amor ao próximo, instrução consoladora, fé no futuro e boa dose de humildade são as medicações para ofensas e ofendidos na doença do melindre.

Ofender-­nos é impulso natural em vista dos direcionamentos que criamos nas rotas do egoísmo. Contudo, Deus não criou um sistema de punições para seus filhos, e nos concede, a todo instante, o direito de perdoar. E, perdoar, acima de tudo, significa aprender a aceitar sua Vontade Sábia e Justa em favor de nossa paz, na construção de dias mais plenos em sintonia com os grandes interesses do Pai.

1. Allan Kardec, Obras Póstumas – primeira Parte - "O egoísmo e o Orgulho", p. 225 - 25ª edição - FEB.