domingo, 27 de dezembro de 2015

O que Procede do Coração

Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 4


“Escutai e compreendei bem isto: Não é o que entra na boca que macula o homem; o que sai da boca do homem é que o macula. – O que sai da boca procede do coração e é o que torna impuro o homem”. (Mateus, 15:11)

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 8 - Item 8

"Dentre os velhos inimigos a burilar na caminhada evolutiva, as tendências que assinalam nosso estágio de aprendizado espiritual constituem fortes impulsos da alma que desviam o ser de seu trajeto natural na aquisição das virtudes.

Tendências são inclinações, pendores que determinam algumas características comportamentais da personalidade. Muitas delas foram adquiridas em várias etapas reencarnatórias e sedimentam o sistema de valores, com o qual a criatura faz suas escolhas na rotina da existência.

Entre essas inclinações, vamos encontrar a adoração exterior como sendo hábito profundamente arraigado na mente, determinando forte vocação para a ritualização, o místico e a valorização de tradições religiosas, por meio das quais o homem faz seu encontro com Deus.

Muito natural que nos dias atuais as manifestações exteriores em relação à divindade prevaleçam na humanidade terrena, considerando que o seu trajeto espiritual se encontra bem mais perto da animalidade que da angelitude.

Nesse sentido, é interessante analisar que, mesmo nas fileiras da doutrina da fé raciocinada, encontra-se a maioria de seus adeptos engalfinhados em vigorosas reminiscências que fizeram parte das movimentações da alma nas vivências das religiões tradicionais. Atrofiamento do raciocínio, supervalorização dos valores institucionais, engessamento de conceitos, sensação de missionarismo religioso, atitude de supremacia da verdade, idolatria a seres superiores, submissão de conveniência a líderes, relação de absolvição ou penitência com práticas espíritas, desvalorização de si mesmo em razão da condição de pecador, condutas puritanas perante a sociedade e seus costumes, cultivo de comportamentos moralistas, confusão entre pureza exterior e renovação íntima, essas são algumas tendências que se apresentam aos nossos celeiros espíritas, remanescentes de fortes condicionamentos psíquicos. Semelhantes caracteres imprimiram um padrão de práticas e conceitos no movimento espírita que, de alguma forma, estipulam referências a serem adotadas por seus seguidores.

Com todo respeito a fraternidade, necessitamos urgentemente ter a coragem de avaliar com sinceridade as influências “éticas” perniciosas dessas tendências no quadro de nossas vivências espiritistas. São reflexos inevitáveis do crescimento evolutivo que ninguém pode negar, mas daí a aceitá-las sem nenhum esforço de melhoria, é conivência e covardia. Torná-las uma referência religiosa pela qual se deva reconhecer o verdadeiro seguidor do Espiritismo é uma atitude recheada de ancestralismo e hipocrisia.

A comunidade espírita, que tantas benfeitorias tem prestado ao mundo, carece de uma reavaliação global em sua estrutura no que tange à noção de comprometimento. Convém que os líderes mais sensibilizados instiguem a formação da cultura da franqueza com fraternidade e clareza, no intuito de estabelecer uma oxigenação na sementeira para obtenção de mais qualidade nos frutos.

Muitos companheiros, os quais merecem nossa compreensão, costumam disseminar a concepção de que tudo deve correr conforme os acontecimentos, e justificam-se com a frase: “Se fazendo assim está dando certo, porque mudar?” Em verdade, o que deveríamos pensar é: "Se fazendo assim estamos colhendo algo, então quanto não colheríamos se fizéssemos melhor, se nos abríssemos às renovações que a hora reclama?"

Há uma acomodação lamentável que precisa ser aferida. A noção espírita de comprometimento foi lamentavelmente assaltada pelas velhas tendências de conseguir o máximo fazendo o mínimo. É a devoção exterior, a influência marcante da personalidade impregnada de religiosismo estéril querendo tomar conta da cabeça e do coração daqueles que estão sendo chamados a novos e mais altaneiros compromissos na espiritualização de si mesmo e da comunidade onde floresceram.

Frágil padrão de validação da conduta espírita tem tomado conta dos costumes entre os idealistas. Enraizou-se o axioma “espírita faz isso e não faz aquilo” que tenta enquadrar o valor das ações em padrões de insustentável bom senso. Padrões, como seria óbvio, que sofrem as fantasias do “homem velho”, habituado a sempre rechear com facilidades seu caminho em direção ao Pai, a fim de não ter de se enfrentar e assumir a árdua batalha contra suas ilusões enfermiças.

É assim que vamos notando uma supervalorização de coisas, como a não adoção de alimentação carnívora, a impropriedade de frequentar certos ambientes sociais, a fuga da ação política, a análise da vida dissociada das ciências e conquistas humanas, a interminável procura do passe como instrumento de melhoria espiritual ao longo de anos a fio, não chorar em velórios, distanciamento da riqueza como se fosse um mal em si mesma, cenho carregado como sinônimo de responsabilidade, silêncio tumular nos ambientes espíritas. Se fumar, não é espírita; se separar matrimonialmente, tem a reencarnação fracassada; se ingerir alcoólicos, não pode ser considerado alguém em reforma; se for homossexual, não pode entrar no centro; e assim prosseguem as predisposições particulares que são estipuladas uma aqui, outras acolá.

Absolutamente não devemos desprezar o valor de todas essas questões, quando bem orientadas para o bom senso e a lógica. Entretanto, nenhuma dessas posturas é referência segura sobre a qualidade de nossos sentimentos, o que parte do coração. O que sai do coração e passa pela boca é o critério de validação de nossa realidade espiritual. Por ele se conhece a verdadeira pureza, a pureza interior que é determinada pela forma como sentimos a vida que nos rodeia. E sobre esse assunto só temos condições de avaliar o que se passa no nosso íntimo, jamais o que vai no coração do outro.

A pureza exterior, sem dúvida alguma, pode ser um ensaio, um primeiro passo para o ingresso definitivo da Verdade em nosso coração. Todavia, amigos de ideal, pensemos se não estamos passando tempo demais na confortável zona do desculpismo, desejosos de facilitar para a consciência nossa noção sobre o que é ser espírita.

"... a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá..."(1)

Em conclusão, convenhamos que há muitos companheiros queridos do nosso ideário satisfeitos com o fato de apenas evitarem o mal, entretanto, estejamos alerta para a única referência ética que servirá a cada um de nós no reino da alma liberta da vida física: fazer todo o bem que pudermos no alcance de nossas forças(2). Para isso, somente trabalhando por uma intensa metamorfose no reino do coração de onde procedem todos os males."

1. Lucas, 12:48.
2. O Livro dos Espíritos – Questão 770 a.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Projeto de Vida

Livro: Reforma Íntima Sem Martírio
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 3

“O amor aos bens terrenos constitui um dos mais fortes óbices ao vosso adiantamento moral e espiritual. Pelo apego à posse de tais bens, destruís as vossas faculdades de amar, com as aplicardes todas às coisas matérias”.

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 16 - Item 14

"Materialismo é o estado íntimo que estabelece a rotina mental da esmagadora maioria das mentes no plano físico, focando os interesses humanos, exclusivamente, naquilo que fere os cinco sentidos. Posturas e noções culturais se desenvolvem nesse estado, levando a criatura a adotar o mundo das sensações corporais como sendo a única realidade.

O materialismo tem como base afetiva o sentimento de segurança e bem-estar, expresso comumente por vínculos de apegos e posse. Os reflexos mais conhecidos desses vínculos afetivos com a vida material são a dependência e o medo, respectivamente.

Em essência, o interesse central de todo materialista é tornar a vida uma permanência, manter para sempre o elo com todas as criações objetivas que lhe pertençam, sejam coisas ou pessoas. Contudo, a vida é regida pela Lei da Impermanência. Tudo é transformação e crescimento. Algumas palavras que asseguram uma linha moral condizente com essa Lei são: maleabilidade, incerteza, relativização, diversidade, ecletismo, pluralismo, alteridade, desprendimento, fraternidade, amor.

A volta do homem à vida corporal tem por objetivo o seu melhoramento, o engrandecimento de seus conceitos ainda tão reduzidos pela ótica das ilusões terrenas. Compreender que é um binômio corpo-alma, que tem um destino, a perfeição, e que a vida na Terra é um aprendizado são as lições que permitirão ao homem romper com os estreitos limites da visão materialista. Semelhantes conquistas interiores exigem preparo e devotamento a fim de se consolidarem como valores morais, capazes de levá-lo a cultivar projetos enobrecedores com os quais possa, pouco a pouco, renovar seus hábitos de vida.

Muito esforço será pedido para o desenvolvimento dessas qualidades espirituais no coração humano.

Uma semana na Terra é composta de dez mil e oitenta minutos. Tomando por base noventa minutos como o tempo habitual de uma atividade espiritual voltada para a aquisição de noções elevadas, e ainda levando em conta que raramente alguém ultrapassa o limite de duas ou três reuniões semanais, encontramos um coeficiente de, no máximo, duzentos e setenta minutos de preparo para implementação da renovação mental, ou seja, pouco menos de três por cento do volume de tempo de uma semana inteira. São nesses momentos que se angariam forças para interromper a rotina mental do homem comum. Por isso necessitamos tanto das tarefas espirituais para fixar valores, desenvolver novos hábitos e alimentar a mente de novas forças, tendo em vista a espiritualização a qual todos devemos buscar em favor da felicidade e da paz.

A superação da rotina materialista exige esforço, mas também metas, ideais, comprometimento.

Por isso a melhora espiritual não pode se circunscrever a práticas religiosas ou a momentos de estudo e oração. Imperioso será assumirmos o compromisso de mudança e elevação conosco mesmo, senão tais iniciativas podem reduzir-se facilmente a experiências passageiras de adesão superficial, sem raízes profundas nas matrizes do sentimento.

A reforma íntima solicita fazer de nossa vida um projeto. Um projeto de cumplicidade e amor!

Projeto de vida é outro nome da religião íntima, a da atitude, do comprometimento. Sem isso, como esperar que a simples frequência aos serviços  do bem, nas fileiras da caridade e da instrução, sejam suficientes para renovar a nossa personalidade construída em milênios de repetição no amor aos bens terrenos?

Um projeto de mudança espiritual não será tarefa infantil de traçar metas imediatistas, de fácil alcance, para nos causar a sensação de que aprimoramos com rapidez, mas sim o resultado do esforço pessoal em comprometer-se com ideais que motivem o nosso progresso e que, a um só tempo, constituam a segurança contra o desânimo e a invigilância. Ideais esses que se apresentam sempre em nossa caminhada como convites da Divina Providência para que possamos sair do lugar comum. Razão pela qual sempre encontraremos obstáculos e pedregais nas sendas da renovação espiritual. Isso porque aquele que realmente se eleva não deixa de causar mudança no meio onde estagia, atraindo para si todas as reações favoráveis e desfavoráveis aos ideais de ascensão. Isso faz parte de todo processo de espiritualização. Não há como não haver reações que podem ser, algumas vezes, sinais de que nos encontramos em boa direção...

Cumplicidade e comprometimento são as palavras de ordem no desafio do autoburilamento.

Evitemos, assim, confundir a simples adesão a práticas doutrinárias ou ainda o acúmulo de cultura espiritual como sendo iluminação e adiantamento, quando nada mais são que estímulos valorosos para o crescimento. Lembremos que só terão valor real, na nossa libertação, se deles soubermos extrair a parte essencial que nos compete interiorizar no fortalecimento de nosso projeto de vida no bem.

Lacordaire é muito lúcido ao afirmar que destruímos as faculdades de amar quando as reduzimos aos bens materiais. O cultivo da paixão ao adiantamento espiritual é a solução para todos os problemas da humanidade terrena, e o único caminho para um mundo melhor. Quando aprendemos isso, verificamos que a existência, mesmo que salpicada de problemas e dores, tem luz e vida porque plantamos na intimidade a semente imperecível do idealismo superior, o qual ninguém pode nos roubar."

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Ética da Transformação

Livro: Reforma Íntima Sem Martírio
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 2


“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral ...”
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 17 - Item 8

"A reforma íntima é um trabalho processual. Processual significa aquilo que obedece a uma sequência. Em conceito bem claro, é a habilidade de lidar com as características da personalidade melhorando os traços que compõem suas formas de manifestação. Caráter, temperamento, valores, vícios, hábitos e desejos são alguns desses caracteres que podem ser renovados ou aprimorados.

Nessa saga de mutação e crescimento, o maior obstáculo a transpor é o interesse pessoal, o conjunto de viciações do ego repetido durante variadas existências corporais e que cristalizaram a mente nos domínio do personalismo.

O hábito de atender incondicionalmente às imposições dos desejos e aspirações pessoais levou-nos à cruel escravização, da qual muito será exigido nos esforços reeducativos para nos libertamos do império do eu.

Negar a si mesmo ou despersonificar-se, esvaziar-se de si mesmo, tirar a máscara é o objetivo maior da renovação espiritual. Esse o grande desafio a seguido por todos os que se comprometeram com seriedade nas nobres finalidades do Espiritismo com Jesus e Kardec.

Extenso será esse caminho reeducativo na vitória sobre nossa personalidade manhosa e talhada pelo egoísmo...

O meio prático e eficaz de consegui-lo, conforme ensinam os Bons Espíritos da codificação, é o conhecimento de si mesmo (1).

Entretanto, para levar o homem ao aprimoramento, o autodescobrimento exige uma nova ética nas relações consigo mesmo e com a vida: é a ética da transformação, sem a qual a incursão no mundo íntimo pode estacionar em mera atitude de devassar a subconsciência sem propósitos de mudança para melhor. O Espiritismo é inesgotável manancial no alcance desse objetivo. Seu conteúdo moral é autêntico celeiro de rotas para quantos desejam assumir o compromisso de sua transformação pessoal com segurança e equilíbrio. Sem psicologismo nem atitudes de superfície, a Doutrina Espírita é um tratado de crescimento integral que esquadrinha os vários níveis existenciais do ser na ótica imortalista.

Nem sempre, porém, verifica-se tanta clareza de raciocínio entre os espíritas acerca dessa questão. Conceitos mal formulados sobre o que seja a renovação interior têm levado muitos corações sinceros a algumas atitudes de puritanismo e moralismo que não correspondem ao lídimo trabalho transformador da personalidade em direção aos valores capazes de solidificar a paz, a saúde e a liberdade na vida das criaturas. Por esse motivo, será imperioso que as agremiações do mundo erguidas em nome do Espiritismo ou aquelas que expandam a luz da espiritualização entre os homens investiguem melhores noções sobre a ética da transformação, a fim de oferecer a seus seguidores uma base mais cristalina sobre os caminhos e obstáculos no serviço da iluminação de si mesmos.

A prática essencial e meta fundamental dos ensinos dos Bons Espíritos é a melhoria da humanidade, a formação do homem de bem. O Espiritismo, em verdade, está nos elos que criamos uns com os outros e que passam a fazer parte da personalidade nova que estamos esculpindo com o buril da educação. As práticas doutrinárias são recursos didáticos para o aprendizado do amor – finalidade maior de nossa causa. Na falta do amor, as práticas perdem seu sentido divino e primordial.

Em face dessas reflexões, evidencia-se a urgência da edificação de laços de afeto nos grupamentos humanos, no intuito de fixarmos na intimidade as mensagens do Evangelho e do bem universal. Afeto é a seiva vitalizadora dos processos relacionais e o construtor de sentidos nobres para a existência dos homens.

O autoconhecimento, por meio das luzes de imortalidade que se estendem dos fundamentos espíritas, é um mapa de como chegar ao eu verdadeiro, à consciência. Todavia, essa viagem não pode ser feita somente com o mapa. Necessita de suprimentos morais preventivos e fortalecedores, precisa de uma ética de paz consigo mesmo. Somente se conhecer não basta, é necessário um intenso labor de autoaceitação para não cairmos nas garras de perigosas ameaças nessa viagem de retorno a Deus, cujas mais conhecidas são a culpa, a autopunição e a baixa autoestima, as quais estabelecem o clima psicológico do martírio. É preciso uma ética que assegure à transformação pessoal um resultado libertador de saúde e harmonia interior. Tomar posse da verdade sobre si mesmo é um ato muito doloroso para a maioria das criaturas.

À guisa de sugestões maleáveis, consideremos alguns comportamentos que serão efetivos roteiros de combate, vigília e treinamento para a instauração das linhas éticas no processo autotransformador: 


- Postura de aprendiz – jamais perder o vistoso interesse em buscar o novo, o desconhecido. Sempre há algo para aprender e conceitos a reciclar. A postura de aprendiz se traduz no ato da curiosidade incessante, que brota da alma como sendo a sede de entender o universo e nossa parte na dança dos 
ritmos cósmicos. Romper com os preconceitos e fugir do estado doentio da autossuficiência.

- Observação de si mesmo – é o estudo atento de nosso mundo subjetivo, o conhecimento das nossas emoções, o não julgamento e a autoavaliação constante. Tendemos a avaliar o próximo e esquecer o serviço que nos compete. No entanto, relembremos que perante a imortalidade só responderemos por nós, no que tange ao serviço de edificação dos princípios do bem na intimidade.

- Renúncia – a mudança íntima exige uma seletividade social dos ambientes e costumes, em razão dos estímulos que produzem reflexos no mundo mental. No entanto, a renúncia deve ampliar-se também ao terreno das opiniões pessoais e valores institucionais, para os quais, frequentemente, o orgulho nos ilude.

- Aceitação da sombra – sem aceitação da nossa realidade presente poderemos instaurar um regime de cobranças injustas e intermináveis conosco e, posteriormente com os outros. A mudança para melhor não implica em destruir o que fomos, mas dar nova direção e maior aproveitamento a tudo que conquistamos, inclusive nossos erros.

- Autoperdão – a aceitação, para ser plena, precisa do perdão. Recomeço é a palavra de ordem nos serviços de transformação pessoal. Sem ela o sofrimento e o flagelo poderão estipular provas dolorosas para a alma. É uma postura de perdão às faltas que cometemos, mas que gostaríamos de não cometer mais.

- Cumplicidade com a decisão de crescer – o objetivo da renovação espiritual é gradativo e exige devoção. Não é serviço para fins de semana durante nossa presença nas tarefas do bem, mas serviço continuado a cada instante da nossa vida, onde estivermos. Somente assumindo com muita seriedade esse desafio o levaremos avante. Imprescindível a atitude de comprometimento com a meta de crescimento que assumimos. Somos egressos de experiências frustradas no desafio do aperfeiçoamento pessoal, portanto, muito facilmente somos atraídos para ilusões variadas. Somente com severidade e muita disciplina construiremos o homem novo almejado.

- Vigilância – é a atitude de cuidar da vida mental. Cultivar o hábito de higiene dos pensamentos, da meditação no conhecimento de si mesmo, da absorção de nutrição mental digna nas boas leituras, conversas, diversões e ações sociais. Vigilância é a postura da mente alerta, ativa, sempre voltada para ideais enriquecedores.

- Oração – é a terapia da mente. Sem oração dificilmente recolheremos os germens divinos do bem que constituem as correntes de Energia Superior da Vida. Por meio dela, igualmente, despertamos na intimidade forças nobres que se encontram adormecidas ou sufocadas pelos nossos descuidos de cada dia.

- Trabalho - os Sábios Guias da codificação asseveram que toda ocupação útil é trabalho (2). Dar utilidade a cada momento do nosso dia é sublime investimento de segurança e defesa no projeto de crescimento interior.

- Tolerância – toda evolução é concretizada na tolerância. Deus é tolerância. Há tempo para tudo e tudo tem seu momento. Os objetivos da melhoria requerem essa complacência para conosco a fim de que haja mais resultados satisfatórios. Complacência não significa conivência ou conformismo, mas caridade com nossos esforços.

- Amor incondicional – aprender o autoamor é o maior desafio de quem assume o compromisso da reforma íntima, porque a tendência humana é desgostar de sua história de evolução ao tomar consciência do ponto em que se encontra ante os Estatutos Universais da Lei Divina. Sem autoamor a reforma íntima se reduz a tortura íntima. Aprender a gostar de si mesmo, independentemente do que fizemos no passado e do que queremos ser no futuro, é estima a si mesmo, um estado interior de júbilo com nosso retorno lento, porém gradativo, para uma identificação plena com o Pai.

- Socialização – se o interesse pessoal é o grande adversário de nosso progresso, então a ação em grupos de educação espiritual será excelente medicação contra o personalismo e a vaidade. Destaquemos, assim, o valor das tarefas doutrinárias regadas de afetividade e bom-senso moral. São treinamentos na aquisição de novos impulsos.

- Caridade – a socialização pode imprimir novos impulsos e reflexões no terreno da vida mental; a caridade é o dínamo de sentimentos nobres que secundará o processo socializador, levando-o ao nível de abençoada escola do afeto e revitalização dos ensinamentos espíritas.
Conviveremos bem com os outros na proporção em que estivermos bem conosco mesmos. A adoção de uma ética de paz, no transcorrer da metamorfose de nós mesmos, será medida salutar no alcance das metas que almejamos, ao tempo em que constituirá garantia de bem-estar e motivação para a continuidade do processo.

O exercício de negar a si mesmo não inclui o descuido ou o descrédito pessoal, confundindo a sombra que precisamos reciclar com necessidades pessoais que não devemos desprezar, para o bem-estar e equilíbrio. Cuidemos, apenas, de vincular essas necessidades aos novos rumos que escolhemos. Fazemos essa menção porque muitos corações queridos do ideal supõem que reformar é negar ou mesmo castigar a si mesmo, quando o objetivo do projeto de mudança espiritual é tornar o homem mais feliz é integrado à sua divina tarefa perante à vida.

Nos celeiros de luz dos ensinamentos do Evangelho, verificamos um exemplo de rara beleza e oportunidade que servirá como diretriz segura para a despersonificação dos servidores do Cristo na obra do amor: Ananias, o apóstolo chamado para curar os olhos do Doutor de Tarso. Quando o Mestre o chama pelo nome, o colaborador humilde, com prontidão e livre dos interesses pessoais, responde sadiamente: “Eis-me aqui, Senhor” (3)

O nome dessa virtude, no dicionário cristão, é disponibilidade para servir e aprender, o programa ético mais completo e eficaz para quantos desejam a autoiluminação."

1. O Livro dos Espíritos - Questão 919.
2. O Livro dos Espíritos - Questão 675.
3. Atos, 9:10.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Dores do Martírio

Livro: Reforma Íntima Sem Martírio
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Capítulo 1

"Não imaginais, portanto, que, para viverdes em comunicação constante conosco, para viverdes sob as vistas do Senhor, seja preciso vos cilicieis e cubrais de cinzas.
Não consiste a virtude em assumirdes severo e lúgubre aspecto, em repelirdes os prazeres que as vossas condições humanas vos permitem."

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 17 - Item 10

"No capítulo do crescimento espiritual torna-se essencial distinguir o que são as dores do crescimento e as dores do martírio. Não existe reforma íntima sem sofrimento, mas martírio é uma forma de autopunição, são penitências psicológicas que nos impomos como se, com isso, estivéssemos melhorando.

Em razão do complexo de inferioridade que assola expressiva parcela das almas da Terra, e cientes de que semelhante violência psicológica se deve ao nosso voluntário afastamento de Deus, ao longo das etapas evolutivas, fazendo-nos sentir inseguros e impotentes, hoje criamos as capas mentais para nos sentirmos minimamente bem e levar avante o desejo de existir e viver. Essas capas são as estruturas do eu ideal que nos leva a crer sermos mais do que realmente somos, uma defesa contra as mazelas que não queremos aceitar em nós mesmos.

A melhoria íntima autêntica ocorre pelo processo de conscientização, e não pelas dores decorrentes de cobranças e conflitos interiores, que instalam circuitos fechados e pane na vida mental.

Sem dúvida, todos sofremos para crescer; martírio, no entanto, é o excesso que nasce da incapacidade de gerir com equilíbrio o mundo emotivo, assumindo proporções e facetas diversificadas conforme o temperamento e as necessidades de cada qual. Não o confundamos também com sacrifício – ato que ocasiona dores intensas com o objetivo de alcançar alguma meta ou superar alguma dificuldade.

O que define a condição psíquica de martirizar-se é o fato de se crer no desenvolvimento de qualidades que, de fato, não estão sendo trabalhadas na intimidade. São as dores impostas a nós mesmos pelas atitudes de desamor, quando acreditamos no eu ideal e negamos ou fugimos de eu real.

Quase sempre as dores do martírio decorrem de não querermos experimentar as dores do crescimento. Um exemplo típico é quando somos convocados a examinar certa imperfeição apontada por alguém e, entre a dor da autoavaliação e a dor da negação, preferimos a segunda, a qual integra a lista das dores-excesso.

Dentre as formas autopunitivas mais comuns, destacamos que a maneira pela qual reagimos a nossos erros tem sido um canal de acesso a infinitas dimensões expiatórias. Muitos corações transformam o erro e a insatisfação com suas experiências em quedas lamentáveis e irrecuperáveis, quando a escola da vida é um gesto de sabedoria e complacência, convidando  sempre a nos reerguer e recomeçar perante os insucessos do caminho.

Quando se diz “não posso mais falhar” será mais difícil a conquista de si mesmo. Dessa forma começamos a conhecer os grandes inimigos do autoamor no nosso íntimo. Um deles é o perfeccionismo – uma das fontes de martírio que costumam dizimar a energia de muitos aprendizes da espiritualização. Querendo se transformar, partem para um processo de não aceitação de si mesmos e de autorreprovação muito cruel, inclinando-se para a condenação. A questão não é de lutar contra nós mesmos, e sim conquistar essa parte enferma, recuperá-la, e isso jamais conseguiremos se não aprendermos a amar a esse nosso lado doentio.

Essa forma inadequada de reagir a nossos erros abre porta para muitas consequências graves, e às vezes maiores que o próprio erro em si, tais como: estado íntimo de desconforto e desassossego quase permanente, torturante sensação de perda de controle sobre a existência, baixa tolerância à frustração, ansiedade de origem ignorada, medos incontroláveis de situações irreais, irritações sem motivos claros, angústia perante o porvir com aflição e sofrimento por antecipação, excesso de imaginação ante fatos corriqueiros da vida, descrença no esforço de mudança e nas tarefas doutrinárias, mau humor, decisões infelizes no clima emotivo de confusão mental, intenso desgaste energético decorrente de conflitos, desânimo – são algumas dores do martírio.

Quando permanecem prolongadamente, esses estados psicológicos configuram uma auto-obsessão que pode atingir o campo do vampirismo e de ilimitadas doenças físicas.

Poder-se-ia indagar a origem mais profunda de tantas lutas e teríamos que vagar por um leque de alternativas tão amplo quanto são as individualidades. Todavia, para nossos propósitos desse momento, convém refletirmos sobre uma das mais pertinentes atitudes que têm levado os discípulos espíritas aos sofrimentos voluntários com o seu processo de interiorização. Sejamos claros e evitemos subterfúgios para o nosso bem. O culto à dor tornou-se uma constante nos ambientes espíritas. Condicionou-se a ideia de que sofrer é sinônimo de crescer, de que sofrer é resgatar, quitar. Portanto, passou-se a compreender a dor punitiva como instrumento de libertação, quando, na verdade, somente a dor que educa liberta. Há criaturas dotadas de largas fatias de conhecimento espiritual sofrendo intensamente, mas que continuam orgulhosas, insensatas, hostis e rebeldes.

Não é a intensidade da dor que educa, é sim o esforço de aprender a amenizá-la.

O espírita costuma neurotizar a proposta da reforma íntima. É a neurose de santificação, um modo imaturo de agir em razão da ausência de noções mais profundas sobre a sua verdadeira realidade espiritual. Constatamos que existe muita impaciência com a reforma íntima por causa da angústia causada ao espírito por entrar em contato com sua verdadeira condição diante do Universo. Cria para si mesmo, através de mecanismos mentais, as virtudes de adorno ou compensações artificiais a fim de sentir-se valorizado perante a consciência e o próximo. São os esconderijos psíquicos nos quais quase sempre nos enfurnamos para não tomar contato com a verdade pessoal.

Essa neurotização da virtude gera um sistema de vida cheia de hábitos e condutas rígidas, a título de seguir orientações da doutrina. Adotam-se procedimentos que não são sentidos e avaliados pela arte de pensar. Isso nos desaproxima ainda mais da autêntica mudança, e passamos então a nos preocupar com o que não devemos fazer, esquecendo o que devíamos estar fazendo. Certamente esse caminho gera martírio e ônus para a vida mental.

Existem muitas dores naturais no crescimento espiritual que estabelecem um processo crônico de pressão psicológica, entretanto, diferem muita da autoflagelação, porque elas impulsionam e fazem parte da grande batalha pela promoção de todos nós. Observa-se, inclusive, que alguns corações sinceros, inseridos no esforço autoeducativo, experimentam essa silenciosa expiação, mas, por desconhecerem os percalços do trabalho renovador, terminam por desistir de prosseguir e se atolam no desânimo. Acreditam-se piores quando constatam semelhantes quadros de dor psicológica e deduzem que, ao invés de progredirem, estão em plena derrocada. Diga-se de passagem, não são poucos os quadros que temos observado com essas características no seio do movimento doutrinário.

Frequentemente existe um trio de malfeitores da alma que chicoteiam durante as etapas do amadurecimento, são eles: culpa, baixa autoestima e medo de errar. Apesar de serem sofrimentos psíquicos, funcionam como emuladores do progresso quando nos habilitamos a gerenciá-los. Assim, a culpa se transforma em autoaferição da conduta e freio contra novas quedas, a baixa autoestima se converte em capacidade de descobrir valores e o medo de errar se promove a valoroso arquivo de experiências e desapego de padrões.

Diante do exposto, indaguemos sobre quais seriam as medidas que deveriam ser implementadas nos núcleos educativos do Espiritismo, em favor da melhor compreensão dos roteiros de transformação interior. Aprofundemos o debate entre dirigentes sobre quais iniciativas poderiam ser facilitadas aos novos trabalhadores em favor de um aprendizado sem os torturantes conflitos originados da crueldade aplicada nos mesmos, quando não somos criativos o bastante para lidar com nossa sombra e tombarmos em martírios inúteis.

Reforma íntima deve ser considerada melhoria de nós mesmos, e não a anulação de uma parte de nós considerada ruim. Uma proposta de aperfeiçoamento gradativo cujo objetivo maior é a nossa felicidade.

Quem está na reforma interior tem um referencial fundamental para se autoanalisar ao longo da caminhada educativa, um termômetro das almas que aprimoram; inevitavelmente, quem se renova alcança a maior conquista das pessoas livres e felizes: o prazer de viver."

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Consciência de Si

Livro: Reforma Íntima Sem Martírio
Autora Espiritual: Ermance Dufaux

Introdução

“Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por este simples fato, todo o mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquela cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boamente que o homem que pratica o bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio”.
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. 17, item 8
"Estudiosos discípulo do Espiritismo nos propôs a seguinte indagação: que revelações novas teriam os amigos espirituais em favor do aperfeiçoamento interior nessa hora de tantas lutas na humanidade?
Em resposta a seu pedido sincero de aprender, registramos os textos aqui discorridos. Não constituem novidades, e sim um enfoque prático para velhas questões morais que absorvem quantos anseiam pela melhoria de si mesmos. 
Nossa proposta é apresentar algumas ideias-chave para fins de meditação e autoaferição, ou ainda para estudos em grupos que anseiam por buscar respostas sobre as intrigantes questões da vida interior. Se não entendermos realmente a razão de nossas atitudes, não reuniremos condições indispensáveis para o serviço renovador de nós mesmos. 
A capacidade de administrar o mundo objetivo torna-se cada dia mais precisa e rica de tecnologia para melhor eficácia nos resultados, todavia, a inabilidade na gerência do mundo íntimo é comprovada, a todo o instante, pelos atestados de descontrole e insatisfação que o homem tem demonstrado em sua vida pessoal. Homens vencedores edificam pontes maravilhosas que se tornam cartões postais no mundo inteiro, porém, nem sempre dominam a arte de construir um singelo fio de atenção que possa estabelecer uma ponte entre ele e seu próximo, diminuindo a distância que os separa. Cirurgiões habilidosos transplantam órgãos sensíveis com precisão e controle nos dedos, e, no entanto, constantemente se desequilibram quando pequeno talher escapa das singelas mãos de seu filho, gerando perturbação e mal-estar na prole. 
Se a essência da proposta educativa do Espiritismo é a melhoria espiritual pela reforma íntima, essa, por sua vez, tem por objetivo elementar, libertar a consciência dos grilhões do ego para que possa brilhar com exuberância, sem as sombras que teimam em ofuscá-la. Travamos ao iniciar a renovação de nós mesmos, uma batalha entre o ego e consciência nos rumos da conquista do "self" definitivo e glorioso. 
Reforma íntima! Eis o tema predileto dos adeptos do Espiritismo no vastíssimo conjunto de assuntos elevados que nos desafiam o entendimento do ponto de vista do espírito imortal. Apesar de sua predileção, constata-se que a assiduidade com a qual é tratada não lhe tem garantido noções mais dilatadas que permitam o esforço consciente na transformação da personalidade humana.
Nessa ótica, detalhemos alguns conceitos sobre reforma íntima que merecem ser resgatados no seu melhor entendimento:
É uma construção gradativa de valores, visando à solidificação de qualidades eternas.
É uma proposta de plenitude e não de derrotismo. É fazer mais luz para varrer as sombras. Muitos, porém, acreditam que luz se faz extinguindo as trevas...
É a formação do homem de bem. Não se trata de deslocar vícios e colocar virtudes. É dada muita importância às imperfeições nos ambientes da doutrina, quando deveríamos falar mais das virtudes do homem de bem.
É um processo libertador da consciência. Não se trata de vencer o ego, mas conquistá-lo pelo domínio natural da voz divina que ecoa em nossa intimidade.
Reforma íntima não deve ser entendida apenas como contenção de impulsos inferiores. Muito além disso, torna-se urgente analisá-la como o compromisso de trabalhar pelo desenvolvimento dos autênticos valores humanos na intimidade. Circunscrevê-la a regimes de disciplina pela vigilância e vontade poderá instituir a cultura do martírio e da tormenta como quesitos indispensáveis ao seu dinamismo.
Contenção é aglutinação de forças de defesa contra a rotina mental dos reflexos do mal em nós, todavia, somente a edificação da personalidade cristã, pródiga de qualidades morais nobres, permitirá a paz interior e o serviço de libertação definitiva para além da morte corporal. Por essa razão, entre os seguidores da mensagem espírita urge difundir noções mais lúcidas sobre o nível de comprometimento a que devem se afeiçoar todos os seus aprendizes. Apenas evitar o mal não basta, é imperioso fazer todo o bem ao nosso alcance. A reforma de profundidade exige devoção integral aos deveres da espiritualização, onde quer que estejamos, criando condições para vivências íntimas que assegurem revoluções afetivas revitalizadoras e motivadoras a rumos mais vastos na ação e na reação: é a criação de condicionamentos novos elevados.
Assim como o corpo não extirpa partes adoecidas, mas procura harmonizá-las ao todo, a alma procede seu crescimento dentro do princípio de reaproveitamento de todas as experiências infelizes.
Quem busca o aprimoramento de si mesmo tem como primeiro desafio o encontro consigo. A ausência de ideias claras a nosso respeito constitui pesado ônus a ser superado, o qual tem levado corações sinceros e bem-intencionados a dolorosos conflitos mentais com a melhora individual, instaurando um doloroso processo de martírio a si mesmo.
Não existe reforma íntima sem dor, razão pela qual será oportuno discernir quais são as dores do crescimento e quais são as que decorrem de nossa incapacidade em lidar com as forças ignoradas da vida subjetiva em nós mesmos. A distinção entre ambas tornará nosso programa de melhoria pessoal um tanto mais eficaz e menos doloroso.
Fala-se muito do homem velho e quase nada sobre como consolidar o homem novo. Dominados pelo mau hábito de destacar suas doenças espirituais, criou-se um sistema neurótico de supervalorização das imperfeições morais que têm conduzido muitos espiritistas à condição de autênticos hipocondríacos da alma.
Conter o mal é parte do processo transformador; construir o bem é a etapa nova que nos aguarda.
Bem além de controle, educação.
Acima de disciplina com inclinações, desenvolvimento de qualidades inatas.
Maturidade pode ser definida pela capacidade individual de ouvir a consciência em detrimento dos apelos do ego. Quanto mais fizermos isso mais seremos maduros e libertos. A saúde é estar em contato pleno com a consciência, e a doença é a escravidão ao ego. Reformar-se é tomar consciência do si mesmo, da perfeição latente à qual nos destinamos. Em outras palavras, estamos enaltecendo o ato da autoeducação.
Foi o notável Jung que afirmou: “até onde discernir, o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão do mero ser” (1).
Imperioso que acendamos essa luz, a luz que promana da autocrítica, sem a qual não nos educaremos.
E como exercer um juízo crítico honesto sem conhecimento das artimanhas da velha personalidade que geramos?
Senso crítico é, portanto, um dos pilares essenciais para a formação da autoconsciência, o qual nos permitirá desvendar as trilhas em direção aos tesouros divinos incrustados em pleno coração dessa selva de imperfeições, que trazemos do evo.
Apresentamos nessa obra alguns mapas para desbravar essa selva com segurança. Rotas para velhos temas morais já conhecidos de todos nós, mas que nem sempre conseguimos trazer à intimidade do entendimento satisfatório, atendendo ao anseio exuberante que espraia de nossas almas na construção da personalidade nova.
Decerto, como todo mapa, os caminhos para se atingir o destino são variados e pessoais, conforme a ótica e a escolha de cada qual, e por esse motivo entregamos todas as nossas abordagens com total despretensão quanto a resultados. Todavia, como a peregrinação pelos vales sombrios da nossa intimidade é repleta de imprevistos e ciladas, não abdicamos da palavra clara e sincera, acrescendo alguns exemplos de histórias dolorosas de quantos foram iluminados pela luz da Doutrina Espírita, sem iluminarem a si mesmos com a luz da experiência e da renovação.
Jamais nos moveu a intenção de que nossas considerações aqui exaradas pudessem constituir um roteiro de orientação ou uma tese didática sobre o tema com objetivo de traçar normas de conduta. Para nós não ultrapassam a condição de sugestões para diálogo em grupo ou meditações individuais. Nossos textos são um início de conversa, um ponto de partida para que vós outros na Terra empreendam a discussão livre e salutar sobre os caminhos da transformação humana, à luz do Espírito Imortal. Nosso coração estará sempre onde existirem os diálogos francos e produtivos acerca desse tema.
Sem pessimismo algum, mensurar a condição pessoal sem conhecimento pleno das histórias contidas em nossas fichas reencarnatórias, é, quase sempre, proceder a uma análise míope das condições espirituais autênticas que cercam nosso trajeto nos milênios. Por isso, palpitam muitas ilusões no terreno da nossa luta reeducativa, no plano físico ou fora dele. “Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter”.
Nossas reflexões destinam-se a uma autoavaliação. Sem uma incursão sincera no nosso mundo interior a fim de aquilatar o que somos e não somos, corremos o severo risco de repetir as múltiplas histórias que temos acompanhado por aqui, na vida imortal, na qual o coração bafejado pelas concepções doutrinárias acalenta uma miragem de si mesmo para além de suas reais proporções, tendo de se olhar, sem refúgios, no espelho da imortalidade amargando doloroso processo de desilusão.
Buscamos nossa inspiração em O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – repositório ético para a felicidade humana e incomparável manancial de inspiração superior – no qual encontramos inesgotável fonte de instrução e consolo dos Bondosos Guias da Verdade, em favor dos roteiros dos homens ante suas provas e expiações. Considere-mo-lo como sendo um receituário moral para todas as necessidades humanas na Terra.
Entregamos nossos apontamentos com alegria aos leitores e amigos, esperançosa de que a celeste misericórdia multiplique nossas migalhas de amor, saciando a fome da alma com bênçãos de paz e estímulo na aquisição da consciência de si mesmo.
Afetuosamente,
Ermance Dufaux
Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2003."

1. Memórias, Sonhos e Reflexões - Capítulo Sobre a vida depois da morte, Nova Fronteira - Rio de Janeiro.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Angústia da Perfeição

Livro: Reforma Íntima Sem Martírio
Autor Espiritual: Ermance Dufaux

Preâmbulo

“Pode alguém, por um proceder impecável na vida atual, transpor todos os graus da escala do aperfeiçoamento e tornar-se Espírito puro, sem passar por outros graus intermediários?”

“Não, pois o que o homem julga perfeito longe está da perfeição. Há qualidades que lhe são desconhecidas e incompreensíveis. Poderá ser tão perfeito quanto o comporte a sua natureza terrena, mas isso não é a perfeição absoluta. (...)”

O Livro dos Espíritos – Questão 192

"Alma querida nos ideais renovadores, é natural que sofra inquietação por nutrir objetivos transformadores.

Ante a penúria de seus valores, você se declara sem mérito para receber a ajuda Divina. Perante a extensão de suas falhas, açoita a consciência com lancinante sentimento de hipocrisia ao repetir os mesmos desvios, os quais já gostaria de não se permitir. Essa é a estrada da perfeição, não se martirize.

Tudo isso é compreensível, parte integrante de quantos se candidatam aos serviços reeducativos de si mesmos, portanto, não sejas demasiadamente severo consigo mesmo.

Sem lástima e censura, perdoe-se e prossiga sempre.

Confie e trabalhe cada vez mais.

Por mais causticantes as reações íntimas nos refolhos conscienciais, guarde-se na oração e na confiança e enriqueça a sua fé nas pequenas vitórias.

A angústia da melhora é impulso para promoção. O remédio salutar para amenizá-la é a aceitação incondicional de si mesmo.

Aceitando-se humildemente como é e fazendo o melhor que possa, você se vitalizará com mais fortes apelos interiores para a continuidade do projeto de melhoria e corrigenda. Por outro lado, se você se pune estará assinando um decreto de desamor contra si mesmo.

Afeiçoe-se com devotamento e sensatez aos exercícios que são delegados pelas tarefas renovadoras do bem, aprimorando-se em regime de vigilância e paciência.

Sem alimentar fantasias de saltos evolutivos, dê um passo atrás do outro.

Sem ansiar pela grandeza das estrelas, ame-se na condição de singelo pirilampo que se esforça por fazer luz na noite escura.

Faça as pazes com suas imperfeições. Descubra suas qualidades, acredite nelas e coloque-as à serviço de suas metas de crescimento, essa é a fórmula da verdadeira transformação.

O tempo concederá valor e experiência a seus esforços, ajustando seus propósitos aos limites de suas possibilidades, libertando-te da angústia que provém dos excessos.

Caminhe um dia após o outro na certeza de que Deus o espera sempre com irrestrito respeito pelas tuas mazelas, guardando o único direito de um Pai zeloso e bom, que é a esperança de que amanhã você seja melhor que hoje, para sua própria felicidade."